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Novos projetos de energias renováveis no Nordeste estão à beira do colapso, dizem especialistas

As recentes negativas de conexão do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para empreendimentos como o data center da Casa dos Ventos, e as usinas de hidrogênio verde (H₂V), fazem com que a região Nordeste caminhe, na análise de especialistas do setor, para um "colapso sistêmico" de projetos novos e em andamento. 

Região é ainda o principal destino de investimentos no setor, mas vê futuro comprometido com falta de infraestrutura de transmissão

Escrito por
Luciano Rodriguesluciano.rodrigues@svm.com.br
03 de Maio de 2025 – 09:00

Foto que contém uma usina eólica e painéis fotovoltaicos em cidade do interior do Ceará
Legenda: Parques eólicos e solares invadiram a paisagem do interior do Estado, mas projetos estão com capacidade comprometida
Foto: Thiago Gadelha

As recentes negativas de conexão do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para empreendimentos como o data center da Casa dos Ventos, e as usinas de hidrogênio verde (H₂V), fazem com que a região Nordeste caminhe, na análise de especialistas do setor, para um “colapso sistêmico” de projetos novos e em andamento.

O alerta foi dado por Francisco Habib, diretor de engenharia e membro do conselho da Casa dos Ventos, empresa cearense do ramo de energias renováveis.

Ele diz que o Nordeste, de modo geral, está atrasado em conectar os projetos em andamento e os futuros investimentos junto à rede elétrica, atrasando o escoamento da produção.

“Existe uma visão de colapso sistêmico, não da operação em si, mas da modelagem das margens do Nordeste. O próprio ONS liberou um mapa de margens recentemente que mostra que praticamente não existe mais margem de conexão no Nordeste interior. Existe perto das capitais, onde não tem o recurso, projeto e área. Se formos olhar, nenhum projeto hoje no Nordeste consegue um novo parecer de acesso, e os projetos de carga também não estão sendo emitidos”, defende.

 

O consumo teoricamente resolveria parte do problema de geração, aumenta a demanda do Nordeste e viabiliza novos investimentos em geração, mas no fim do dia, se não pode fazer uma coisa ou a outra, não dá. Esses projetos precisam acontecer agora, e não depois. Ninguém está interessado em discutir projetos para 2030, são oportunidades de hoje. Temos de fato que buscar viabilizar grandes cargas porque elas são resoluções estruturantes para o problema do Nordeste de geração renovável.
Francisco Habib

Diretor de engenharia e membro do conselho da Casa dos Ventos

 

 

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Até o momento, pelo menos quatro projetos, incluindo três plantas de H₂V e um data center, tiveram a ligação na rede negada pelo ONS. Juntos, eles somam, em investimentos, mais de R$ 115 bilhões na cotação atual.

  • Voltalia: empresa francesa prevê investimento de US$ 3 bilhões — aproximadamente R$ 17 bilhões;
  • Fortescue: empresa australiana prevê investimento de R$ 20 bilhões;
  • Casa dos Ventos (H₂V): US$ 5 bilhões — aproximadamente R$ 28 bilhões;
  • Casa dos Ventos (data center): R$ 55 bilhões.

Pareceres negados mesmo com estudos

Essas declarações de Habib foram feitas à reportagem do Diário do Nordeste durante a 5ª edição do InterSolar Summit Brasil, evento que discutiu a aplicação das energias renováveis no País. Um dos principais pontos foi os dois pareceres de acesso negados pela Casa dos Ventos.

“A EPE divulgou um estudo ano passado dizendo que tinha margem. Em todos os nossos cálculos, tinha margem, mas o ONS decidiu que não tem mais margem. Se não tem margem, parecer de acesso negado, não faz projeto”, explica.

EPE na qual o diretor da Casa dos Ventos se refere é a Empresa de Pesquisa Energética. O órgão, subordinado ao Ministério de Minas e Energia (MME), publicou um estudo em outubro de 2024.

Nele, fica claro que “o sistema existente e planejado da região Nordeste já possui capacidade para conexão de cargas de grande porte, suficientes para o início do desenvolvimento de empreendimentos de produção de hidrogênio”.

 

Hidrogênio verde
Legenda: Hidrogênio verde pode gerar investimentos bilionários ao Ceará
Foto: Kid Júnior/Diário do Nordeste

 

Tal afirmação, no entanto, é diferente do entendimento do ONS. Em nota enviada à reportagem, o Operador afirma que as negativas de acesso dos projetos acontecem pela “inexistência de rede de transmissão disponível para atender, com segurança, os elevados montantes de demanda solicitado”.

 

A conexão de grandes consumidores, como data centers e plantas de H₂V, representa um novo desafio para sistemas elétricos. Essas cargas, de natureza disruptiva, têm surgido recentemente com demandas muito elevadas — muitas vezes da ordem de gigawatts (GW) — concentradas em pontos específicos do sistema, o que foge aos padrões históricos de crescimento da carga considerados no planejamento da expansão da transmissão, que se baseia em projeções macroeconômicas e demográficas.
ONS

Sobre o porquê das negativas para os projetos de ligação na rede

 

O Operador também garante que está agindo em parceria com o MME e a EPE para “viabilizar soluções estruturantes que permitam, de forma segura e sustentável, a futura conexão dessas novas cargas, resguardando a confiabilidade do atendimento a todos os usuários do sistema”.

