Em entrevista ao Diário do Nordeste, a deputada federal que preside a Comissão do PNE falou sobre como será o trâmite do projeto e quais os maiores desafios

Após quase 10 meses que o Governo Lula enviou a proposta do novo Plano Nacional de Educação (PNE), em formato de Projeto de Lei (2614/2024), à Câmara Federal, a tramitação da proposta finalmente começou a caminhar. Na terça-feira (29), a presidente da comissão especial da Comissão do PNE foi empossada na casa legislativa.
A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) irá comandar o colegiado que tem caráter temporário e deverá se debruçar sobre o texto que estabelecerá as metas a serem cumpridas nos próximos 10 anos para melhorar a educação brasileira.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, concedida na última terça-feira antes de ser empossada como presidente da Comissão do PNE, a deputada federal Tabata Amaral apontou como devem ser os trabalhos do colegiado nos próximas períodos, indicou pontos “inegociáveis” no novo PNE, e tratou sobre como pretende lidar com a possível tentativa de polarização do debate no campo da educação.
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A criação da comissão especial contornou uma possível passagem na Comissão de Educação e, conforme anunciado pelo próprio presidente da casa legislativa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), buscou “fugir da polarização”.
O trâmite no colegiado ajuda a proposta a “escapar” de possíveis polêmicas e discussões ideológicas, como ocorreu na definição do Novo Ensino Médio. A comissão conta com um deputado cearense entre os titulares: Moses Rodrigues (União-CE), que é também o relator do colegiado.
O texto do novo PNE enviado pelo Governo Federal propõe 18 objetivos, 58 metas e 253 estratégias que vão da educação infantil ao ensino superior, incluindo também a valorização dos profissionais da educação, as condições de infraestrutura, gestão democrática e financiamento da educação. O anterior, que está em vigor até dezembro de 2025, tem 20 metas e 258 estratégias.
O PNE é a lei federal que norteia ações na área da educação durante uma década e a expectativa é que, caso o trâmite no Congresso Federal ocorra sem mais atrasos, o novo tenha validade de 2025 a 2035. Como parte do plano passado não foi cumprido, a nova proposta repete alguns pontos, mas, também avança em áreas como o acesso a vagas em creches e a garantia do tempo integral.
Por outro lado, o novo texto também flexibilizou pontos como a contratação de professores temporários, já que o atual preconiza que sejam apenas 10% de contratações do tipo e o novo admite que sejam 30% de contratações do tipo.
Ao Diário do Nordeste, Tabata Amaral reforçou que o novo PNE deve “além de objetivos aprimorados e aprofundados”, ter claras formas de monitoramento, avaliação e responsabilização em relação ao cumprimento das metas. “A única coisa que eu tenho me permitido ser muito explícita é: a gente não vai ter apenas um plano que liste objetivos, a gente vai ter, de fato, um plano que avança na atribuição de responsabilidades, mas também na responsabilização quando aquele objetivo não for cumprido”.
Veja entrevista completa
Diário do Nordeste: Deputada, temos a instalação da Comissão do PNE, que foi muito demandada pela sociedade civil, por organizações do campo da educação, por trabalhadores… Já tem alguma definição mais prática de quando, de fato, o plano começa a ser discutido, tendo em vista que há um certo atraso na tramitação?
Tabata Amaral: A gente, hoje (na terça-feira, 29), faz a eleição, então, tanto da presidente, como dos vice-presidentes, e é um momento também de começar a dar o tom do trabalho. A gente tem pressa, como você falou. O texto chegou tarde na Casa e eu tenho um compromisso com o Senado de que não só a gente vai ter um debate aprofundado aqui na Câmara, o Senado vai ter tempo hábil para fazer isso até o final do ano.
Então, como que a gente está pensando? Obviamente, nessa semana, vamos ouvir todos os membros da comissão formalmente indicados e apresentar uma proposta de trabalho semana que vem. A ideia é já começar com as audiências públicas.
