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Sinais de alerta? Como proteger crianças e adolescentes de crimes sexuais

Várias instituições no Ceará estimulam iniciativas para garantir os direitos de crianças e adolescentes, levando informações simples, mas úteis, para dentro das escolas. Foi por meio de um desses projetos que, em setembro de 2023, após uma palestra sobre educação sexual, uma menina de 10 anos denunciou que estava sendo violentada pelo padrasto.

Mylena Gadelha e Nicolas Paulino07:00 – 31 de Outubro de 2025

Várias instituições no Ceará estimulam iniciativas para garantir os direitos de crianças e adolescentes, levando informações simples, mas úteis, para dentro das escolas. Foi por meio de um desses projetos que, em setembro de 2023, após uma palestra sobre educação sexual, uma menina de 10 anos denunciou que estava sendo violentada pelo padrasto.

Durante a atividade, colegas de sala perceberam que a garota estava desconfortável e com comportamento estranho, e decidiram informar a funcionários da unidade. A diretora da escola, que conversou com o Diário do Nordeste, falou sobre o primeiro acolhimento.

“Foi tudo bem sigiloso. Eu entrei em contato com ela no banheiro, disse pra ela se acalmar, que aquela conversa ia ficar só entre nós duas. Então, ela parou de chorar e voltou pra sala mais calma. No mesmo dia, foi dada entrada nos procedimentos cabíveis no Serviço de Escuta Especializada de Crianças e Adolescentes (Seeca)”, relata.

Quando a gente começa a conversar, tem muita participação. Às vezes, eles citam situações que não foram com eles, mas com colegas. Sendo com eles, alguns ficam estranhos, e a gente tem que prestar mais atenção.Diretora
Escola Pública

O caso ocorreu em uma cidade litoral do Ceará, mas o homem só foi preso em outro estado. Segundo a Polícia Civil do Ceará, com a prisão do investigado, o inquérito de estupro de vulnerável foi finalizado e remetido ao Poder Judiciário.

Com a repercussão do crime, a diretora percebeu a importância de se aproximar ainda mais dos alunos para detectar outros casos de violência.

O conselho tutelar da cidade onde ocorreu o caso – que assim como as demais fontes e as informações sobre a localidade não serão identificados nesta reportagem para proteger a identidade da criança – destacou a importância desse tipo de mobilização. Em localidades mais distantes dos centros das cidades, aponta, a informação é um bem precioso porque a timidez, a normalização de maus hábitos e a banalização de direitos básicos podem distorcer o certo e o errado.

“Ainda tem muita gente que não entende essa manobra toda pra revelar o que está acontecendo com ela, com uma familiar, com uma vizinha. A partir do momento que a gente tem essa conversa e elas começam a entender como funciona e quem podem procurar, se sentem mais apoiadas e começam a surgir certas revelações”, explica o conselheiro.

Essa é a terceira e última reportagem da série “Infância ameaçada”, que discute como e por que crimes contra a sexualidade de jovens continuam ocorrendo, apesar de condenados pela sociedade, as vias de acolhimento para vítimas e as ações para preveni-los.

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Desinformação cria confusão

Apesar da importância do tema, “a gente vive numa sociedade que não sabe falar sobre sexualidade”, afirma Pedro Alisson, psicólogo do Instituto Terre des Hommes (TdH Brasil). Para o especialista, “as crianças precisam aprender, mas os pais não sabem ensinar porque também não foram ensinados”.

O problema é que, quando a família não fala e também não quer que a escola fale, fecham-se todas as portas. E aí, onde essa criança vai aprender?Pedro Alisson
Psicólogo de TdH Brasil

Ele percebe que muitos responsáveis acham o tema sensível e se sentem desconfortáveis em abordá-lo por medo de “despertar a curiosidade” nas crianças. Mas, alerta ele, o silêncio cria uma lacuna que será preenchida de algum jeito, geralmente pela internet – um ambiente que pode ser arriscado.

No entanto, é fato que os jovens estão expostos a diferentes ambientes, inclusive na internet, portanto, tanto cuidadores como a comunidade escolar precisam estar atentos a esses espaços de modo que haja uma constante proteção.

Dados da pesquisa “Mapeamento dos Fatores de Vulnerabilidade de Adolescentes Brasileiros na Internet”, conduzida pela ChildFund Brasil, mostram que ao menos 54% dos adolescentes brasileiros já sofreram violência sexual na internet. O número elevado corresponde a cerca de 9,2 milhões de jovens.

