A interiorização é desafio não só no Ceará, mas em ao menos outros 14 estados.

A maioria dos 387 defensores públicos estaduais em atividade no Ceará está lotada em Fortaleza, segundo o Primeiro Mapeamento das Defensoras e Defensores Públicos do Ceará. Enquanto 53,5% despacham na Capital, 46,5% estão distribuídos no Interior, dificultando o acesso à Justiça de 6,6 milhões de pessoas.
O levantamento, divulgado pela Associação dos Defensores Públicos do Estado do Ceará (ADPEC), mostrou que a interiorização da Defensoria Pública do Estado (DPCE) passa por outros entraves, além do quadro de pessoal.
Segundo a defensora pública-geral do Ceará, Sâmia Farias, há presença em 108 de 184 municípios. Contudo, em consulta ao site do órgão no último dia 28, o PontoPoder observou que somente 62 (59%) das 105 comarcas-sede existentes no Ceará são cobertas permanentemente pela instituição.
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Há, ainda, 42 unidades jurisdicionais – divisões territoriais e administrativas do sistema judiciário, com sede em cada município – agregadas. Ou seja, suas demandas são absorvidas por comarcas do entorno.
Por isso, 81,8% dos defensores informaram que exercem atividade cumulativa, ou seja, lidam com processos de mais de um município.
Nos outros 80 municípios cearenses, vivem 1,5 milhão de habitantes, conforme dados de 2024 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essas localidades abrigam majoritariamente pessoas economicamente vulneráveis, com rendas de até 3 salários mínimos por mês.
É a população total do Ceará
Moram em 183 municípios do Ceará, fora Fortaleza
Vivem em localidades sem cobertura da DPCE
A distribuição de comarcas e defensores segue uma lógica integrada a todo o sistema de Justiça, similar à divisão adotada pelo Ministério Público (MPCE) e pelo Tribunal de Justiça (TJCE). Foi o que informou a defensora Sâmia Farias em conversa com o PontoPoder.
“A Defensoria não atua de maneira isolada, e vem seguindo essa parametrização de lotações porque o sistema de justiça tem que andar realmente de mãos dadas”, explicou.
Este material compõe uma série de reportagens sobre o atual retrato da Defensoria Pública do Ceará. O PontoPoder abordou discussões sobre segurança, orçamento e interiorização, fundamentais para o pleno trabalho na instituição.
Veja a distribuição de defensores por porte populacional no Brasil:

Estrutura de pessoal na Defensoria Pública do Ceará
Entre cargos comissionados, estagiários (nível médio, superior e pós-graduação) e terceirizados, há mais de 1 mil colaboradores na DPCE. Desse universo, somente quatro são concursados.
Para 72,9% dos defensores, o número é insuficiente. Nem todos têm assessores ou auxiliares para as atividades-fim nas comarcas. Além disso, entre os que têm (89,4%), 69,7% relatam a necessidade de compartilhar os auxiliares com outros defensores.
Não à toa, 64% dos membros da DPCE acreditam que a população da sua comarca está desassistida em algum nível.
O quadro de pessoal é uma causa, mas não só isso: eles citam fatores como a distância do local de atendimento e o desconhecimento sobre a Defensoria, entre outros.
Atualmente com 387 membros ativos, 50 deles foram empossados a partir de 2023, ano da homologação do último concurso público, repondo vagas de aposentados e exonerados e compondo novas comarcas.
Dez deles têm trajetória mais recente ainda na DPCE, já que passaram a integrar o órgão quadros nessa segunda-feira (3).

O que faz a Defensoria Pública?
A Defensoria Pública da União e dos Territórios (como a DPCE) é uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, cabendo-lhe:
Prestar gratuita e integral assistência jurídica, judicial e extrajudicial, aos necessitados, compreendendo a orientação, postulação e defesa de seus direitos e interesses, em todos os graus e instâncias, compreendido entre estes, o juízo das pequenas causas.
A instituição atua em todas as áreas do Direito, como família, criminal, moradia, consumidor, etc., de forma especializada.
No campo judicial, pode acompanhar inquéritos, apresentar ações, atuar em processos existentes, promover conciliações e representar grupos ou pessoas hipossuficientes em todas as instâncias, desde os Juizados Especiais até os Tribunais Superiores.
Os defensores também podem observar as atividades de estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, a fim de assegurar direitos e garantias fundamentais aos custodiados.
Aproximadamente 94% da população do Ceará, cerca de 8,7 milhões de pessoas, pode ser beneficiada pelos serviços da Defensoria, já que tem renda de até três salários mínimos.
Além dos hipossuficientes, são considerados vulnerabilizados os grupos compostos por mulheres vítimas de violência, idosos, crianças, adolescentes e pessoas levadas ao cárcere.
Atendimentos se concentram em Fortaleza
Ainda que Fortaleza concentre 27,9% da população cearense (2.574.412 de 9.233.656 habitantes), na cidade foram realizados 42,5% dos atendimentos da DPCE no primeiro semestre deste ano.
Ao todo, foram 1.035.483 atuações – 439.853 na Capital e 595.630 em outros 103 municípios, via atendimentos fixos e itinerantes, como o projeto Defensoria em Movimento.
Em análise ampliada, por outro lado, há estados com desempenhos piores, reforçando que a precariedade da Defensoria não é um problema somente local. É o que mostra a edição de 2025 da Pesquisa Nacional da Defensoria Pública, complementar ao estudo encomendado pela ADPEC.
O levantamento constatou que a DPCE tem cobertura superior ou similar a outros 15 estados. Na outra ponta, apenas 12 unidades federativas têm cobertura de atendimento em todas as comarcas.
Veja o mapa das defensorias públicas dos estados e do Distrito Federal:

