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Como Pindoretama se tornou a capital mundial da rapadura

De origem tupi, Pindoretama significa “Terra das Palmeiras”. A julgar pela fama alcançada mundialmente, também pode ser chamada de Terra da Rapadura. O município, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza, é a capital dessa iguaria tão cobiçada e presente na mesa cearense. Alicerçada por décadas, a conquista gera fama e reconhecimento à cidade.

Cidade da Região Metropolitana de Fortaleza tem corredor de engenhos e bate de recordes.

Escrito por
Diego Barbosadiego.barbosa@svm.com.br
26 de Novembro de 2025 – 07:28

Na imagem, pilhas de rapadura em formato de tijolo de cor âmbar dourado estão empilhadas sobre uma toalha vermelha escura. No fundo, fora de foco, uma pessoa vestindo uma camiseta vermelha e amarela e um avental escuro está de pé em uma sala de processamento ou loja.
Legenda: Pindoretama construiu identidade em torno dos engenhos tradicionais, da produção local e de ações de promoção relacionadas à rapadura.
Foto: Ismael Soares.

De origem tupi, Pindoretama significa “Terra das Palmeiras”. A julgar pela fama alcançada mundialmente, também pode ser chamada de Terra da Rapadura. O município, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza, é a capital dessa iguaria tão cobiçada e presente na mesa cearense. Alicerçada por décadas, a conquista gera fama e reconhecimento à cidade.

Mas, afinal, por que o lugar se tornou o epicentro da produção de rapadura? O que explica essa devoção ao doce a ponto de investir até em rapaduras gigantes? A resposta está nas artérias culturais do município. Pindoretama construiu identidade em torno dos engenhos tradicionais, da produção local e de eventos e ações de promoção relacionadas ao alimento.

Foi esse tripé o responsável por inserir o local no mapa turístico-gastronômico. “A presença de vários engenhos, a tradição familiar de produção e iniciativas de promoção municipal e regional (feiras, festivais e ações com turismo rural) consolidaram a marca ‘Capital da rapadura’”, explica Izakeline Ribeiro, jornalista e pesquisadora de Gastronomia.

 

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Instituições locais e governamentais reforçam esse título em materiais de divulgação. Segundo a Prefeitura, a cidade atingiu um novo recorde nacional em 2025 e entrou para o RankBrasil com a produção de uma rapadura de 18,66 toneladas e 6,8 metros de comprimento. O doce levou 11 dias para ser produzido.

Essas competições, analisa a estudiosa, são práticas simbólicas e promocionais. Ajudam a mobilizar comunidades, gerar mídia e atrair turistas, colaborando para o processo de construção identitária que combina produção efetiva, memória local e política de marca territorial. O resultado dá certo: visitantes ávidos para experimentar a delícia.

 

Na imagem, uma enorme peça retangular de rapadura, coberta por plástico transparente, está em exibição dentro de um edifício. A parede azul atrás dela tem um mural que proclama:
Legenda: Rapadura gigante presente no engenho Estação Nordestina, com 18 toneladas e 660 quilos.
Foto: Ismael Soares.

 

“A produção de rapaduras gigantes, inclusive, amplia o alcance do doce e reforça a imagem do Ceará como pólo da tradição. A competição pode ter efeito positivo na promoção cultural e turística. Conforme divulgação municipal e certificação brasileira, Pindoretama reivindica o registro do maior exemplar/certificação nacional”.

A peleja entre Ceará e Alemanha pela rapadura

Todo esse movimento ao redor da rapadura – sobretudo na produção da iguaria em versão gigante – tem outra justificativa curiosa: uma peleja entre Ceará e Alemanha pela patente do doce. No final do século XX, a empresa alemã Rapunzel registrou o termo “rapadura” em alguns mercados – no próprio país, em 1989, e posteriormente nos Estados Unidos.

A demarcação gerou preocupação entre entidades brasileiras porque o termo é um nome tradicional de produto, principalmente por essas bandas e na região Nordeste como um todo. Resultado: houve mobilização de órgãos brasileiros – a exemplo de OAB, Itamaraty e movimentos culturais – para anular ou convencer a retirada da exclusividade.

 

Na imagem, uma prateleira de loja bem abastecida, contra uma parede de azulejos claros em faixas, exibe pilhas de rapadura em diferentes tonalidades, desde marrom-claro a marrom-escuro e roxo. Garrafas de uma bebida chamada
Legenda: Mobilização de órgãos brasileiros serviu para garantir que ‘rapadura’ fosse termo nosso.
Foto: Ismael Soares.

