Imagens religiosas movimentam fluxos de fiéis em peregrinações pelo Estado.

A tradição católica de representar em estátuas figuras importantes para a religião ganha, no Ceará, outra proporção – literalmente. O Estado tem, pelo menos, oito imagens de santos “gigantes” em sete cidades (veja lista abaixo), monumentos que atraem fiéis de todos os pontos do Brasil.
A grandiosidade combina com a fé. Para Christian Dennys, pesquisador da Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutor em Geografia Humana, representar os santos em proporções imensas, para além dos oratórios dentro de casa, segue uma lógica de representação de poder, de “agigantamento” do divino.
“É a imitação dos prédios e monumentos, das formas de poder representadas nas cidades, em palácios e estruturas como Torre Eiffel e Estátua da Liberdade. Nas tradições medievais, isso era considerado heresia. Hoje, é tradição. O inaugural disso no Brasil foi o Cristo Redentor, de 1931, e passou a influenciar a valorização do gigantesco”, contextualiza.
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1- Padre Cícero – 27 metros

A mais antiga entre elas é também a mais conhecida: a Estátua de Padre Cícero, na altiva Colina do Horto de Juazeiro do Norte, na Região do Cariri. A obra, esculpida por Armando Lacerda, durou cerca de dois anos, e a imagem de 27 metros de altura foi inaugurada em 1º de novembro de 1969, tornando-se cartão-postal da cidade.
Hoje, milhares de romeiros viajam, ano a ano, para rezar aos pés do “Padim”, dar uma volta no cajado em busca de casamento, como manda a tradição; escrever nomes e intenções sobre a tinta branca da estátua e professar a fé na colina cuja vista alcança até a Chapada do Araripe.
Em uma homenagem entre eternos, até Luiz Gonzaga cantou a “presença” de Padre Cícero: “Olha lá / No alto do Horto / Ele está vivo / O Padim não tá morto”.
2- Santa Edwiges em Caucaia – 23,7 metros

No alto de uma serra, vigiando o bairro Garrote, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, está erguida uma imagem de 23,7 metros de altura – a Santa Edwiges, que batiza ainda um santuário no local. Ela foi inaugurada em outubro de 2022.
Com 30 hectares de área, o caminho até a santa conta ainda com quadros da Via Sacra – sequência de imagens que recria o caminho de Jesus Cristo carregando a cruz até o Calvário – e uma capela.
3- São Francisco das Chagas – 30 metros

Também nos anos 2000, em 4 de outubro de 2005, outra estátua sacra emblemática foi inaugurada no Ceará: a imagem de São Francisco da Chagas, em Canindé, no sertão cearense, que tem 30 metros de altura.
À época, o Governo do Estado afirmava que era a maior imagem sacra católica do mundo, e funcionou como aposta para incrementar o turismo religioso na região. Já neste ano, duas décadas após a inauguração, o Complexo da Estátua de São Francisco passou por uma requalificação, incluindo nova iluminação da imagem.
Além disso, o entorno da imagem – que, segundo a Prefeitura de Canindé, “recebe anualmente milhares de romeiros” – tem novos quiosques de artigos religiosos e alimentação para os visitantes.
4- Nossa Senhora de Fátima de Fortaleza – 15 metros

Imagem emblemática erguida em frente à Paróquia e Santuário de Nossa Senhora de Fátima, no bairro homônimo, em Fortaleza, a estátua da santa foi inaugurada em um chuvoso 13 de maio de 2008, há 17 anos.
Com 15 metros de altura, a obra foi encomendada ao artista plástico Francisco José Alencar Diniz, conhecido por Franciné Diniz. Ele também foi responsável pela imagem de São Francisco.
É na Praça Pio IX, ao redor da estátua, que se espalham diversas barracas para venda de santas, terços, camisas e outros objetos católicos, todos os dias 13 – em especial no 13 de maio e 13 de outubro, datas alusivas à primeira e à última aparição de Nossa Senhora de Fátima, respectivamente.
5- Santa Edwiges em Fortaleza – 11 metros

Uma das vias mais importantes e antigas de Fortaleza, a avenida Leste Oeste tem fincados dois marcos importantes para os católicos da cidade: a capela e a imagem “gigante” da Santa Edwiges, inaugurada no dia 16 de outubro de 2008.
Registros da época apontam que o monumento foi executado pela Prefeitura de Fortaleza em quase três meses, a um custo de R$ 110 mil. O escultor, novamente, foi o artista Franciné Diniz. Em 2012, foi solicitado o tombamento provisório da estátua e da igreja, registrado na Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor).
6- Nossa Senhora da Penha – 23 metros