A gente quer impor um ritmo de duas audiências por semana ou até três se for o caso, justamente, para que a gente possa fazer o debate em profundidade de todos os temas que estão ali, e ouvir educadores, especialistas, ativistas, todos que têm que ser ouvidos. E entregar esse texto para o Senado com tempo para que o Senado também faça a sua discussão.
Em paralelo a esse processo mais formal de aprovação de planos de trabalho e audiências públicas, vamos também abrir um debate com a sociedade. A gente vem fazendo uma construção para que isso seja feito concomitantemente, porque assim a gente aprofunda o consenso e acelera o trabalho.
Então, estamos prevendo pelo menos, cinco seminários regionais que vão ser feitos junto com o Senado e também, pelo menos, uma missão ao exterior que a gente possa olhar para boas práticas no Brasil e no mundo afora.
Em resumo, vamos seguir todos os ritos, o Senado também. Isso aprimora o texto. Mas tentar, ao mesmo tempo, fazer um diálogo com a sociedade e esse diálogo, em conjunto com o Senado, para que o nosso compromisso com o prazo do final do ano não faça com que o texto seja menos debatido.
Tem uma previsão de quando o Projeto de Lei será encaminhado ao Senado?
Isso, infelizmente, não fica 100% no controle da presidência Mas a minha intenção e também do relator (deputado cearense Moses Rodrigues) é que a gente aqui na Câmara finalize as audiências e comece o debate do texto pós-recesso.
A gente tem um prazo apertado mesmo para, pelo menos, começar o debate do texto em si. Porque as próximas semanas são de escuta. A gente tem que falar menos e ouvir muito.
Sobre os seminários regionais, já estão definidos os estados?
Vamos definir conjuntamente quais são os estados porque há um desejo de Câmara e Senado, junto com as comissões de educação permanentes e junto com a Frente da Educação também. E dá muito trabalho juntar tanta gente. Mas, acredito que isso eleva muito o nível do debate e a qualidade do que vem. Esse corpo que eu estou ouvindo para gente poder entender o calendário e também as regiões.
A minha intenção é, na próxima semana, que será nossa primeira reunião pós-eleição, poder apresentar um plano de trabalho e envolver os colegas e colocar para votação.
Deputada, um dos seus posicionamentos já destacados, e que é algo debatido há muito tempo no campo da educação, é a questão da responsabilização de quem não cumpre as metas do Plano. O que pode ser dito sobre isso? Essa proposta tende a ser mais amadurecida? Como fazer essa responsabilização?
Como presidente, eu venho tendo o cuidado, porque eu realmente acho que isso é importante de, nesse momento, segurar um pouco o nosso ímpeto de querer já resolver as questões, apresentar texto e proposta, para que a gente possa ir realmente de cabeça aberta. Ouvir o que as pessoas que fazem educação todos os dias na ponta têm a nos dizer. Então, acho que você vai perceber que, tanto eu, quanto o relator e os vices-presidentes, seremos bastante cautelosos.
Todos nós temos opiniões sobre todos os objetivos que estão postos. Todos nós militamos na educação já há muitos anos. Mas eu acho que é muito importante ir para audiência e para o seminário, não defender uma tese nesse momento, mas para ouvir o que as pessoas têm a dizer.
O que eu tenho me permitido dizer, por enquanto, é que a gente vai encontrar, junto com a sociedade, qual é a forma de fazer isso. Eu tenho um compromisso e dele eu não abro mão: para além de objetivos aprimorados e aprofundados, que a gente tenha ali muito claro como é que monitora e, para isso, como é que avalia e como é que a gente responsabiliza.

O como eu tenho certeza que essa coletividade vai construir muito melhor do que se fosse eu sozinha. Mas a única coisa que eu tenho me permitido ser muito explícita é: a gente não vai ter apenas um plano que liste objetivos, a gente vai ter, de fato, um plano que avança na atribuição de responsabilidades, mas também na responsabilização quando aquele objetivo não for cumprido
Aí tenho minhas teses, tenho minhas intuições, mas eu realmente estou muito animada para ver como isso vai se dar. E aí até saindo do debate só da educação. A gente começou uma interlocução com dois ministérios que são o da ministra Simone Tebet (Ministério do Planejamento) e da ministra Esther Dweck (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos), porque as duas tratam muito dessa questão de planejamento e avaliação de impacto.
