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Ceará mira exportações de caprinos e ovinos para o mercado muçulmano com novo polo halal

O Ceará criou o primeiro cluster (concentração de empresas do mesmo setor) halal (produto permitido pelo Islã) de exportação de caprinos e ovinos do Brasil. O objetivo é atender às exigentes regras do mercado muçulmano, considerado um dos mais crescentes e rentáveis do mundo, além de abrir uma nova fronteira internacional para a comercialização de produtos cearenses.

Ideia é certificar os animais como autorizados seguindo regras específicas do Islã

Escrito por
Luciano Rodriguesluciano.rodrigues@svm.com.br
16 de Outubro de 2025 – 06:00

Foto que contém rebanho de cabras no Ceará.
Legenda: Ovinos e caprinos serão exportados vivos para o mercado muçulmano.
Foto: Marcel Bezerra/SDA

O Ceará criou o primeiro cluster (concentração de empresas do mesmo setor) halal (produto permitido pelo Islã) de exportação de caprinos e ovinos do Brasil. O objetivo é atender às exigentes regras do mercado muçulmano, considerado um dos mais crescentes e rentáveis do mundo, além de abrir uma nova fronteira internacional para a comercialização de produtos cearenses.

A iniciativa é uma atuação conjunta de um termo aditivo entre a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) e o Instituto Centro de Ensino Tecnológico (Centec). Conforme a secretaria, o projeto é considerado “ambicioso”, principalmente pelos padrões de qualidade e sanidade halal exigidos internacionalmente.

“O Termo Aditivo não só apoia a manutenção da Área Livre de Pragas pela Agência de Defesa Agropecuária do Ceará, mas também prevê a prospecção de ampliação dessa área, a operacionalização de 11 barreiras zoofitosanitárias e a capacitação de técnicos e produtores rurais”, destaca a pasta.

Domingos Filho, titular da SDE, acredita que a criação do cluster “promete potencializar a competitividade do agronegócio cearense no mercado global, com foco especial nos países muçulmanos”.

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Nova fronteira de exportações

O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), Amílcar Silveira, explica que exportar ovinos e caprinos é “extremamente mais remunerador do que o mercado interno”.

Com a abertura do mercado halal, Silveira espera maior protagonismo da pecuária cearense ns exportações do Ceará, dominadas por produtos siderúrgicos e calçados. A meta é ter participação anual bilionária até 2030, o que inclui a abertura do mercado muçulmano pela alta rentabilidade.

 

Traçamos um planejamento estratégico para exportar US$ 1 bilhão nos próximos cinco anos, ou seja, queremos dobrar as exportações do agronegócio do Ceará. Veio o tarifaço na contramão do que estava acontecendo com a gente. Estamos avaliando no mundo quais os mercados que podemos atender com os nossos, mas também estamos avaliando os produtos que o mundo precisa e que podemos produzir”.
Amílcar Silveira

Presidente da Faec

 

No caso do mercado halal, Amílcar acredita que, futuramente, “deve ser o maior do mundo”, pelo tamanho da população e pela remuneração, que é maior também em virtude das rigorosas normas estabelecidas pelo Islã.

“Estamos cooperando para tentar no próximo ano, no máximo em 2027, certificar todo o Ceará para exportar para o mercado halal”, defende.

 

Foto que contém rebanho de caprinos e ovinos no Brasil.
Legenda: Rebanho de caprinos e ovinos é nova fronteira de exportações a ser ultrapassada pelo Ceará.
Foto: Ministério da Agricultura e Pecuária.

 

Demanda inicial não é a carne

A ideia com o cluster é, antes de fazer o abate dos animais, enviá-los vivos enquanto se consegue a certificação para frigoríficos. Conforme a demanda for progredindo, as carnes de ovinos e caprinos poderão ser exportadas.

“A princípio, o que queremos fazer é exportar animal vivo para justificar a quantidade de animais que a gente pode ter e, no futuro, a gente pode colocar aqui que já está sendo estudado um frigorífico de abate de ovinos e caprinos halal”, elenca.

Pelas características dos animais envolvidos, em geral de menor porte do que bois e porcos, a demanda para abate de ovinos e caprinos ainda está restrita a pequenos produtores rurais, como pondera Amílcar Silveira.

