Sem imunidade de rebanho, essas e outras doenças podem ser reintroduzidas.

No Ceará, vacinas infantis ofertadas gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não atingiram as metas de cobertura estabelecidas em 95% pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Até esta quarta-feira (5), somente os imunizantes BCG e Hepatite B, aplicados ao nascer, registram mais de 100% de taxa de vacinação. Os demais indicam de 73% a 89% de imunização. Os dados são do Sistema de Informações do PNI (SIPNI).
O balanço de 2025 é referente às doses aplicadas no período de janeiro a 1º de setembro, podendo ainda ser alterados com a consolidação das informações.
Entre as vacinas com sinal de alerta estão a 2ª dose da tríplice viral (79,07%), HPV (83,13% em meninas e 70,35% em meninos) e varicela (78,94%). O PNI estima uma meta de 95% de imunização coletiva, índice de cobertura necessário para induzir a imunidade de rebanho no país.
Sem uma proteção que atinja todas as crianças e não propicie a imunidade de rebanho, essas e outras doenças podem se reintroduzir no cenário local, como alertam especialistas. Por isso, campanhas de vacinação e busca ativa pelos não vacinados são fundamentais para chegar a essa cobertura ideal.
Dificuldades na vacinação de rotina
Os números apontam um fato: a taxa de imunização só supera os 100% em casos de vacinas aplicadas em maternidades. Os imunizantes de rotina, que dependem da ida ou do retorno dos pais às unidades de saúde, estão na média de 80% de cobertura vacinal.
A BCG (que previne contra as formas graves da tuberculose) é aplicada em bebês nascidos em maternidades públicas ou naquelas privadas que tenham convênio com a rede pública de saúde, enquanto a da hepatite B é feita em ambas instituições.
“Quando os bebês nascem dentro das unidades de saúde, eles são vacinados antes da alta ou recebem aquela orientação, mostrando a importância inicial, seja na primeira consulta com o pediatra ou no posto de saúde, com o médico de saúde da família”, explica a médica pediatra Vanuza Chagas.
No caso das vacinas que dependem do retorno, a médica explica que diversos fatores estão envolvidos na menor cobertura vacinal. Uma delas é a baixa percepção de risco, que ocorre quando a criança cresce apresentar comprometimentos de saúde ou doenças graves e acaba ‘tranquilizando’ pais e responsáveis.
“Se tem a ilusão de que a catapora, principalmente na infância, é uma doença que não tem gravidade, que é leve, mas ela pode ter complicações como infecções de pele que leva a internação, pneumonias e encefalites”, afirma.
Uma única criança com catapora pode contaminar um número grande de pessoas por ser uma doença de alta transmissibilidade. Quando não há uma imunização coletiva em creches ou escolas, isso pode levar a surtos da doença. Em caso de bebês, gestantes e imunossuprimidos, a enfermidade pode se apresentar de forma muito severa.

