Professores destacam que o Exame segue alguns padrões e costuma cobrar temas sociais.

A uma semana da realização do primeiro dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a expectativa dos estudantes sobre os possíveis tema da prova de redação toma os dias de preparação final. Em no máximo 30 linhas, os candidatos são avaliados pela elaboração de um texto dissertativo-argumentativo que reflita sobre uma problemática de ordem social, política, científica ou cultural. Na última edição, a proposta levou os participantes a discutirem sobre os “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”.
Ainda que seja improvável acertar o tema com precisão, docentes consultados pelo Diário do Nordeste destacam que o vestibular segue padrões na escolha ao longo dos anos. Na maioria das vezes, segundo a professora Lyssandra Torres, a proposta tem foco em minorias sociais e na ideia de coletividade, “até para democratizar essa temática, para que todos os participantes do Exame tenham condições de falar sobre aquele assunto”.
No guarda-chuva de abordagem de problemas em ênfase social, a docente aponta a tendência de serem cobrados temas relacionados a políticas públicas governamentais de anos anteriores ou até meados do ano vigente. Foi o caso da edição de 2013, quando a prova trouxe o tema “Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil”.
“Eles queriam sinalizar a ideia de uma responsabilidade estatal já sendo feita, sendo observada, sendo cuidada”, afirma Torres, que atua na rede pública de Fortaleza e no laboratório de redação de uma escola particular da Capital.
O professor da Organização Educacional Farias Brito, Daniel Victor, também destaca que o Enem costuma cobrar temas sociais, que deem visibilidade a segmentos da população em vulnerabilidade, com direitos não concretizados na prática. “Foi assim com o tema da herança africana, do trabalho de cuidado realizado pela mulher ou dos povos e das comunidades tradicionais”, aponta.
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“Nesses temas de edições anteriores, [a prova] levou o candidato a discutir sobre a falha na concretização de algum direito a algum grupo social específico. Por isso, seria interessante para este ano entender que grupos sociais há muito tempo não são contemplados em edições anteriores, como o segmento infantojuvenil”, destaca o professor.
Dessa forma, certos temas apresentam uma probabilidade maior de serem cobrados, uma vez que estão em sintonia com discussões sociais atuais e ainda não foram abordados em edições anteriores. Para auxiliar na preparação dos candidatos para a prova, Diário do Nordeste trouxe cinco eixos temáticos e as respectivas apostas de temas dentro deles, a partir da perspectiva de professores da rede privada e pública de Fortaleza.

Meio Ambiente
Apesar da temática ambiental não ser uma novidade no Enem, a discussão continua atual, uma vez que o Brasil e o mundo sentem os efeitos das mudanças climáticas. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o ano de 2024 foi considerado o mais quente já registrado, com cerca de 1,55 °C acima dos níveis pré-industriais.
Nesse contexto, o professor Daniel Victor elenca a possibilidade de um tema ambiental relacionado à vulnerabilidade social, considerando pessoas obrigadas a se deslocarem em razão das mudanças climáticas.
Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), entre 2013 e 2022, mais de 4,2 milhões de brasileiros foram diretamente afetados por desastres naturais, com 2,2 milhões de moradias danificadas por tempestades e inundações — números que mostram a urgência de estratégias eficazes de prevenção e acolhimento.
Um exemplo foi a tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul em maio de 2024, quando uma enchente deixou mais de 180 mortos e dezenas de desaparecidos, reacendendo o debate sobre tema no Brasil.
Além disso, a aplicação da Enem antecede o início da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em Belém (PA). Considerado um dos principais eventos do tema no mundo, o encontro anual reúne líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil para discutir ações para combater as mudanças do clima.
“No eixo ambiental, a Agenda 2030 é um plano de ação global adotado pela ONU em 2015 com muitas metas que envolvem o que a proteção do planeta. São metas valiosíssimas que continuam no percurso para serem cumpridas. Então, é uma questão que ainda precisa de muita visibilidade”, complementa Lyssandra Torres.