Como está o panorama da geração de energia no Brasil?

As grandes usinas hidrelétricas, localizadas em vários dos principais rios brasileiros, ainda são as principais responsáveis pela energia gerada e consumida no País. Pouco a pouco, porém, a participação das plantas eólicas e fotovoltaicas ganham participação nesse cenário.

No atual sistema elétrico de geração centralizada (GC) do Brasil, tudo o que é produzido no País tem de ser imediatamente colocado na rede para o consumo. Às 19h05 da quarta-feira (30), segundo o ONS, a produção de energia no Brasil era dividida da seguinte forma:

  1. Hidrelétricas: 70,3 GW (78%);
  2. Eólicas: 12,1 GW (13,4%);
  3. Térmicas (incluso nucleares): 6,6 GW (7,3%);
  4. Fotovoltaicas: 0,04 GW (0,3%).

​​TOTAL DA GERAÇÃO: 90,1 GW (100%).

A geração das renováveis, no entanto, é impactada pela decisão de curtailment, em vigor desde o incidente de agosto de 2023 na linha de transmissão Quixadá-Fortaleza II e que provocou uma sobrecarga incomum no sistema, levando ao apagão que deixou praticamente todo o Brasil sem energia.

 

Legenda: Sistema brasileiro é formado por centenas de quilômetros de fiação
Foto: José Leomar/Diário do Nordeste

 

Essa questão é um dos principais desafios colocados por Raphael Amaral, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC). Para ele, o curtailment, aliado com a falta de infraestrutura da rede, pode fazer com que o Ceará e o Nordeste concretizem o colapso mencionado por Francisco Habib.

 

Estamos enfrentando um limite de saturação e estrangulamento estrutural. Esse fenômeno do curtailment tem se intensificado porque existe essa limitação desse escoamento de energia. Estamos gerando energia, mas estamos mandando para onde? Tem demanda na região? Não. Então preciso mandar para onde? A energia elétrica tem esse problema.
Raphael Amaral

Professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFC

 

Usinas podem virar “elefantes brancos”

Na época da Copa do Mundo de Futebol de 2014, a discussão era se vários dos 12 estádios construídos para a competição no Brasil se tornariam “elefantes brancos“, isto é, estruturas gigantes e com grande valor agregado, mas sem uso prático e com alto custo de manutenção. Esse é o atual desafio das usinas de energias renováveis no Nordeste.

Pelas características de hoje, geração energética brasileira e a lentidão em avanços na área, Raphael Amaral acredita que esse deve ser o destino das nossas usinas caso não haja soluções práticas efetivas.

 

“Essa falta de previsibilidade regulatória e essa lentidão na infraestrutura, principalmente de transmissão, compromete a segurança de retorno do investimento, corremos o risco de que esses projetos virem elefantes brancos se não houver nada que seja feito”, alerta.

 

“A consequência dessa falta de investimentos na infraestrutura também é a perda de investidores tanto nacionais como internacionais manifestarem interesse em continuarem investindo nesse setor por conta de toda essa situação. A vinda de investimentos desse porte traz uma rentabilidade maior para a região, uma rotatividade na economia, mas tudo isso é afetado com o curtailment“, completa o professor.

Ceará desperdiça 20% do potencial com curtailment

Como essa realidade já é sentida por quem produz a energia elétrica por meio de fontes renováveis, Raphael Amaral pontua que o desperdício médio com as restrições na geração de eletricidade fica na casa dos 15% no Nordeste, mas é ainda maior quando o recorte é feito para o Ceará especificamente.

“Trazendo especificamente para o Ceará, pode chegar a números mais expressivos, de 20% da geração sendo desperdiçada nos horários de pico. Uma das alternativas é o armazenamento dessa energia, seja por hidrogênio verde, seja por baterias, mas é um problema. É um problema que precisa começar a ser trabalhado por todas as esferas porque traz prejuízos muito sérios para o nosso estado”, avalia.

A questão das baterias, trazida pelo professor da UFC, é um dos pontos analisados, uma vez que elas atuam para armazenar a energia produzida em horários fora de pico e depois distribuída para a rede. Na análise do especialista, elas constituem o melhor meio atual de reduzir os efeitos negativos do curtailment.

 

Battery Energy Storage System (BESS) ou Sistema de Armazenamento de Energia por Baterias
Legenda: Battery Energy Storage System (BESS), traduzido para Sistema de Armazenamento de Energia por Baterias, deve funcionar armazenando o excedente da produção de energias renováveis
Foto: R. Classen/Shutterstock

 

“Se gerar energia elétrica, tem que consumir instantaneamente, a não ser que armazene. Uma das alternativas para evitar esse curtailment, mas que envolve mais custos. O hidrogênio verde é algo muito incerto de tecnologia, enquanto as baterias já estão mais consolidadas e seria uma maneira mais viável de se chegar em um equilíbrio”, diz.

A reportagem questionou diversas entidades, tais como Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) e MME para entender o que poderia ser feito para evitar esse colapso nas usinas de energias renováveis, mas não obteve retorno até a publicação deste material. O espaço segue aberto.

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Carlos Alberto

Oi, eu sou o Carlos Alberto, radialista de Campos Sales-CE e apaixonado por futebol. Tenho qualidades, tenho defeitos (como todo mundo), mas no fim das contas, só quero viver, trabalhar, amar e o resto a gente inventa!

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