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Rapadura foge do óbvio em sabores como cachaça, pistache e até afrodisíaco

Foi-se o tempo em que comer rapadura se resumia às versões tradicional e com coco. Feito tudo no mundo, nossa delícia também evoluiu. Gama de sabores para além do óbvio deixa a iguaria ainda mais versátil e querida, e comprova o alcance dela entre diferentes públicos. 

Iguaria ganha novas versões e tem em Pindoretama o epicentro mundial de produção.

Escrito por
Diego Barbosadiego.barbosa@svm.com.br
27 de Novembro de 2025 – 07:08

Na imagem, uma foto em close-up, com profundidade de campo rasa, mostra vários pedaços de rapadura de cor verde, embalados individualmente em plástico transparente, empilhados sobre uma superfície. Um rótulo parcialmente visível nas embalagens diz
Legenda: Rapadura de kiwi é um dos sabores diferenciados no Engenho Tradição.
Foto: Ismael Soares.

Foi-se o tempo em que comer rapadura se resumia às versões tradicional e com coco. Feito tudo no mundo, nossa delícia também evoluiu. Gama de sabores para além do óbvio deixa a iguaria ainda mais versátil e querida, e comprova o alcance dela entre diferentes públicos.

Já pensou em experimentar a de cachaça? E a de pimenta? A sensação pistache também chegou aos engenhos, bem como kiwi, cappuccino, blue ice – com gosto de sorvete – e chiclete. Até rapadura afrodisíaca é possível encontrar lojas afora, num misto de amendoim, castanha, pó de guaraná e açaí. E o melhor: tudo com gosto super apurado e irresistível.

O Verso percorreu três engenhos em Pindoretama, Região Metropolitana de Fortaleza – município considerado a capital mundial da rapadura – para experimentar cada sabor e acompanhar o passo a passo da feitura de um dos doces mais apreciados de nossa mesa.

 

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Comecemos, inclusive, por este ponto: a produção do quitute. De acordo com Izakeline Ribeiro, jornalista e pesquisadora de Gastronomia, a receita tradicional envolve sobretudo o cozimento do caldo de cana fresco.

Esse caldo é fervido até concentrar e atingir o ponto de massa – processos tecnicamente conhecidos como redução e caramelização. Em seguida, acontecem retirada da espuma e moldagem. Variações de textura e sabor dependem da qualidade do caldo, controle de temperatura e manejo no tacho.

 

Na imagem, uma foto com foco em um plano próximo registra o processo de fabricação de rapadura em um engenho. Um líquido espesso e brilhante, de cor caramelo vibrante, escorre de uma grande concha preta, formando um filete curvo e viscoso que cai sobre uma superfície escura. Gotas de calda espirram ao redor. Em segundo plano e desfocado, um homem com um boné vermelho e uma camiseta colorida que diz
Legenda: Receita tradicional da rapadura envolve sobretudo o cozimento do caldo de cana fresco.
Foto: Ismael Soares.

 

A busca por agregar valor econômico ao produto tradicional, permitindo preços maiores e novos canais de venda – além da tentativa de conectar a iguaria a paladares mais urbanos e jovens, que valorizam inovação e diversidade sensorial – são dinâmicas associadas ao surgimento de novos modos de apresentação e sabores da delícia.

“A adição de frutas, chocolates, cafés, castanhas, cachaça e outros insumos atrai consumidores que talvez não comprassem a rapadura ‘pura’ e transforma o doce em souvenir, presente ou ingrediente criativo na gastronomia contemporânea”, situa a estudiosa.

 

Na imagem, uma foto em close-up e com foco raso captura as mãos de um trabalhador moldando a rapadura. As mãos estão pressionando uma porção da massa ainda quente e maleável, de cor caramelo-dourada e textura granulada e pegajosa, dentro de uma forma de madeira rústica, escura e retangular. A massa está espalhada tanto na forma quanto na ferramenta de madeira que está sendo usada para pressioná-la. O fundo da imagem está borrado, mas mostra mais massa de rapadura. A cena documenta uma etapa manual do processo de fabricação do doce.
Legenda: Moldagem é um dos processos de preparação da rapadura.
Foto: Ismael Soares.

 

Ela reforça ser este um movimento importante, tendo em vista a função dele de ampliar públicos, reforçar a imagem da rapadura como produto cultural vivo e ajudar a manter rendas locais ao transformar tradição em produto competitivo.

Como se prepara rapadura com sabores exóticos

A base do processo é a mesma da rapadura tradicional: preparar o caldo e reduzir até o ponto. Diferenças ocorrem quando se incorpora ingredientes aromáticos ou pedaços que podem ser misturados ao caldo ainda quente, antes de moldar.