“Na internet, as crianças aprendem sobre sexualidade em fontes que podem ser perigosas. Encontram conteúdos pornográficos, pessoas mal-intencionadas, desinformação. Essa ausência dos pais é muito prejudicial”, entende o psicólogo.

94%
dos adolescentes consultados pela ChildFund Brasil disseram não saber como proceder diante de situações de risco de violência nem como denunciar os casos.

O levantamento em questão teve participação de 8.500 adolescentes de 13 a 18 anos, de todas as partes do Brasil, e mostrou que o aumento da idade está diretamente relacionado à maior quantidade de tempo online.

O ideal, sugere o estudo, é que o uso seja acompanhado de maior supervisão, mas isso não ocorre na maioria dos casos. Quando o assunto é controle parental, apenas 35% dos jovens entrevistados afirmaram ter monitoramento das atividades digitais pelos pais.

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Escola como espaço seguro

Além do ambiente familiar, a escola acaba se tornando crucial no combate aos abusos e violências. Em Fortaleza, a Secretaria Municipal de Educação (SME) promove a implementação de comissões de proteção nas unidades escolares. O objetivo é traçar planos de prevenção, notificar casos aos Conselhos Tutelares e garantir os direitos das crianças e adolescentes.

Três membros da unidade escolar compõem as comissões, que possuem guias com atividades para desenvolver planos de prevenção, além de um fluxo padrão de notificação, conforme explica Alex Viana, especialista em neuroeducação e gerente da Célula de Mediação Social e Cultura de Paz da SME.

“A gente tem encontros formativos anuais com grupos específicos de profissionais para fazer o refino desse olhar: embaixadores da paz, orientadores educacionais da rede e agentes da busca ativa. Quando a criança apresenta algum sinal de violência ou negligência, eles conseguem perceber e dar fluxo a essa notificação”, pontua.

Às vezes, a família desconfia, duvida e até potencializa o trauma quando fica fazendo pouco caso. Às vezes, chegam situações em que a família é conivente porque é alguém da família que está promovendo a situação. Isso é muito doloroso pra gente.Alex Viana
Gerente de Célula na SME

Em 2025, a SME aderiu ao “Previne – Violência nas escolas, não!”, programa de combate à violência nas escolas do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio do Centro de Apoio Operacional da Educação (Caoeduc). Segundo Alex Viana, a ideia é justamente potencializar a identificação de sinais.

“As comissões vão ter uma formação para a gente fortalecer o grupo que faz a notificação e promover os planos de prevenção. Vamos conseguir uma capilaridade maior e fazer a renovação na medida em que houver mudança de gestor ou de algum membro”, acredita.

Em nível estadual, a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) também tem desenvolvido grupos para enfrentamento da violência em escolas da rede pública. Desde 2020, eles possuem as seguintes competências:Notificar autoridades competentes sobre casos de violência identificados por meio de revelação espontânea ou suspeita de violência contra crianças e adolescentes;
Realizar prevenção à violência, organizando estratégias por meio do Plano Escolar de Prevenção às Diversas Expressões de Violência.

Outras ações da Pasta incluem o lançamento de cartilha para prevenção de abuso sexual de crianças e adolescentes, acordo de cooperação técnica com o Programa Previne e meios para promover a melhoria no convívio escolar e comunitário.




Legenda: Círculos de paz são indicados para a mediação de conflitos e denúncias dentro das escolas.
Foto: Kid Júnior/José Leomar.

Aproximação com os filhos

Essa parceria é, inclusive, reforçada pela promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Saúde (Caosaúde) do MPCE, Karine Leopércio. Segundo ela, as ações conjuntas possibilitam maior amplitude de alcance e efetividade no combate aos crimes sexuais.

Muitas vezes, a última pessoa com quem a criança quer falar é os pais, porque ela tem vergonha, acha que ela vai ser punida ou que os pais vão culpá-la. Então ela fala com um amiguinho, para alguém da escola, para algum vizinho.Karine Leopércio
Promotora de Justiça do Caosaúde

“Não tem como a gente fazer esse trabalho sem os órgãos e servidores públicos, sem os profissionais que estão lá na ponta atendendo à população. É por isso que é tão importante a união de forças não só do Poder Executivo, mas também do Poder Legislativo, para termos leis claras e orçamento para que as políticas públicas sejam executadas”, aborda.

