Cidade da Região Metropolitana de Fortaleza tem corredor de engenhos e bate de recordes.
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De origem tupi, Pindoretama significa “Terra das Palmeiras”. A julgar pela fama alcançada mundialmente, também pode ser chamada de Terra da Rapadura. O município, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza, é a capital dessa iguaria tão cobiçada e presente na mesa cearense. Alicerçada por décadas, a conquista gera fama e reconhecimento à cidade.
Mas, afinal, por que o lugar se tornou o epicentro da produção de rapadura? O que explica essa devoção ao doce a ponto de investir até em rapaduras gigantes? A resposta está nas artérias culturais do município. Pindoretama construiu identidade em torno dos engenhos tradicionais, da produção local e de eventos e ações de promoção relacionadas ao alimento.
Foi esse tripé o responsável por inserir o local no mapa turístico-gastronômico. “A presença de vários engenhos, a tradição familiar de produção e iniciativas de promoção municipal e regional (feiras, festivais e ações com turismo rural) consolidaram a marca ‘Capital da rapadura’”, explica Izakeline Ribeiro, jornalista e pesquisadora de Gastronomia.
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Instituições locais e governamentais reforçam esse título em materiais de divulgação. Segundo a Prefeitura, a cidade atingiu um novo recorde nacional em 2025 e entrou para o RankBrasil com a produção de uma rapadura de 18,66 toneladas e 6,8 metros de comprimento. O doce levou 11 dias para ser produzido.
Essas competições, analisa a estudiosa, são práticas simbólicas e promocionais. Ajudam a mobilizar comunidades, gerar mídia e atrair turistas, colaborando para o processo de construção identitária que combina produção efetiva, memória local e política de marca territorial. O resultado dá certo: visitantes ávidos para experimentar a delícia.

“A produção de rapaduras gigantes, inclusive, amplia o alcance do doce e reforça a imagem do Ceará como pólo da tradição. A competição pode ter efeito positivo na promoção cultural e turística. Conforme divulgação municipal e certificação brasileira, Pindoretama reivindica o registro do maior exemplar/certificação nacional”.
A peleja entre Ceará e Alemanha pela rapadura
Todo esse movimento ao redor da rapadura – sobretudo na produção da iguaria em versão gigante – tem outra justificativa curiosa: uma peleja entre Ceará e Alemanha pela patente do doce. No final do século XX, a empresa alemã Rapunzel registrou o termo “rapadura” em alguns mercados – no próprio país, em 1989, e posteriormente nos Estados Unidos.
A demarcação gerou preocupação entre entidades brasileiras porque o termo é um nome tradicional de produto, principalmente por essas bandas e na região Nordeste como um todo. Resultado: houve mobilização de órgãos brasileiros – a exemplo de OAB, Itamaraty e movimentos culturais – para anular ou convencer a retirada da exclusividade.

“Em 2008, a empresa germânica anunciou que abriria mão do direito exclusivo sobre a marca ‘rapadura’ no Brasil, encerrando o impasse formal no país”, explica Izakeline. Uma das envolvidas no processo de fazer com que o termo não caísse na boca de qualquer um e fosse coisa totalmente nossa foi Maria Socorro Pereira Ferreira, a Socorro do Engenho.
Aos 61 anos – não à toa nascida em 8 de outubro, Dia do Nordestino – a empresária administra o Engenho Tradição, localizado na CE-040, onde estão, de um lado e de outro, alguns dos principais engenhos de Pindoretama. A casa foi aberta em 1980, mas uma moenda presente no recinto prova que a rapadura estava lá desde muito antes, ainda no século XIX.
“Pertencia ao meu tataravô. Por isso mesmo, o foco de nosso engenho é manter tradição, cultura, história e qualidade”, diz a empresária. Em 2006, junto ao prefeito de Pindoretama à época, José Gonzaga Barbosa, ela teve a ideia de criar uma rapadura gigante para assegurar a patente da iguaria para o nosso lado.

O prefeito, por sua vez, criou o Pindorecana, festival inteiramente dedicado ao doce. Esse protesto, pra lá de delicioso, gerou efeito e, dois anos depois, o Ceará comemorou a vitória sobre a Alemanha. Celebrou também outro fruto bastante positivo: o fato de, a partir dali, outros engenhos começarem a se inspirar e também criar as próprias rapaduras gigantes – e também, em outros cantos do Ceará, o maior queijo, a maior rede, a maior buchada.
“Isso é muito gratificante pra mim, por isso nossa proposta é inovar sempre. A concorrência faz a gente crescer. Com o tempo, a agricultura acabou um pouco desvalorizada. Porém, devido aos engenhos aqui na região de Pindoretama, Cascavel e Aquiraz – e pelo fato de pertencermos à Rota das Falésias, de Aquiraz a Icapuí – houve um incentivo muito grande pra gente melhorar o trato com a terra, com o campo”.