Quase a totalidade do consumo ocorre ainda no mercado interno, em especial no Ceará. O grande filão desse mercado permanece com o curtume para aproveitamento do couro.

O que é um cluster halal?

Um cluster, no caso da agropecuária, é definido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) como um agrupamento de empresas, instituições e produtores para aumentar a competitividade e a eficiência do setor.

Já halal é um conceito muçulmano. Na tradução das palavras presentes no Alcorão, o livro sagrado do islamismo, significa lícito, autorizado perante as regras de Alá (Deus), conforme o Instituto da Cultura Árabe (Icarabe).

 

O cluster halal de ovinos e caprinos do Ceará é um agrupamento de empresas, instituições e produtores cearenses que visa seguir as regras estabelecidas e determinadas pelo Islã para garantir que os animais sejam halal, isto é, autorizados para consumo tanto da carne quanto derivados perante as regras do Alcorão.

 

Existem várias categorias de certificação halal existente, de acordo com dados da Fambras Halal, empresa derivada da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras).

Como conseguir a certificação halal?

Cabe à Fambras Halal ser a maior certificadora de produtos e serviços halal da América Latina. Segundo informações da empresa, dentre outros critérios, para conceder uma certificação halal, é preciso:

  1. Não conter ingredientes derivados de porco e/ou álcool;
  2. Ser produzido em instalações que seguem as regras de limpeza e segurança;
  3. Não ter contato, não ser transportado e não ser armazenado com outros produtos não halal.

Para receber a certificação halal, uma empresa, instituição ou entidade tem que passar por uma avaliação documental. Todos os ingredientes e materiais utilizados na fabricação ou beneficiamento do produto e origem precisam respeitar os preceitos islâmicos.

Só a partir disso é que a certificadora envia um auditor com conhecimentos na área de atuação da empresa (no caso do cluster halal do Ceará, um veterinário, por exemplo). Autoridades religiosas muçulmanas também acompanham a inspeção para verificar a adequação conforme as regras halal.

No caso do abate de bovinos, uma das principais carnes consumidas pelos islâmicos, é necessário fazer um ritual. Ele começa com a invocação das palavras Bismillah, Allahu Akbar (em tradução do árabe, significa “em nome de Deus, Deus é o maior”).

 

Foto que contém frangos abatidos pelo método halal no Paraná
Legenda: Frigoríficos no Paraná são certificados para abate halal. Brasil é o principal exportador de carne de frango halal do mundo.
Foto: Governo do Estado do Paraná/Divulgação

 

Como funciona na prática?

Todo o sangue do animal tem de ser drenado, o que leva aproximadamente três minutos. A faca deve ainda ser bem afiada para cortar as principais artérias do pescoço do boi, em um único corte, de forma a garantir a morte instantânea do animal. É uma das formas de minimizar o sofrimento do animal, conforme as regras halal.

 

A pessoa que vai abater tem de ser, preferencialmente, muçulmana. Na ausência de seguidores do Islã para a tarefa , um judeu ou um cristão poderá matar o animal, mas o supervisor do abate, obrigatoriamente, precisa ser islâmico.

 

As certificações podem ser parciais, por lotes de um determinado produto, ou totais, para todas as remessas do mesmo item. Com exceção de porco e derivados, demais animais, como bois, frangos, ovelhas, carneiros e cabras, podem ser consumidos pelos islâmicos, além de peixes.

Qual o tamanho do mercado halal?

Em entrevista ao Diário do Nordeste, o vice-presidente da Fambras Halal, Ali Zoghbi, dimensiona a cadeia de exportação de carne halal no Brasil. Somente no ano passado, o Brasil se isolou ainda mais como o líder mundial na exportação de cortes bovinos e de frango halal, com receita superior a US$ 4,2 bilhões (pouco mais de R$ 23 milhões na cotação atual).

O relatório State of the Global Islamic Economy Report 2023/2024, que traz um panorama sobre o mercado muçulmano, atesta que o setor de alimentos e bebidas halal movimentou US$ 1,43 trilhão em 2023, e pode chegar a casa dos US$ 2 bilhões até 2028.

 

Para efeitos comparativos, isso representa mais de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no ano passado.

 

Além de líder mundial em exportação de frango e carne bovina Halal, o Brasil mantém a liderança na comercialização de demais alimentos para a Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), que reúne 57 estados-membros com populações islâmicas expressivas ao redor do planeta.

