
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estuda estratégias para coibir a ocorrência de torneios ilegais de caça de animais silvestres no interior do Ceará.
A prática, já identificada em municípios como Morada Nova e Quixadá, envolve premiações que variam entre R$ 10 mil e R$ 20 mil. A informação é do superintendente do Ibama no Ceará, Deodato Ramalho.
“Essa conduta configura crime ambiental, podendo inclusive ser enquadrada penalmente como associação criminosa”, disse, durante o lançamento do Movimento SOS Guaramiranga, na semana passada, em Fortaleza.
A legislação, por meio da Lei nº 5.197/67, proíbe a caça de animais silvestres no Brasil. A proibição é reforçada pela Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), que prevê detenção de seis meses a um ano e multa.
Segundo Ramalho, grupos armados organizam os torneios por meio das redes sociais e viajam para municípios cearenses com essa finalidade.
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“Essa ação demanda um planejamento mais elaborado, pois esses indivíduos portam armas, exigindo uma série de cuidados operacionais. Nesse momento, estamos realizando um levantamento para identificar as áreas de ocorrência e solicitando o apoio da população”, completou Ramalho.
Na prática ilegal, é comum o abate e a captura de aves silvestres, tatus e animais de maior porte, como onças e veados, utilizando cães e armas.
Como ocorrem as caças

O biólogo Hugo Fernandes, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e autor da tese “A Caça no Brasil”, explica que a existência de um modelo de campeonato surgiu nos últimos anos no Nordeste brasileiro, sobretudo nas áreas de sertão.
Atualmente, a prática tem sido amplamente discutida pelas autoridades ambientais.
“É um movimento novo, com menos de 10 anos, e consiste na formação de equipes que atribuem diferentes pontuações para cada espécie caçada. O modelo mais comum são torneios envolvendo o grupo dos tatus”, esclarece.
“O tatu-galinha, também chamado de tatu-verdadeiro (Dasypus novemcinctus), por ser mais difícil de encontrar, vale mais pontos do que um tatu-peba (Euphractus sexcinctus), que é mais comum. De acordo com as regras, as equipes soltam os animais após reuni-los para conferência dos pontos”, completa.
Fernandes acrescenta haver muitos registros de torneios com caça direta, sem soltura. Além disso, espécies que possuem alta preferência alimentar, como veados, pacas e porcos-do-mato, são frequentemente caçadas para consumo, ainda que não “contem pontos” nesses torneios.
“Não existe somente esse modelo de torneio envolvendo tatus e soltura. Já há muitos registros de campeonatos de abate direto envolvendo outras espécies, inclusive ameaçadas”, enfatiza.
No YouTube, é comum o compartilhamento desse tipo de torneio ilegal. Entramos em contato com a plataforma para entender por que os vídeos em questão permanecem disponíveis em dois canais identificados pela coluna.
Em resposta, o YouTube informou que o conteúdo de um dos canais foi removido após nosso contato, por violar as diretrizes relacionadas a conteúdo violento — especificamente, por exibir imagens de humanos infligindo, de forma maliciosa, danos físicos ou psicológicos a animais.
Em relação ao segundo canal, a plataforma afirmou não ter constatado violações nas publicações denunciadas. Optamos por não divulgar os nomes dos canais em questão para evitar a promoção ou o incentivo ao consumo desse tipo de conteúdo. Ao final desta coluna, publicamos na íntegra o posicionamento oficial do YouTube sobre os casos.
Caça traz prejuízos ao meio ambiente e à saúde humana
A caça ilegal provoca desequilíbrio ambiental, impactando a manutenção da caatinga pela retirada de espécies importantes para o seu equilíbrio ecológico.
Fernandes destaca que esse tipo de caça, principalmente a direcionada a tatus, não envolve impacto somente para a fauna silvestre, mas também para os caçadores.
“E o impacto é grave. Existe uma forte correlação entre o aumento do índice de hanseníase em caçadores de tatu, pois a doença é provocada pelo patógeno Mycobacterium leprae, facilmente encontrado nesses animais”, frisa o biólogo.
“Faço parte de um grupo de pesquisa internacional, liderado por pesquisadores da University of Salford e do Centro de Pesquisa Florestal Internacional (Cifor), que está investigando a fundo essa relação. Além disso, o simples contato dos caçadores com as tocas desses animais pode deixá-los expostos a outros microrganismos, como esporos de fungos que trazem risco à saúde”, completa.
O biólogo também aponta que a soltura da caça causa impactos ambientais, gerando uma dispersão desordenada que afeta não apenas as espécies-alvo, mas também uma ampla variedade de outros animais.
“Mesmo os tatus que são soltos possuem território definido e o ato de soltá-los em um único local provoca uma desestruturação de toda a população”, sublinha.
O que o YouTube disse
“O YouTube é uma plataforma aberta de distribuição de vídeo na qual todos os conteúdos postados precisam seguir nossas diretrizes de comunidade, que definem o que pode ou não ser publicado na plataforma. Utilizamos ferramentas de aprendizado de máquina, revisores humanos e denúncias dos usuários para identificar violações, agindo imediatamente excluindo o vídeo, ou, se for o caso, encerrando o canal.
Analisamos diversos fatores ao revisar esse tipo de conteúdo, e tomamos muito cuidado ao aplicar nossas políticas Tentamos permitir o máximo de conteúdo possível no site, garantindo, ainda assim, o cumprimento das regras. Somente entre outubro e dezembro de 2024 foram removidos 9.4 milhões de vídeos do YouTube globalmente por desrespeitarem nossas diretrizes.”
Como denunciar caça ilegal
- Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA): (85) 3247-2630 ou (85) 3101-3545;
- Ibama: 0800 061 8080 (ligação gratuita, de segunda a sexta, das 7h às 19h);
- Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace): 0800.275.2233 (Disque Natureza).
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