Numa outra frente, ela incrementa: a família não pode deixar de entender o papel de relevância que possui na formação dos jovens.

“É preciso que estejam cada vez mais próximas dos seus filhos, acompanhar o desenvolvimento deles, saber o que estão fazendo nas redes sociais e o círculo de amizades, trazer os amigos para dentro de casa, e estimular conversas e brincadeiras saudáveis, para que ali se possa desenvolver uma relação saudável”, lembra a promotora.



Legenda: Comportamento de crianças no ambiente escolar pode sugerir violências sofridas em casa.
Foto: Erika Fonseca/Kid Júnior.

Dicas para conversar com crianças

O psicólogo Pedro Alisson defende justamente o diálogo claro e aberto para gerar confiança nas crianças e adolescentes. Para isso, primeiro, pais ou responsáveis devem refletir sobre a própria sexualidade e sobre como aprenderam a se relacionar.

Depois, é importante buscar informação em fontes seguras, sobretudo em instituições que trabalham com o tema da prevenção e disponibilizam vídeos e cartilhas gratuitamente na internet. Entre as alternativas para incentivar essas conversas, ele cita:Semáforo do corpo: brincadeira que marca de verde as partes que podem ser tocadas, de amarelo as áreas de alerta e de vermelho as partes proibidas;
Ensinar o nome correto de órgãos sensíveis, como “pênis”, “vulva” e “ânus”, para evitar ambiguidades com o uso de apelidos, como “florzinha”;
Educar sobre desconforto para que a criança aprenda a dizer “não gostei”, “não quero” ou “não me sinto bem com isso”;
Não forçar a criança a beijar ou sentar no colo de quem ela não se sente à vontade;
Deixar claro quem pode tocá-la, geralmente o responsável de referência ou profissionais de saúde, mas só quando necessário e sem incômodo.

“A criança precisa entender que o corpo é dela, e ninguém tem o direito de ultrapassar seus limites”, ressalta.


Legenda: Crianças e jovens devem ser educados sobre linguagem sexual e acolhidos quando narrarem algum abuso, dizem especialistas.
Foto: Kilvia Muniz.

Programa de apoio nas escolas

Já nas unidades de ensino se desenvolve o Programa “Previne – Violência nas escolas, não!”, que em 2025 teve adesão de 100% da rede pública municipal das 184 cidades do Ceará. No caso específico do abuso sexual contra crianças e adolescentes, ele define que a escola:Tenha uma comissão interna (formada por diretor, um professor e um funcionário) que monitore e atue quando houver indícios ou confirmação de abuso sexual;
Garanta acolhimento imediato, sem revitimização, da criança ou adolescente vítima ou testemunha;
Realize encaminhamento adequado aos órgãos competentes (Conselho Tutelar, Promotorias de Justiça, Forças de Segurança, etc.);
Promova campanhas e formação permanente para prevenção, sensibilização e cultura da paz.

A iniciativa ajuda a acompanhar o cumprimento da Lei Estadual nº 17.253/2020, que autorizou a criação das Comissões de Proteção e Prevenção à Violência contra a Criança e o Adolescente.
Como denunciar abuso sexual

Em casos de suspeitas relacionadas à violação de direitos de crianças e adolescentes, denúncias podem ser feitas nos seguintes órgãos: Polícia Militar – 190;
Secretaria Nacional dos Direitos Humanos – Disque 100 ou WhatsApp (61) 99656-5008
Conselho Tutelar de Fortaleza, – (85) 3238.1828;
Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente – (85) 3101-2044/2045;
Ministério Público do Ceará – 127;
Casa da Criança e do Adolescente – (85) 98736-4088 e (85) 98976-8946.

Créditos

Mylena Gadelha e Nícolas PaulinoRepórteres
Louise Anne DutraArte
Dahiana AraújoEditora de Cotidiano
Karine ZaranzaCoordenadora de Jornalismo
G. André MeloGerente de Audiovisual
Ívila BessaGerente de Jornalismo
Gustavo BortoliDiretor de Jornalismo

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Carlos Alberto

Oi, eu sou o Carlos Alberto, radialista de Campos Sales-CE e apaixonado por futebol. Tenho qualidades, tenho defeitos (como todo mundo), mas no fim das contas, só quero viver, trabalhar, amar e o resto a gente inventa!

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