 

“Em 2008, a empresa germânica anunciou que abriria mão do direito exclusivo sobre a marca ‘rapadura’ no Brasil, encerrando o impasse formal no país”, explica Izakeline. Uma das envolvidas no processo de fazer com que o termo não caísse na boca de qualquer um e fosse coisa totalmente nossa foi Maria Socorro Pereira Ferreira, a Socorro do Engenho.

Aos 61 anos – não à toa nascida em 8 de outubro, Dia do Nordestino – a empresária administra o Engenho Tradição, localizado na CE-040, onde estão, de um lado e de outro, alguns dos principais engenhos de Pindoretama. A casa foi aberta em 1980, mas uma moenda presente no recinto prova que a rapadura estava lá desde muito antes, ainda no século XIX.

“Pertencia ao meu tataravô. Por isso mesmo, o foco de nosso engenho é manter tradição, cultura, história e qualidade”, diz a empresária. Em 2006, junto ao prefeito de Pindoretama à época, José Gonzaga Barbosa, ela teve a ideia de criar uma rapadura gigante para assegurar a patente da iguaria para o nosso lado.

 

Na imagem, uma mulher sorridente em uma camiseta vermelha com um logotipo circular no peito está em pé em uma loja de produtos artesanais. Ela está cercada por pilhas de rapadura embalada e outros produtos em prateleiras e mesas, que se estendem por um amplo espaço comercial com pilares de tijolos à vista.
Legenda: Socorro do Engenho, à frente do Engenho Tradição, foi uma das que alavancaram novas formas de consumo da rapadura em Pindoretama.
Foto: Ismael Soares.

 

O prefeito, por sua vez, criou o Pindorecana, festival inteiramente dedicado ao doce. Esse protesto, pra lá de delicioso, gerou efeito e, dois anos depois, o Ceará comemorou a vitória sobre a Alemanha. Celebrou também outro fruto bastante positivo: o fato de, a partir dali, outros engenhos começarem a se inspirar e também criar as próprias rapaduras gigantes – e também, em outros cantos do Ceará, o maior queijo, a maior rede, a maior buchada.

“Isso é muito gratificante pra mim, por isso nossa proposta é inovar sempre. A concorrência faz a gente crescer. Com o tempo, a agricultura acabou um pouco desvalorizada. Porém, devido aos engenhos aqui na região de Pindoretama, Cascavel e Aquiraz – e pelo fato de pertencermos à Rota das Falésias, de Aquiraz a Icapuí – houve um incentivo muito grande pra gente melhorar o trato com a terra, com o campo”.

 

Na imagem, uma foto de perto, com baixa profundidade de campo, mostra fileiras e pilhas de rapadura. À esquerda, as peças são de uma cor marrom muito escura, e se transformam em tons mais claros, de âmbar e dourado, à medida que se movem para a direita e para o primeiro plano. Uma pessoa está fora de foco no fundo.
Legenda: Valorização da agricultura e do turismo garantem sobrevivência dos engenhos de Pindoterama.
Foto: Ismael Soares.

 

Entre as próximas novidades da casa – já repleta de detalhes para fazer brilhar os olhos de qualquer cearense, de forró pé de serra todas as tardes com a presença de sanfoneiro à produção de cachaça artesanal – estão a criação de uma casa de farinha e a feitura de mais uma rapadura gigante, agora com 23 toneladas, de modo assumir o posto de maior do mundo.

Esta deve ser concluída ainda neste ano, no mês de dezembro. No momento, o alicerce da estrutura para conter o doce está sendo feito à base de ferro e concreto, e a ideia é que a rapadura seja elaborada conjuntamente, inclusive mediante participação do público. Ele pode colaborar incluindo um demão de rapadura fresca ao montante já feito.

“Aqui fica tudo bem claro pra todo mundo ver que, de fato, é uma rapadura de verdade. Quando a gente desmancha esse doce enorme, após um ano, ele vira ração animal, não é perdido. Até que venha a nova maior rapadura do mundo, contamos com uma maquete na loja para que o cliente tenha noção de como foi a anterior”, celebra Socorro.

Quanto mais rapadura, melhor

Outra das casas em destaque quando o assunto é rapadura gigante é o Engenho O Bari, tocado por Lindenalva Pereira Ribeiro há 20 anos num movimento bonito de geração em geração. Nascida e criada sobre o solo sagrado da agricultura, a empreendedora conta que o engenho com rapadura de pouco mais de seis toneladas na entrada do estabelecimento nasceu em 1939, tornando-se o primeiro da região.