Então, a ideia também é ouvir não só quem faz e pensa educação todo dia, mas quem está preocupado com a pauta mais ampla de avaliação de política pública.
Entendo que, como presidente, a deputada vai tentar, nesse momento, conter algumas avaliações próprias para garantir que o diálogo político possa fluir melhor. Mas, dentre as metas do novo PNE, o que é inegociável?
É muito difícil fazer uma priorização quando a gente está falando de coisas tão fundamentais, mas correndo o risco de errar e deixar temas importantes de lado, acho que tem alguns temas que todo mundo já entendeu que são inegociáveis, e o que a gente tem que fazer agora é, de fato, concretizar para que a gente possa executar e chegar lá. Primeira infância:esse é um tema que é consenso, da esquerda à direita, com todo mundo que atua na educação. Não é mais opção uma mãe não encontrar uma vaga na educação infantil. E aí não é só vaga, é qualidade.
Outro tema que eu acho que também é inegociável é a valorização dos profissionais da educação básica. A gente não vai atingir esses objetivos sem uma carreira atrativa. Então, esse é um tema que eu tenho certeza que vai ter muito foco.
Outro é a educação em tempo integral. A gente viveu um momento, no passado, em que você tinha que explicar para as pessoas porque educação integral era inegociável. O que a gente chama de educação integral no Brasil, no resto do mundo é só educação regular. Então, esse é um tema também que a gente está bem maduro.

E o outro que, de forma geral, vem sendo esquecido é o tema do ensino técnico. O MEC está para lançar a Política Nacional de Ensino Técnico. Eu sou a relatora do projeto que originou essa política. É uma demanda muito grande dos jovens e o Brasil patina. Mais da metade dos jovens querem ter uma formação técnica, e a gente só consegue ofertar para 10% atrelado ao ensino médio. Então, é claro que eu deixei vários tópicos aqui de fora.
E aí tem temas novos também. Quando a gente fala de educação midiática, quando a gente fala de acesso à internet, anos atrás você poderia achar que estava tudo bem uma escola não ter acesso à internet de alta velocidade. Hoje em dia é inconcebível isso em 2025.
Acho que é um pouco disso, o que a gente lá trás patinava um pouquinho e achava que, se aumentasse um pouco, estava bom, e hoje entende que não. São esses temas. O que surgiu de novo, que a gente tem que estar muito atento tanto para os aspectos negativos quanto positivos da tecnologia, tudo que está acontecendo. Aí eu volto a bater na tecla que não abro mão de jeito nenhum.
Dito tudo isso, como é que a gente vai garantir que fica clara a responsabilidade, que tem recurso para fazer, que a gente está avaliando, que a gente está monitorando e aí a cereja do bolo: que a gente está responsabilizando quem não faz a sua parte. Então não é uma resposta curta porque a gente está se permitindo fazer um debate profundo e complexo que a educação merece.
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Deputada, sabemos que o Congresso está bastante afetado pelo clima de polarização e alguns temas são mais comprometidos. A própria Comissão do PNE, quando o presidente Hugo Motta foi criar, ele falou que seria também para tentar fugir dessa polarização e levar para um debate mais técnico, de parlamentares realmente envolvidos com a pauta da educação. Como vocês pretendem atuar para não desvirtuar o debate?
Essa também é uma missão, falando do ponto de vista bem pessoal que eu vou ter. E é por isso, em parte, que eu fui escolhida para essa missão. Não dá para querer como eu quero que a gente faça o debate nesse nível se a gente está ali rendido as fumaças da polarização extremada, ao circo que, infelizmente, a gente vê.
