Tapiocas de rua custam quase 80% menos que as de padaria.
Os carrinhos de tapioca fazem parte do cenário e da dinâmica econômica de Fortaleza. Diferentemente das tapiocas rendadas, encontradas em padarias e cafeterias, a forma redonda, com goma e leite de coco, surge em diversas ruas da Cidade, com o valor médio de R$ 2,25 e seu cheiro inconfundível.
Acompanhada de café, leite ou suco de laranja, a clássica iguaria nordestina é costume na refeição matutina dos moradores da Capital. Quem sai mais cedo de casa e não tem tempo de se alimentar acaba contribuindo para o comércio dos vendedores, que madrugam para atender a clientela.
Antes mesmo do sol amanhecer, há 17 anos, Antônio Reges, de 43 nos, já está em seu ponto de venda, preparando os primeiros pedidos do dia. Ele chega às 4h50, de segunda à sábado, na Praça Luiza Távora, para dar início às vendas em seu ponto: o Loro Lanches, ou Loro da Tapioca.
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Os mais íntimos o conhecem por “Loro” ou “Lorinho”, vendedor da iguaria na região da Aldeota. Até as 10 horas da manhã, horário que encerra o expediente, atende quem frequenta a praça e quem passa por perto a caminho do trabalho.
Antônio é apenas um dos mais de 8 mil microempreendedores formalizados e ativos no segmento de serviço ambulante de alimentação no Ceará, conforme os dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/CE).
Em 2025, o Sebrae registrou 683 novos negócios de vendas alimentícias apenas na cidade de Fortaleza. O quantitativo corresponde a 51% das empresas de serviço ambulante de alimentos abertas no Ceará desde o começo do ano.
Fonte de renda para as famílias
Alan Girão, analista do Sebrae/CE, afirma que a tendência é que esse eixo de negócio seja mais procurado pelas pessoas, por se tratar de “demandas temporárias e que ajudam na complementação da renda”.
Apesar de poder surgir como uma arrecadação extra, muitos dos que já atuam no segmento têm os carrinhos de tapioca como a principal fonte de faturamento. É o caso, por exemplo, de Francisco Alixandre, profissional que iniciou na venda de tapiocas há três meses.
Aos 39 anos, ele decidiu se inserir no ramo após sair de seu antigo trabalho como motorista. Durante a semana, chega às 5h30 à Praça Luiza Távora, dividindo espaço não apenas com o Loro, mas, segundo ele, com os outros vários vendedores que escolhem uma das ruas ao redor para se estabelecer durante o dia.
Alixandre não tinha total conhecimento da “concorrência” quando escolheu o ponto, que, segundo ele, foi definido pela boa sombra proporcionada. Entretanto, afirma que cada um tem os próprios clientes e que os horários específicos de cada carrinho parecem contribuir para a distribuição das vendas.
Por ainda ser novo nesse segmento, o profissional ainda não está formalizado. Ele afirma que a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) já esteve em seu local de vendas, informando a necessidade de se cadastrar como um Microempreendedor Individual (MEI).
Quando o empreendedor informal se torna MEI, além de garantir sua cobertura previdenciária, torna-se possível profissionalizar mais seus negócios, tendo acesso facilitado a máquinas de cartão, fornecedores de insumos com melhores condições e acesso a linhas de crédito com juros mais atrativos
4 bairros concentram mais carrinhos de tapioca
Conforme o estudo do Sebrae/CE, há quatro bairros da Capital cearense que concentram mais de 35% dos carrinhos de lanches espalhados pela cidade: Aldeota, Benfica, Centro e Messejana.
Daniel Guia de Menezes é apenas um dos vendedores no Centro, estabelecido há 13 anos na Rua Castro e Silva, próximo à Igreja da Sé. Desde pequeno, escutava as conversas do tio sobre esse segmento específico de negócio e, aos 17 anos, passou a ter o próprio carrinho no centro de Fortaleza.
Todos os dias, a clientela é composta por quem trabalha no varejo ao redor e por quem precisa resolver demandas pessoais pelas ruas do bairro. Junto aos demais comerciantes em carrinhos, ele comercializa tapiocas em um dos mais clássicos locais de venda da cidade.
Tapiocas de rua custam 79% menos que as de padaria
Alixandre afirma ter “a tapioca mais barata da Aldeota”, com valores variando entre R$ 2 e R$ 4 a depender do recheio escolhido. O custo da iguaria em outros carrinhos não está muito atrás, ficando na média de R$ 2,25 a tapioca redonda tradicional.
Já nas padarias da Aldeota e do Centro, a média cobrada por uma tapioca rendada com manteiga é de R$ 11,22 reais, com valores alterando entre R$ 7,90 e R$ 19. Se escolher um recheio de queijo para compor a iguaria, a média de preços já sobe para R$ 17,66, com preços valores entre R$ 12,90 e R$ 25.
Na comparação entre os valores médios de R$ 2,25 e R$ 11,22, verifica-se que as tapiocas vendidas nos carrinhos são aproximadamente 79,9% mais baratas do que aquelas comercializadas em padarias.
Contudo, é importante considerar que esses estabelecimentos arcam com custos relacionados a impostos, despesas com pessoal e demais manutenções necessárias ao funcionamento do local. “O carrinho de lanche possui um diferencial competitivo que permite uma redução nos custos fixos e, com isso, oferecer um preço reduzido”, pondera o analista.
Apesar do diferencial, Alan lembra que há vantagens quando se fala de padarias, pois “com uma cozinha mais bem estruturada, é possível oferecer tapiocas e outros lanches com outros ingredientes e um sabor ou qualidade que não é possível atingir quando se tem pressa para pegar um lanche enquanto espera o ônibus chegar”.
Essa prática diária, considerada um “marco da paisagem gastronômica urbana” para a antropóloga Vanessa Moreira, é o que contribui para os vendedores conquistarem seus objetivos pessoais.
Foi com o dinheiro dos últimos 17 anos de venda que o Loro conseguiu comprar, por exemplo, o carro e a casa própria: “Assim, a gente está dando continuidade, para melhorar cada vez mais”, conclui.
Cultura alimentar
A prática é um “elo entre tradição e modernidade”, como explica Vanessa, que também é coordenadora de Cultura Alimentar e Pesquisa da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco.
Esses carrinhos contam a história de um costume que se adaptou às transformações da Cidade. Antes símbolo do café da manhã simples de casa, a tapioca se reinventou como comida de rua, acompanhando o ritmo dos trabalhadores, estudantes e turistas. […] Comer tapioca na rua é uma forma de reconhecer o que é nosso, de reafirmar a mandioca como base da nossa identidade alimentar
É nesse contexto que os carrinhos de tapioca se inserem no mercado fortalezense como “negócios de conveniência”, segundo Alan. De acordo com ele, são comércios comuns na sociedade e que podem trazer “comodidade às pessoas que, por algum motivo, precisam de algo que esqueceram de última hora ou que buscam um conforto adicional”.
Fiscalização busca garantir alimentação segura nas ruas
A Agefis informou que as fiscalizações partem de “demandas das Secretarias Regionais (SER) e de denúncias registradas pela população nos canais oficiais de atendimento”.
O Termo de Permissão de Uso (TPU), autorização formal para exercer as atividades de venda, deve ser solicitado na Secretaria Regional responsável pela área onde o vendedor pretende atuar.
*Estagiária sob supervisão do jornalista Hugo R. Nascimento.













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