Quando se trata de vacinas que exigem mais de uma dose, como a tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), o abandono vacinal preocupa ainda mais. No Ceará, a 1ª dose soma 89,83%, enquanto a 2ª tem uma taxa de 79,07%.
Nos últimos anos, os casos de sarampo vem se espalhando no mundo inteiro, com alerta de surto em estados brasileiros como Tocantins, Mato Grosso e Minas Gerais. Segundo Vanuza, é importante a conscientização das famílias de que o esquema vacinal contra a doença só é completo com as duas doses.
“Quando existe essa fase de riscos, se tem casos fora ou dentro do país, e as pessoas viajam e voltam com o vírus do sarampo, ele encontra aqui essa brecha vacinal. Então, vai ter casos da doença no Brasil. O sarampo está voltando a ser um risco iminente de um surto maior ainda”
Por ser um Estado turístico, em situações de alerta como a do sarampo, reforçar a imunização da população cearense é uma das maneiras de proteção, evitando a circulação e transmissão do vírus.
“Se a gente fizer a nossa parte, nós estaremos fazendo um bloqueio evitando que haja ali uma reintrodução de qualquer vírus, seja do sarampo ou a coqueluche”, reitera Ana Karine Borges, coordenadora de Imunização da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa).
Proteção contra o HPV
Segundo a coordenadora da Sesa, a cobertura da vacina contra o papilomavírus humano (HPV) requer ainda mais atenção em busca de alcançar a meta. Até o início do mês de novembro, 83,13% das meninas de 9 a 14 anos e 70,35% dos meninos na mesma faixa etária foram vacinados no Ceará.
“Essa é uma vacina que tem uma proteção e eficácia para os quatro tipos de vírus do HPV que mais causam câncer do colo do útero, ânus, pênis e outros. Nós precisamos proteger nossas crianças e adolescentes”, ressalta.
O HPV é a infecção sexualmente transmissível mais frequente no mundo e pode causar desde verrugas genitais a tumores malignos como câncer do colo do útero, ânus, pênis, boca e garganta.
Em clínicas privadas e redes de farmácias, o imunizante que protege contra o HPV pode variar de R$ 800 a R$ 900 a dose. São necessárias três aplicações para completar o esquema vacinal.
No Brasil, a vacinação para as meninas começou em 2014 e para os meninos em 2017. Essa é a forma mais eficaz e segura de prevenção, aliada ao uso de preservativos. Em 2024, o imunizante quadrivalente de dose única para crianças e adolescentes de 9 a 14 anos passou a ser adotado no país como substituição ao esquema vacinal anterior de duas aplicações.
“Ainda temos muitos pais que não querem, não aceitam a vacinação contra o HPV, mas a gente precisa conversar e desmistificar sempre. Se tiver alguma dúvida, confere uma fonte de informação fidedigna, adequada e não confiar em fake news”, diz Ana Karine.
Reverter a tendência
Um dos motivos que explicam a baixa adesão e cobertura é a hesitação vacinal, que acontece principalmente com a proteção contra a Covid-19. “Existe paciente que tem praticamente todo o esquema completo desde o primeiro ano de vida, mas não tem a vacina de Covid”, diz Vanuza.
Diante disso, é necessário fornecer informações de qualidade para pais e responsáveis, apresentando dados e mostrando os riscos da não vacinação. E o primeiro passo para esse movimento deve vir dos profissionais de saúde que trabalham com a imunização, afirma a médica.
“Quem trabalha em sala de vacina, na saúde comunitária, pediatras, médicos e enfermeiros que lidam com informações na população precisam estar preparados para dialogar, ouvir e acolher essas hesitações, os medos e receios. Tem que saber manejar isso de forma muito segura para levar esse paciente a se vacinar e se proteger”, ressalta.
Em 2024, o Diário do Nordeste publicou a série de reportagens Imune ao Medo, um retrato sobre a imunização no Ceará, a evolução das coberturas vacinais e os motivos que interferem no alcance das taxas.
Uma análise levantada pelo material é de que, nos últimos 40 anos, as vacinas foram ‘vítimas’ da própria eficiência: as doenças protegidas pelos imunizantes atingiram níveis muito baixos e, com isso, a população esqueceu dos riscos atrelados a ela.
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Sem essa percepção do risco e num contexto de boatos sobre a segurança dos imunizantes, muitos pais deixam de cumprir os esquemas vacinais. Para Ana Karine Borges, da Sesa, a população precisa ser sinalizada da disponibilidade e da necessidade das vacinas no dia a dia.
“A gente precisa proteger nossas crianças e adolescentes. É pensar que as vacinas são uma prevenção e não um tratamento, e que a gente não pode esperar apenas por épocas de campanha. A gente precisa buscar atualizar, como se fosse um passaporte mesmo, e manter sua caderneta de vacinação no dia”
Uma das estratégias para isso são as campanhas de vacinação, promovidas em todo o país. No último mês de outubro, o Ceará e outros estados se somaram à mobilização nacional de multivacinação, com objetivo de atualizar a caderneta de crianças e adolescentes.
Em momentos como esses, existe um incremento de doses aplicadas, segundo Ana Karine. “Isso nos mostra que as campanhas de mídias são importantíssimas para mostrar à população que as vacinas existem, estão disponíveis e que elas precisam se imunizar”, afirma.
Outras estratégias para incentivar a vacinação de crianças são:
- Parcerias para vacinação nas escolas, igrejas e centros comunitários;
- Unidades abertas nos fins de semana ou horários estendidos na semana;
- Campanhas de divulgação nos meios de comunicação;
- Busca ativa.
Imunizar bebês e crianças é uma questão de longo prazo, uma vez que, futuramente, serão adultos protegidos e saudáveis. “Ou seja, uma pessoa que faz uma vacinação de sarampo agora quando criança, enquanto adulto, ele não vai mais precisar fazer nenhuma outra dose”, afirma Karine.
O contato da Secretaria da Saúde com outras Pastas como Educação e Proteção Social são fundamentais para aproximar a população. Por exemplo, a figura do Zé Gotinha é umas alternativas adotadas para criar uma conexão com as crianças.
“É partindo disso que as pessoas vão reconhecendo e compreendendo que vacina faz parte da rotina e de um cuidado. Entendendo que precisamos manter essa situação vacinal em dia porque, somente assim, vamos evitar que doenças possam ser reintroduzidas no Estado”, reforça.














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