 

Na imagem, retrato de uma mulher sorridente de meia-idade, usando óculos e uma bandana escura, em uma camiseta vermelha e amarela com um emblema impresso. Ela está com os braços cruzados, em pé em um ambiente de engenho de cana-de-açúcar, com maquinário e uma área verde aberta visíveis no fundo embaçado.
Legenda: Lindenalva Pereira administra o primeiro engenho aberto de Pindoretama, O Bari.
Foto: Ismael Soares.

 

Para ela, Pindoretama se tornou a capital da rapadura porque grande parte dos habitantes da cidade planta cana e tem engenho, realizando serviço próprio de plantar e colher. “Por isso é a terra da rapadura, somos o lugar que tem mais produtores. Na nossa região, havia 166 engenhos antigamente. Hoje não temos mais esse número devido às dificuldades de manter o negócio ou porque os antigos proprietários morreram e os filhos não continuaram”, analisa.

“Segundo a pesquisa do IBGE, agora temos 66 engenhos aqui. Na nossa CE mesmo, tem pelo menos dez, os outros ficam mais pra dentro. A movimentação maior é nos fins de semana e no período de alta estação”. Ela também arrisca outra teoria sobre por que o doce é tão característico do paladar cearense. Tem a ver com costume.

 

Na imagem, uma foto em close-up e com baixa profundidade de campo, mostrando duas mãos escuras usando uma pequena ferramenta de madeira para raspar ou espalhar o melaço de cana-de-açúcar espesso e de cor âmbar, que está sendo trabalhado em moldes rústicos de madeira para formar rapadura.
Legenda: Para empresária, Pindoretama se tornou a capital da rapadura porque grande parte dos habitantes da cidade planta cana e tem engenho.
Foto: Ismael Soares.

 

“Em outros tempos, não existia tanto doce que nem hoje. Era só rapadura na mesa de todo mundo. Pra você ter ideia, o trabalhador ia pra roça e levava rapadura pra comer. Hoje, continua tendo muita, mas também tem vários outros doces, de tudo quanto é sabor. A rapadura segue na mesa do nordestino, porém. Não sai e não é pra sair nunca”, gargalha.

Mesma opinião tem Josemir Araújo Holanda, o Lelé, à frente do Engenho Estação Nordestina. Aberto há dois anos, o local tem tradição mais antiga, uma vez se localizar em outro endereço antes e, depois, mudar para onde está hoje. Ele sedia a maior rapadura de Pindoretama neste momento, com 18 toneladas e 660 quilos.

 

Na imagem, um homem de meia-idade, sorridente, usando óculos escuros e um boné, está em pé em frente a um edifício de cores vivas. Sua camiseta laranja e verde tem um design gráfico ousado. O edifício tem um mural de um sanfoneiro e um letreiro grande que diz, em parte,
Legenda: Para Lelé, do Engenho Tradição Nordestina, peleja entre Ceará e Alemanha fortaleceu Pindoretama.
Foto: Ismael Soares.

 

As dimensões são tão colossais que é preciso subir numa escada para acessar o topo da iguaria. “O processo de feitura dura uma semana – entre colheita e produção de cana e reunião de homens pra trabalhar até a conclusão. Dia e noite. Todo ano é feita uma nova durante o Pindorecana, e fazemos outra para ficar em exposição na casa”, explica Lelé.

Para ele, também é muito claro o porquê de Pindoretama assumir a realeza mundial da rapadura: todo o processo da peleja com a Alemanha fortaleceu a cidade em criatividade e produção. Passos capazes de alavancar outros. O empresário situa, por exemplo, o fato de a Câmara Municipal de Pindoretama desenvolver um projeto de lei, já aprovado, que institui a rapadura como patrimônio histórico, cultural e imaterial do município.

 

Na imagem, um close-up de duas mãos segurando um pedaço retangular de rapadura de cor caramelo dourado brilhante, possivelmente saborizada. As mãos usam pulseiras e estão sobre uma superfície coberta de migalhas do doce. Recipientes de plástico com tampas verde-água e outros ingredientes estão no primeiro plano.
Legenda: Em Pindoretama, rapadura como patrimônio histórico, cultural e imaterial do município.
Foto: Ismael Soares.

 

“O fato de a tradição passar de geração em geração também ajuda nesse cenário.  A molecada hoje não consome tanto, mas muitos pais ainda passam para os filhos. Comer rapadura é realmente algo muito nosso, e que bom”.

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Carlos Alberto

Oi, eu sou o Carlos Alberto, radialista de Campos Sales-CE e apaixonado por futebol. Tenho qualidades, tenho defeitos (como todo mundo), mas no fim das contas, só quero viver, trabalhar, amar e o resto a gente inventa!

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