 

Foto que contém preparo de mansaf, prato da culinária árabe.
Legenda: Mansaf, prato da culinária árabe, que leva carne de cordeiro no preparo. Animal será um dos exportados a partir do cluster do Ceará.
Foto: Shutterstock.

 

Países como Emirados Árabes UnidosEgitoArábia Saudita e Turquia são os principais importadores das proteínas animais halal do Brasil. Vale lembrar que a Indonésia tem a maior população muçulmana do mundo, com mais de 240 milhões de habitantes.

Ali Zoghbi ressalta que o mercado halal atende a um terço da população mundial, o que totaliza mais de 2,7 bilhões de pessoas atualmente, e que a certificação abrange uma gama de alimentos essenciais ao dia a dia da alimentação islâmica.

“Estamos trabalhando para implementar o sistema halal não apenas para alimentos de origem de proteína animal, mas sim mas para todos alimentos que possam ser exportados para países islâmicos e as comunidades Islâmicas, como mel, café, chocolates. Além disso, estamos expandindo a certificação para outros pilares como cosméticos, fármacos e serviços utilizados no turismo”, classifica.

Características do mercado muçulmano

Ali Zoghbi explica que o consumo de ovinos e caprinos (que incluem ovelhas, carneiros, bodes e cabras) “faz parte da cultura islâmica”: “Os países árabes importam cerca de US$ 14 bilhões ao ano, entre importações de animais vivos e até as cortes nobres. Em alguns países, o consumo chega a 17 kg por pessoa por ano”, diz.

“A utilização do leite em fabricação de queijos e outros produtos laticínios é comum para o consumidor árabe, além de consumir os miúdos quase que diariamente. Alguns pratos tradicionais têm como base esses produtos. E por fim, a própria lã é utilizada tanto como carpetes como na fabricação de alguns trajes árabes”, comenta.

 

“Além do consumo diário, existe uma semana específica onde há uma necessidade de animais vivos para o sacrifício religioso que depois resulta numa distribuição de proteínas aos mais necessitados. Somente na Arábia Saudita são sacrificados mais de 6 milhões de cabeças de ovinos e caprinos”, completa Ali Zoghbi.

 

Especificamente de ovinos e caprinos, a demanda do mercado halal é suprida por animais oriundos do Uruguai e da Oceania, em especial Austrália e Nova Zelândia. No Brasil, o vice-presidente da Fambras Halal evidencia que a informalidade ainda é dominante, completamente ao contrário das práticas rigorosas estabelecidas pelo Islã.

 

Foto que contém rebanho de ovelhas no Ceará.
Legenda: Criação de ovinos e caprinos no Brasil e no Ceará ainda é dominada pela informalidade, dizem especialistas
Foto: Sebrae-RS/Divulgação.

 

“O abate e processamento ocorre desde operações clandestinas e domésticas até matadouros e frigoríficos locais sem os devidos controles sanitários. Existe uma tendência da mudança dessa cultura e algumas iniciativas já estão ocorrendo tanto no desenvolvimento do rebanho quanto na estrutura de engorda adequada e produção com projetos de frigoríficos mais bem estruturados, mas infelizmente ainda é exceção”, define.

O Ceará tem o quarto maior rebanho de ovinos do País, com mais de 2,6 milhões de cabeças, mesma posição ocupada nos caprinos. Nesses animais, o estado tem pouco mais de 1,1 milhão de cabeças. Os dados são da Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM) de 2024, levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em ambos, a Bahia tem o maior rebanho do Brasil.

“Comparando o Brasil com sua população de aproximadamente 35 milhões de cabeças (21 milhões de ovinos e 14 milhões de caprinos) e concentrado no Nordeste (70% dos ovinos e 90% dos caprinos), era de se esperar alguma relevância no mercado internacional. O grande desafio dessa cadeia será promover a carne brasileira nos mercados importadores, pois atualmente somos desconhecidos nesse mercado internacional de caprinos e ovinos”, lamenta Ali Zoghbi.

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Carlos Alberto

Oi, eu sou o Carlos Alberto, radialista de Campos Sales-CE e apaixonado por futebol. Tenho qualidades, tenho defeitos (como todo mundo), mas no fim das contas, só quero viver, trabalhar, amar e o resto a gente inventa!

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