No Engenho O Bari, por exemplo, localizado na CE-040, um dos sabores mais diferenciados é o de manga. Apesar da multiplicidade de frutas incorporadas à rapadura, essa ainda faltava e, segundo Lindenalva Pereira, proprietária do estabelecimento, é exclusividade da casa.

 

Na imagem, uma foto em close-up, com iluminação focalizada e profundidade de campo rasa, mostra três embalagens plásticas transparentes de rapadura artesanal em pedaços sobre uma mesa de madeira. Cada embalagem contém um sabor diferente: Embalagem superior (Verde): Rapadura com pistache, de cor verde; embalagem esquerda (Marrom Escuro): Rapadura com manga, de cor marrom escura (quase preta); embalagem inferior direita (Vermelha): Rapadura com chiclete, de cor rosa/vermelha intensa. Todas as embalagens têm um rótulo que identifica o produto como
Legenda: Multiplicidade de sabores pode ser encontrada no Engenho O Bari, com destaque para o de manga, ainda exclusivo.
Foto: Ismael Soares.

 

“Tem também de tamarindo, jaca, coco queimado, batida grande, média e pequena… São vários sabores. Trabalhamos de acordo com o paladar das pessoas, e vendemos tanto na loja quanto para supermercados. A faixa de preço é entre R$ 7 e R$ 22”, calcula. São mais de 25 sabores à disposição tanto de nativos quanto de turistas.

Ao lado da loja do engenho, é possível ver de perto como a rapadura é feita – da colheita da cana e preparo do fogo até a preparação do caldo em grandes caldeirões e a distribuição da massa em tachos. A agilidade e o cuidado em cada etapa impressionam. Conforme a variação de cor da rapadura, nota-se o provável sabor dela – caso das de uva, açaí ou chiclete.

 

Na imagem, uma foto em close-up, com iluminação quente, mostra uma grande quantidade de rapadura em pedaços embalada para venda, disposta em tigelas rústicas de cerâmica escura sobre uma prateleira ou bancada de madeira escura. Em primeiro plano, uma embalagem plástica transparente repousa sobre uma tigela, repleta de pedaços irregulares e dourados de rapadura. O rótulo da embalagem é claramente visível e diz
Legenda: Para proprietária, segredo para uma boa rapadura está na qualidade da cana de açúcar.
Foto: Ismael Soares.

 

Em média, são duas mil unidades vendidas diariamente. O segredo para um resultado inconfundível? “Tudo começa na plantação. Uma boa cana, bem cuidada e irrigada, garante uma excelente rapadura. Do começo ao fim da produção, tudo dura entre três e três horas e meia. Para além da rapadura, vendemos outros produtos regionais, como mel, batida, cajuína e doces no geral. Serve para complementar, um vai ajudando o outro”.

Vem aí a rapadura de cerveja?

Disseminada em mais de um engenho, a rapadura de cachaça foi primeiro encontrada por nossa equipe no Engenho Estação Nordestina, também localizado na CE-040, em Pindoretama. O proprietário, Josemir Araújo Holanda, conhecido como Lelé, garante: o doce é feito com cachaça pura mesmo – e quem for dirigir que tome cuidado.

 

Na imagem, uma foto em close-up, com ângulo inclinado, mostra pilhas de rapadura retangular e embalada individualmente em plástico, sobre uma superfície verde neon. A rapadura tem uma cor caramelo-dourada translúcida e possui um rótulo laranja vibrante. O rótulo de uma das barras é legível e diz
Legenda: Sabor de cachaça é um das sensações do Engenho Estação Nordestina.
Foto: Ismael Soares.

 

“Quando já está tudo pronto para ir pras forminhas, na gamela, coloca-se o aroma ou até cachaça mesmo, no caso da rapadura desse sabor”, detalha. Por lá, a rapadura mais cara custa R$ 20, e pode ser encontrada em diferentes tamanhos.

Chocolate com pimenta, blue ice e a novidade Natural Premium – vinda de cana orgânica, cultivada sem produtos químicos – são outras opções de apreciação no paladar. Um dos próximos passos, além de manter a qualidade do negócio, é investir em ainda mais sabores diferenciados, além dos 53 disponíveis. A prerrogativa é de lançar a de cerveja.

 

Na imagem, uma foto em close-up, com profundidade de campo rasa, exibe várias barras retangulares de rapadura escura empilhadas, todas embaladas individualmente em plástico. Em primeiro plano, uma das barras está inclinada, exibindo claramente o rótulo principal. O rótulo tem uma moldura laranja e um fundo escuro com desenhos de engrenagens (sugerindo
Legenda: A rapadura Natural Premium é feita de cana orgânica, cultivada sem produtos químicos.
Foto: Ismael Soares.