Segunda mais recente do Estado, a estátua de Nossa Senhora da Penha foi inaugurada em dezembro de 2020 no município de Campos Sales, na Região do Cariri. Ela é a padroeira da localidade, e fica sobre um mirante que leva o nome da santa.
O monumento mede 23 metros de altura e foi esculpido em quase dois anos pelo artista pernambucano Pedro Pereira. Durante a bênção inaugural da imagem, o bispo Dom Gilberto Pastana, da Diocese do Crato, descreveu Penha como “portadora da paz”.
7- Santo Antônio – 26 metros

“Dono” de uma das festas religiosas mais tradicionais que acontecem no Ceará – a Festa do Pau da Bandeira –, Santo Antônio ganhou, em abril de 2022, um monumento de 26 metros de altura na cidade de Barbalha, da qual é padroeiro, também na Região do Cariri.
O investimento foi superior a R$ 2 milhões, e a imagem se tornou mais uma atração do turismo religioso, que movimenta a fé e a economia da região. De acordo com o Governo do Estado, o projeto incluiu, além da estátua, a urbanização do entorno.
8- Nossa Senhora de Fátima do Crato – 54 metros

Na próxima quinta-feira (13), será inaugurada no Ceará uma estátua que, segundo informações oficiais, é a maior do mundo dedicada a Nossa Senhora de Fátima. Com 54 metros de altura, a réplica da santa está erguida no município de Crato, no Cariri.
A imagem foi criada pelo artista Ranilson Viana, e a inauguração tem estimada a presença de cerca de 35 mil pessoas. Na ocasião, estará presente a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima, vinda de Portugal.
No local, já existia uma imagem inaugurada em 2018, de 45 metros de altura, cuja bênção inicial contou com a presença de cerca de 50 mil fiéis.
[Bônus] Santo Antônio sem cabeça

Além de Barbalha, o santo casamenteiro, padroeiro das coisas perdidas e dos pobres, tem outra representação no Estado. Ou tentativa. No município de Caridade, a cerca de 97km de Fortaleza, está erguida uma estátua de Santo Antônio, mas sem a cabeça.
Nos anos 1980, o então prefeito de Caridade, Raul Linhares, encomendou ao artista Franzé D’Aurora um monumento em homenagem ao santo. Com os fortes ventos e devido ao grande peso, a cabeça não pôde ser erguida, e estaciona na porta de uma casa a 3 km do corpo.
De tão inusitada, a história inspirou até livro: “A Cabeça do Santo”, da escritora cearense Socorro Acioli. A obra já chegou a ser traduzida para inglês e francês.
Identidade e fluxos regionais
Se de um lado há imagens que materializam uma relação de fé e identitária que já existia, como a de Padre Cícero, do outro estão figuras erguidas na tentativa de construir essa relação, que não necessariamente “conversam” com o DNA da região. Christian Dennys avalia que estas são “apostas que podem dar errado”.
“Não existe uma Fátima do Crato”, inicia, exemplificando sobre a estátua a ser inaugurada naquela cidade. “Existe a imagem de Portugal, nas tradições portuguesas, canalizadas em escala globalizada, assim como em Fortaleza. No Crato, a padroeira é Nossa Senhora da Penha. Eu na verdade contrario a lógica de identidade”, analisa o pesquisador.
“O risco é muito alto, porque você não está usando um agigantamento dos processos culturais locais: você tenta, da materialidade da imagem, construir uma imaterialidade de visitas e festejos que pode não ocorrer”, cita.
O geógrafo aponta, contudo, que “grande parte de localidades que há 15 ou 20 anos praticamente não tinham ninguém visitando, exceto em festejos muito locais, começam a se projetar mais rapidamente, aumentando o fluxo de pessoas”, a partir da presença dos “santos gigantes” – que, ironicamente, se apequenam dia a dia para caber em selfies.
“A tradição de projetar as fragilidades do ser humano diante do divino se inverte e você projeta a grandiosidade dentro da rede social, fazendo com que as estátuas tenham ângulos e formas que se transformem nessa capacidade ‘instagramável’”, observa Christian.









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