Entre as próximas novidades da casa – já repleta de detalhes para fazer brilhar os olhos de qualquer cearense, de forró pé de serra todas as tardes com a presença de sanfoneiro à produção de cachaça artesanal – estão a criação de uma casa de farinha e a feitura de mais uma rapadura gigante, agora com 23 toneladas, de modo assumir o posto de maior do mundo.
Esta deve ser concluída ainda neste ano, no mês de dezembro. No momento, o alicerce da estrutura para conter o doce está sendo feito à base de ferro e concreto, e a ideia é que a rapadura seja elaborada conjuntamente, inclusive mediante participação do público. Ele pode colaborar incluindo um demão de rapadura fresca ao montante já feito.
“Aqui fica tudo bem claro pra todo mundo ver que, de fato, é uma rapadura de verdade. Quando a gente desmancha esse doce enorme, após um ano, ele vira ração animal, não é perdido. Até que venha a nova maior rapadura do mundo, contamos com uma maquete na loja para que o cliente tenha noção de como foi a anterior”, celebra Socorro.
Quanto mais rapadura, melhor
Outra das casas em destaque quando o assunto é rapadura gigante é o Engenho O Bari, tocado por Lindenalva Pereira Ribeiro há 20 anos num movimento bonito de geração em geração. Nascida e criada sobre o solo sagrado da agricultura, a empreendedora conta que o engenho com rapadura de pouco mais de seis toneladas na entrada do estabelecimento nasceu em 1939, tornando-se o primeiro da região.

Para ela, Pindoretama se tornou a capital da rapadura porque grande parte dos habitantes da cidade planta cana e tem engenho, realizando serviço próprio de plantar e colher. “Por isso é a terra da rapadura, somos o lugar que tem mais produtores. Na nossa região, havia 166 engenhos antigamente. Hoje não temos mais esse número devido às dificuldades de manter o negócio ou porque os antigos proprietários morreram e os filhos não continuaram”, analisa.
“Segundo a pesquisa do IBGE, agora temos 66 engenhos aqui. Na nossa CE mesmo, tem pelo menos dez, os outros ficam mais pra dentro. A movimentação maior é nos fins de semana e no período de alta estação”. Ela também arrisca outra teoria sobre por que o doce é tão característico do paladar cearense. Tem a ver com costume.

“Em outros tempos, não existia tanto doce que nem hoje. Era só rapadura na mesa de todo mundo. Pra você ter ideia, o trabalhador ia pra roça e levava rapadura pra comer. Hoje, continua tendo muita, mas também tem vários outros doces, de tudo quanto é sabor. A rapadura segue na mesa do nordestino, porém. Não sai e não é pra sair nunca”, gargalha.
Mesma opinião tem Josemir Araújo Holanda, o Lelé, à frente do Engenho Estação Nordestina. Aberto há dois anos, o local tem tradição mais antiga, uma vez se localizar em outro endereço antes e, depois, mudar para onde está hoje. Ele sedia a maior rapadura de Pindoretama neste momento, com 18 toneladas e 660 quilos.

As dimensões são tão colossais que é preciso subir numa escada para acessar o topo da iguaria. “O processo de feitura dura uma semana – entre colheita e produção de cana e reunião de homens pra trabalhar até a conclusão. Dia e noite. Todo ano é feita uma nova durante o Pindorecana, e fazemos outra para ficar em exposição na casa”, explica Lelé.
Para ele, também é muito claro o porquê de Pindoretama assumir a realeza mundial da rapadura: todo o processo da peleja com a Alemanha fortaleceu a cidade em criatividade e produção. Passos capazes de alavancar outros. O empresário situa, por exemplo, o fato de a Câmara Municipal de Pindoretama desenvolver um projeto de lei, já aprovado, que institui a rapadura como patrimônio histórico, cultural e imaterial do município.

“O fato de a tradição passar de geração em geração também ajuda nesse cenário. A molecada hoje não consome tanto, mas muitos pais ainda passam para os filhos. Comer rapadura é realmente algo muito nosso, e que bom”.









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