Segundo Kelviane Barros, presidenta da ADPEC, a Defensoria cearense adota um “esforço institucional” para garantir o maior número de atendimentos, mesmo com dificuldades.
Para suprir a defasagem, a gestão da DPCE tem feito parcerias com municípios para garantir estruturas básicas (salas e colaboradores) e permitir atuações pontuais, em que o defensor atende de forma agendada pelo menos uma vez por semana.
Isso vale para defensores que trabalham com demandas de diversos municípios. A adoção de audiências virtuais auxiliam o dia a dia nas comarcas, mas muitos têm que pegar a estrada para prestar os atendimentos presenciais em outras localidades.
“Nós temos colegas que se deslocam 300 km (de uma comarca a outra) para poder fazer esse atendimento”, relata Kelviane Barros.
Essa peleja, junto ao planejamento permanente do órgão, trouxe alguns avanços. Por exemplo, o volume de atuações no primeiro semestre de 2025 superaram em 6% o montante do mesmo período de 2024 e em 36% o número do mesmo período de 2023.
Entre julho e outubro, segundo Sâmia Farias, a Defensoria atendeu mais 800 mil casos. “As parcerias com os NPJs (Núcleos de Práticas Jurídicas), as atuações itinerantes e as parcerias com a sociedade civil ajudam a expandir esse serviço”, comenta.
Os NPJs de mais de 30 universidades cearenses, composto por alunos das suas faculdades de Direito e professores, têm considerável mérito nesse contexto. Somente a Universidade Estadual Vale do Acaraú, por exemplo, realiza centenas de atendimentos por ano, há cerca de uma década.
O grupo também oferece consultoria jurídica e resolução de conflitos pela mediação. Os assistidos geralmente são da própria região, mas o coordenador, professor Roque Pontes, relata um aumento de demanda devido à agregação de algumas comarcas do entorno – como Meruoca, Alcântaras, Forquilha, Groaíras – à de Sobral.
O esforço da DPCE inclui, ainda, estratégias administrativas (reorganização interna) e políticas (negociação orçamentária e parcerias com prefeituras).
A gente passou por uma reestruturação na carreira, em que todos os defensores foram promovidos. Hoje, os defensores do interior são titulares daqueles municípios, e isso traz até uma questão de pertencimento.
Com titulares nas comarcas, há mais materialidade para articular a estruturação dos núcleos, com ambientes adequados. No último biênio, foram inauguradas onze sedes no Interior.
“Em alguns municípios, era muito comum a Defensoria funcionar dentro dos fóruns. Hoje, a gente vem nessa política de realmente a Defensoria ter um espaço adequado, tanto para a prestação de serviço quanto para receber melhor os nossos assistidos”, complementa.
Novos defensores vão para o interior do Estado
Em agosto deste ano, o concurso público para a Defensoria cearense foi renovado por mais dois anos, abrindo espaço para mais convocações nesse período.
Para isso, é necessário “expandir o orçamento”, pontua Sâmia. “A Defensoria tem 1/3 do orçamento do MP (Ministério Público), 1/7 do orçamento do TJ (Tribunal de Justiça), com o olhar atento do Executivo de que precisa expandir”, diz.
Por exemplo, as nomeações de 2025 só foram possíveis porque, em dezembro de 2024, a Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) aprovou proposta do Governo que cedia uma parte do teto fiscal do Estado para a Defensoria Pública.
Além de reforçar os recursos advindos do Tesouro Estadual, a DPCE planeja garantir convênios com o Ministério da Justiça, o Ministério de Direitos Humanos, e financiamentos bancários.
“A ideia é que a gente possa ter esse quantitativo dos cargos vagos – ainda teremos mais de 80 após as últimas posses –, à medida que sejam preenchidos, sejam direcionados para essa organização no interior do Estado”, projeta a defensora-chefe do Estado.








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