Então, uma das minhas missões também é essa: vamos ali ouvir visões da esquerda ou direita de quem entende de educação de quem leva a educação a sério Quem acha que a educação é auê, para fazer círculo, não vai ter espaço na comissão não.
Uma coisa que eu tenho feito é e aí com a ajuda do relator, do Moses, do Rafael Brito (MDB/AL) que é o nosso presidente da bancada da educação, dos nossos vices-presidentes é um trabalho de identificar dentro de cada partido quem são as pessoas que, de fato, debatem a educação Elas estão em todos os partidos que a gente tem aqui. E aí é uma coisa um pouco diferente mas que a gente teve esse cuidado. De olhar dentro do PL, dentro do PT, dentro do PSOL, dentro do Novo, quem, de fato, debate educação e tem essa pauta como prioridade de vida.
Aí a gente foi até essas pessoas e as convidou. Pediu que elas obviamente articulassem dentro de seus partidos para estarem na comissão. Isso eleva o nível. Porque eu não tenho problema com a discordância. O que eu não quero é que a educação seja um meio para um cerco político que, infelizmente, a gente vê muitas vezes no plenário.
A composição da comissão me anima bastante e aí obviamente tem que ter muita firmeza também. De garantir que a gente está debatendo o que importa e essa firmeza graças a Deus nunca me faltou.
Deputada, para finalizar, das metas que já foram traçadas e todo aquele processo de discussão, tem alguma que você acha que ela é mais sensível no cenário de polarização? Tem alguma que seja mais complexa de conciliar os entendimentos?
Veja, eu acompanhei o trabalho na conferência, depois da discussão no MEC e o texto que veio, ele é um texto muito ponderado. Houve um esforço nessas duas instâncias de blindar um pouco os extremismos, sabe? Tanto que a gente tem em mãos um texto que fala de educação que não acena para bandeiras mais extremistas.

E acho que o cuidado que a gente tem que ter agora é manter o texto desse jeito. É não deixar que pautas que não têm nada, que não contribuem para qualidade da educação que elas não entrem agora. Então é menos o esforço de tentar cuidar de algum tema específico que está ali mas impedir que temas alheios a ao debate sério da educação entre, e que na verdade a gente esteja aprofundando e aprimorando os objetivos que estão postos.
E aí as perguntas que eu trouxe aqui: quanto é que custa? Quem é que financia? Como é que financia? Essa responsabilidade é compartilhada entre quem? Se o gestor X não cumprir, qual é a responsabilização que ele vai ter? Então esse é um debate complexo, esse é um debate que desagrada muito a gente, mas é um debate que ao invés de ir para um lado ou para o outro, a gente vai mais para o profundo mesmo.
Por último, por que você avalia que foi escolhida para presidir a Comissão do novo PNE?
Acho que a pergunta cabe mesmo ao presidente Hugo Motta, foi uma decisão dele, mas pelo que eu ouvi dele e ouvi de alguns colegas, acho que é uma mistura de duas coisas: reconhecimento do meu trabalho pela educação, aqui na Câmara, nos últimos anos.
Já fui presidente da bancada da educação, o debate que fiz sobre conectividade na época da pandemia, debates sobre ensino técnico, o Pé-de-Meia, então, um conjunto de esforços coletivos em momentos muito adversos em que a gente teve que ir atrás de voto, teve que ir atrás de consenso e essas políticas públicas de fato saíram do papel e foram efetivadas.
Acho que tanto reconhecimento, mas também um desejo de que esse mesmo modus operandi se faça presente agora. Vamos falar do que importa, vamos debater a educação com profundidade, com seriedade, buscando um consenso, mas sabendo que lá no final desse processo a gente tem que entregar um documento de muita qualidade que, de fato, possa transformar a vida de nossas crianças e educadores e transformar a nossa educação.
Então, eu entendi que essa é a missão e eu estou muito comprometida com ela. Dialogar com todo mundo, especialmente com quem pensa diferente de mim E garantir que no final a gente tenha um resultado de muita qualidade. E que possa ser efetivado.
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