Educação
No início de 2025, o Governo Federal anunciou uma série de medidas voltadas aos professores da Educação Básica (infantil, fundamental e médio) do Brasil. Batizado de “Mais Professores para o Brasil”, o programa inclui diversas medidas para tentar aumentar a atratividade da carreira do magistério — de estímulo financeiro a universitários até benefícios para profissionais já formados.
Nesse contexto, Torres destaca a valorização do professor como um assunto que merece atenção dos candidatos. “Percebemos que há uma valorização docente muito forte em âmbito nacional. Então, houve a proibição do uso do celular [nas escolas], que já melhorou as condições de trabalho docente, e depois a Carteira Nacional Docente. Todo esse plano, pensado pelo Ministério da Educação, para dar visibilidade à ideia da necessidade de valorizar o docente”, comenta.
Entre as medidas do Programa Mais Professores para o Brasil estão:
- Prova Nacional Docente (PND): Exame anual realizado para auxiliar estados e municípios a selecionarem professores para as suas redes;
- Pé-de-Meia Licenciaturas: Pagamento mensal para estudantes de licenciatura que obtiverem nota média igual ou superior a 650 pontos no Enem;
- Bolsa Mais Professores: Bolsa mensal para professores, com objetivo de induzir o ingresso na carreira docente em áreas com carência de professores.
- Plataformas de formação: Cursos de formação continuada e qualificação profissional;
- Carteira Nacional Docente do Brasil (CNDB): Documento oficial, com validade em todo território nacional, que facilita o acesso a vantagens já garantidas aos professores;
- Selo #TôComProf: Empresas credenciadas de áreas como alimentação; cultura e lazer; higiene e limpeza; moradia; saúde; transporte para oferecer produtos e serviços com descontos aos professores.
Outros assuntos que a professora destaca são: incentivo à leitura e ao fazer científico, educação financeira e evasão escolar. “Também queria destacar, entre assuntos sociais que têm sido mais discutidos, o baixo índice de leitura e de raciocínio lógico-matemático de crianças brasileiras”, complementa.
A docente destaca o resultado brasileiro no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que é aplicado a cada três anos e avalia os conhecimentos dos estudantes de 15 anos em matemática, leitura e ciências.
“Os resultados do Pisa têm-se mantido notavelmente estáveis durante um longo período: depois de 2009, nas três disciplinas, apenas foram observadas flutuações pequenas e, em sua maioria, não significativas”, aponta o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o desempenho dos estudantes do Brasil.
Em 2022, metade dos estudantes no Brasil obtiveram pelo menos o nível 2 de proficiência em leitura, considerado o patamar mínimo de aprendizado. O percentual foi abaixo da média da OCDE, de 74%. Nos patamares 5 e 6, o percentual brasileiro foi de 2%. Para Torres, o resultado “muito ruim” no Pisa mostra que o estímulo à leitura “precisa muito ser feito ainda na primeira infância”.

Família e infância
A proteção da infância e da adolescência no Brasil foi fortalecida em 1990, e 2025 marca os 35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Desde então, ele passou a orientar ações em todo o País, garantindo escuta, participação e acesso a direitos fundamentais e levando à criação de instituições como Conselhos Tutelares e os Conselhos de Direitos de Crianças e Adolescentes.
Além disso, 2025 também foi marcado pelo debate sobre a adultização de crianças e adolescentes, impulsionado pelo vídeo do youtuber e influenciador Felipe Bressanim Pereira, o Felca. Como desdobramento da viralização do vídeo, um projeto de lei de 2022 avançou no Congresso Nacional e, após sanção, converteu-se na Lei n.º 15.211/2025, o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital).
Esse contexto leva os professores a destacarem a família e a infância como um eixo importante para a redação do Enem 2025. “Para este ano, é importante entender sobre o papel dos jovens na sociedade, e temas relacionados a esse segmento da população são muito relevantes”, afirma o professor Daniel Victor.
No eixo da família, Lyssandra Torres também acrescenta a questão do envelhecimento populacional. Segundo as Projeções de População do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com dados do Censo Demográfico 2022, a proporção de idosos, com 60 anos ou mais, na população brasileira quase duplicou entre os anos 2000 e 2023, passando de 8,7% para 15,6%. Em 2070, cerca de 37,8% dos habitantes do País serão idosos.
“A educação de jovens e adultos passou muitos anos tendo essa terminologia de EJA e ganhou o I de idosos [e se tornou Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI)]. Então, é uma política pública que está ganhando visibilidade. E [também] a adultização, pelos últimos acontecimentos que envolveram denúncias aí nas mídias”, comenta a professora.