 

“Mesmo que a nova geração não consuma tanta rapadura, quando eles comem já gostam. Preferem rapadura a um doce industrializado, cheio de produtos químicos. Nossa tradição é exatamente essa, deixar a rapadura como ela é, não transformá-la em um doce”, diz Lelé.

Pioneira na rapadura de frutas

Toda essa criatividade de Pindoretama no modo de encarar a rapadura para além do tradicional nasce com Maria Socorro Pereira Ferreira, a Socorro do Engenho. À frente do Engenho Tradição, ela teve a ideia de criar a rapadura de frutas em 1992, e colocou a proposta em prática tão logo a concebeu.

 

Na imagem, uma foto com ângulo elevado e profundidade de campo rasa mostra uma exposição de rapaduras retangulares e coloridas, dispostas em fileiras organizadas sobre uma toalha de mesa de tecido rústico. A variedade de cores indica diferentes sabores ou ingredientes. Da esquerda para a direita, as rapaduras estão dispostas da seguinte forma: Fileiras mais ao fundo - Pilhas altas de rapadura de cor caramelo claro/amarelado; fileira do meio:- Uma longa fileira de rapaduras intercaladas em pequenos blocos de cor bege claro, marrom-escuro e roxo intenso. As rapaduras parecem acabadas e prontas para o consumo. O fundo, levemente desfocado, sugere um ambiente de feira ou loja de produtos artesanais.
Legenda: Sabores das rapaduras conseguem ser identificados já pelas cores na etapa final de preparo.
Foto: Ismael Soares.

 

À época, todos os engenhos da região precisaram assinar a carteira de trabalho de funcionários, o que provocou o fechamento de vários devido à mudança financeira. Socorro, contudo, decidiu continuar e não apenas: inovar. Percebeu que, no processo de feitura do doce, era possível combinar elementos além do coco, da castanha e do modo in natura.

“A primeira que criamos foi de coco e goiaba. Como ficou gostosa, pensamos que ia dar certo também a de maracujá, abacaxi… Hoje temos 83 sabores à disposição do público. Além das mais comuns, tem de cachaça, pimenta, amendoim, tutti-frutti, kiwi, entre outras”, enumera.

A aposta foi tão certeira que fez com que engenhos voltassem a funcionar e, de quebra, também incorporassem a novidade à produção e ao cardápio. Hoje, é difícil você chegar em um deles e não encontrar grande variedade de opções. “Sempre digo: dá pra todo mundo. A concorrência faz a gente crescer”, festeja Socorro, que também concebeu a menor rapadura do mundo, de cinco gramas, comercializada a R$ 1; e rapaduras em formato de coração, por exemplo.

 

Na imagem, uma foto em close-up, com iluminação dramática e fundo muito escuro e desfocado, captura a mão estendida de uma pessoa segurando um pequeno pedaço de rapadura. O pedaço de rapadura é de cor caramelo-brilhante, tem uma forma irregular e repousa na palma aberta da mão. O braço e o pulso da pessoa estão visíveis. No antebraço, há uma tatuagem escrita à mão. O fundo escuro é interrompido por alguns pontos de luz circulares e desfocados (bokeh). O foco está totalmente no doce e na mão, destacando a textura e o formato do produto artesanal.
Legenda: Rapadura em formato de coração é uma das inovações do Engenho Tradição.
Foto: Ismael Soares.

 

Para a pesquisadora Izakeline Ribeiro, outras possibilidades da rapadura envolvem aplicação de recheios, coberturas ou até infusões após o ponto de massa. Ela também prevê que outros sabores de rapadura tendem a crescer no mercado.

“Aqueles que combinam café, castanhas regionais, frutas tropicais desidratadas, chocolate, especiarias e até a promoção de parcerias culinárias, como rapadura com queijos, ou como ingrediente em sobremesas e drinques”.

Serviço

Engenho O Bari
CE-040, Km 40 – s/n – Pindoretama, Ceará. Funcionamento: de segunda a sábado, de 7h às 18h; aos domingos, de 8h às 19h. Mais informações pelas redes sociais do engenho

Engenho Estação Nordestina
CE-040, 1818 – Pindoretama, Ceará. Funcionamento: diariamente, de 6h30 às 19h. Mais informações pelas redes sociais do engenho

Engenho Tradição
CE-040, Km 48, Pindoretama, Ceará. Funcionamento: diariamente, de 6h às 19h30. Visitação mediante agendamento. Mais informações pelas redes sociais do engenho

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Carlos Alberto

Oi, eu sou o Carlos Alberto, radialista de Campos Sales-CE e apaixonado por futebol. Tenho qualidades, tenho defeitos (como todo mundo), mas no fim das contas, só quero viver, trabalhar, amar e o resto a gente inventa!

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