Ciência e Tecnologia
Com a popularização das ferramentas de inteligência artificial, em particular as Large Language Models (LLMs) generativas, como o Chat GPT, o eixo de Ciência e Tecnologia torna-se relevante para os participantes do Enem. Torres destaca algumas abordagens possíveis, como:
- Uso compulsivo da tecnologia;
- Relação entre a inteligência artificial e o mercado de trabalho;
- Privacidade de dados;
- Relação entre tecnologia e consumo;
- Inclusão digital.
Esse eixo conversa com outros dois já abordados: a educação e a infância. “Temas que relacionam os jovens com a tecnologia — por exemplo, a questão da adultização nas redes sociais ou a proibição do uso de celulares nas escolas — são temáticas bem discutidas”, afirma Daniel Victor.
Depois de quase 20 anos de discussão na Câmara dos Deputados, a proibição do uso de celulares nas escolas brasileiras virou lei no início de 2025. Com a nova legislação, estudantes da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio não podem mais utilizar esses equipamentos durante a aula, no recreio ou nos intervalos.
O texto, sancionado em janeiro deste ano, aponta que o uso de aparelhos eletrônicos nas salas de aula só é permitido para fins didáticos, conforme orientação dos professores. A lei considera sala de aula todo espaço em que são desenvolvidas atividades pedagógicas, sob orientação de profissionais de educação.
Após a lei passar a ser implementada, os estudantes deixam as telas e se adaptam com outras atividades no “novo recreio”. No Ceará, o Diário do Nordeste mostrou que as turmas estavam aproveitando o intervalo para experimentar jogos de tabuleiro, fazer bordado e até dançar forró.
“Foi uma ação muito forte, muito assertiva, do Governo [Federal] e pode, sim, gerar uma temática para redação do Enem”, comenta Lyssandra Torres.

Cultura
Por fim, a professora Lyssandra Torres destacou um tema que mexeu com o imaginário brasileiro e marcou a história do cinema nacional. Pela primeira vez, o Brasil ganhou oficialmente um prêmio no Oscar, com a premiação de “Ainda Estou Aqui”, do diretor Walter Salles, como o Melhor Filme Internacional na edição de 2025. O longa também concorreu nas categorias de Melhor Atriz, com Fernanda Torres, e de Melhor Filme.
O filme marcou fantasias de carnaval Brasil afora, e a vitória do longa foi anunciada e comemorada inclusive durante os desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro. Após o desfile da Imperatriz Leopoldinense, o segundo da noite, o locutor oficial da Sapucaí revelou o resultado.
“Podemos citar toda a maravilha que foi a premiação no Oscar, com o filme ‘Ainda Estou Aqui’. Pode cair algum tema que envolva essa visibilidade do audiovisual brasileiro, essa valorização da cultura, da arte brasileira”, opina a professora.
O premiado “Ainda Estou Aqui” narra a história real de Eunice Paiva durante a ditadura militar no Brasil, após o sequestro e assassinato de marido, o ex-deputado Rubens Paiva, em 1971, por agentes do regime. Ele é baseado em um livro de Marcelo Rubens Paiva, que conta a perspectiva da própria família e mistura as memórias de infância do autor e do relato da mãe.
Como se preparar
Em meio a tantos temas que podem ser cobrados na redação do Enem, os professores ouvidos pelo Diário do Nordeste destacam a necessidade de o candidato estar atualizado. “O Enem prioriza discussões atuais da nossa sociedade. Por isso, o candidato deve pesquisar temas muito discutidos, separados por áreas, como meio ambiente, tecnologia, educação, saúde e temas relacionados a crianças e adolescentes”, reforça o professor Daniel Victor.
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Entre as dicas estão: ler livros, assistir a filmes, documentários e entrevistas, ouvir podcast e estudar repertórios históricos e questões atuais. “Se o aluno lê bastante, estuda, se dedica aos componentes curriculares de história, geografia, filosofia, sociologia e biologia, ele tem tudo para não precisar usar repertórios de bolso, aqueles muito genéricos, muito clichês, com uma articulação muito vaga no texto”, afirma Torres.
A professora ressalta que os corretores esperam um texto autoral, crítico, que represente a ideia do aluno, sem argumentações que sejam comum a diversas outras redações. “Também precisa ter muita atenção à estrutura da redação. Não é uma estrutura engessada, não pode ser um modelo pronto que sirva para qualquer um”, alerta Torres.
*Estagiária sob supervisão da jornalista Dahiana Araújo.















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