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Só 1,5% das escolas privadas do Ceará tem comissão de prevenção à violência

A violência extrema nas escolas não se restringe a uma rede de ensino. O ataque cometido por um estudante de 15 anos no Colégio Christus Sul, em Fortaleza, na terça-feira (2), reforça que episódios desse tipo impactam tanto instituições públicas quanto privadas. A forma como essa violência se manifesta, porém, segue dinâmicas distintas, enquanto a adesão a mecanismos de prevenção, no Ceará, também avança em ritmos discrepantes.

Apenas 27 unidades possuem grupos destinados a discutir e planejar formas de proteger crianças e adolescentes.

Escrito por
Gabriela Custódiogabriela.custodio@svm.com.br

Mão de estudante escrevendo em caderno.
Legenda: As comissões devem reunir diretor, professor e funcionário para criar ações de prevenção à violência, promover formação e fortalecer a cultura de proteção e paz nas escolas.
Foto: Slexp880/Shutterstock

A violência extrema nas escolas não se restringe a uma rede de ensino. O ataque cometido por um estudante de 15 anos no Colégio Christus Sul, em Fortaleza, na terça-feira (2), reforça que episódios desse tipo impactam tanto instituições públicas quanto privadas. A forma como essa violência se manifesta, porém, segue dinâmicas distintas, enquanto a adesão a mecanismos de prevenção, no Ceará, também avança em ritmos discrepantes.

A ação violenta registrada na escola feriu três pessoas — um estudante, um professor e uma coordenadora — que, após serem levados a hospital e passarem por atendimento médico, tiveram alta ainda na terça-feira, conforme a escola. O adolescente autor do ato foi levado à delegacia para prestar esclarecimentos. Como ele é menor de idade, demais informações sobre o depoimento não podem ser veiculadas.

Diante de reflexões sobre casos semelhantes a esse, em 2020, a Lei nº 17.253/2020 autorizou a criação de comissões de proteção e prevenção à violência contra a criança e o adolescente nas escolas públicas e privadas do Ceará. Informações do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) mostram que as redes municipais de 166 cidades cearenses — 90% das 184 do Estado — já instituíram equipes desse tipo.

Por outro lado, apenas 27 escolas particulares do Estado fizeram o mesmo. E, destas, nove unidades são sedes diferentes de uma mesma instituição privada. Essa quantidade corresponde a apenas 1,5% das mais de 1,6 mil escolas particulares do Ceará, conforme dados do Censo Escolar 2024, coordenado e divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

As comissões são exemplos de iniciativas por meio das quais planos, discussões e reflexões acerca da prevenção a ataques violentos, dentro e no entorno das escolas, devem ser tratados. Além disso, o estabelecimento desses grupos em unidades públicas e privadas é também uma maneira de mostrar que ambas as redes podem estar suscetíveis a esse tipo de ação — embora haja diferenças entre os dois cenários.

 

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Esses colegiados devem ser compostos pelo diretor da unidade, um professor e um funcionário. A ideia é que o grupo desenvolva, com apoio da comunidade escolar, planos de prevenção às diferentes formas de violência na escola, realize iniciativas permanentes de sensibilização e formação a respeito de temáticas relacionadas à proteção, prevenção da violência e promoção dos direitos da criança e do adolescente e da cultura de paz.

Conforme a última atualização da lista de escolas disponibilizada no site do MPCE, o Colégio Christus é uma das unidades que não possui uma dessas comissões. O Diário do Nordeste tentou contato com a unidade, mas não houve respostas além da nota (veja texto na íntegra está no fim desta matéria) enviada horas após o ataque. “Nossa atenção agora está voltada para oferecer o suporte e o acolhimento necessários a toda a nossa comunidade escolar”, diz o texto da instituição, além de prestar outros esclarecimentos.

Veja a lista das escolas com comissão de prevenção à violência:

  1. Centro de Educação Vital Didonet
  2. Centro Educacional Infantil e Fundamental Maria Flor
  3. Centro Educacional o Pequeno Príncipe
  4. Colégio Antares – Sede Irmã Maria
  5. Colégio Antares – Sede Seis Bocas
  6. Colégio Antares – Santos Dumont
  7. Colégio Antares – Sede Barbosa de Freitas
  8. Colégio Antares – Sede Eusébio
  9. Colégio Antares – Sede Fátima
  10. Colégio Antares – Sede Papicu
  11. Colégio Antares – Sede Praia de Iracema
  12. Colégio Antares – Sede Washington Soares
  13. Colégio Coração de Maria
  14. Colégio Deoclécio Ferro
  15. Colégio Diocesano Valdemar Alcântara
  16. Colégio Edvando Souza
  17. Colégio Guri Sênior
  18. Colégio João XXIII
  19. Colégio Novo Conceito
  20. Colégio Provecto
  21. Colégio Santo Tomás de Aquino
  22. Escola Evolução
  23. Escola Mundo Magico Da Leitura
  24. Escola Normal Rural de Limoeiro do Norte
  25. Escola Semente do Amor
  26. Escolinha Sementes de Afeto
  27. Instituto de Educação Infantil e Ensino Fundamental Psicopedagógico

Especificidades de cada rede

Quem explica a diferença entre a manifestação da violência extrema nas escolas públicas e privadas é a doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Cléo Garcia, autora da pesquisa Ataques de violência extrema em escolas no Brasil. De acordo com ela, esses episódios na rede pública costumam estar relacionados a vulnerabilidades estruturais, como desigualdade social e falta de recursos. Nas escolas particulares surgem desafios próprios, como a pressão por desempenho e a dificuldade de reconhecer sinais de sofrimento emocional.

 

“Mas, em ambas as redes, o que os estudos mostram é que os episódios de violência extrema nunca têm uma única causa. Eles costumam ser uma combinação de diversos fatores: inclui trajetória de sofrimento, sentimento de rejeição e conflitos com que não se lida adequadamente. Em alguns casos, há aquelas influências ideológicas extremistas”, afirma.

 

Ela acrescenta que, na rede privada, temas como bullying, saúde mental e prevenção à violência são frequentemente tratados como problemas individuais ou familiares, e não como fenômenos que envolvem toda a instituição. “Além disso, algumas famílias, por receio de estigmatização, podem resistir a reconhecer esses comportamentos de risco”, afirma.

A psicóloga e psicanalista Alessandra Silva Xavier, professora fundadora do curso de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e participante do Programa “Previne — Violência nas Escolas, não!”, do MPCE, observa algo semelhante. Para ela, é difícil trabalhar certos temas em escolas particulares por haver uma espécie de “cultura de segredo”, com pouca discussão sobre temas como violência, drogas ou sexualidade.

“É como se essas questões não fizessem parte da realidade estudantil, e aí você fica sem espaço para poder lidar com isso. […] Infelizmente, em muitas escolas, muitas vezes acontece uma ênfase apenas na preparação para a obtenção de notas e de lugares de destaque no Enem. É como se a dimensão da formação humana ficasse em segundo plano”, avalia Alessandra, que é  doutora em psicologia clínica pela Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, e colunista do Diário do Nordeste.

Como prevenir a violência nas escolas

Para além da formação acadêmica, a escola deve estar comprometida com a instrução humana e ética, com a construção de regras de convivência, de respeito, de empatia, segundo a psicóloga Alessandra Silva Xavier. Ela é o ambiente de desenvolvimento não só individual da criança e do adolescente, mas também para o relacionamento com o mundo. Por isso, casos de violência extrema no ambiente escolar devem ser um alerta para toda a sociedade.

 

Quando alguém chega ao ponto de uma prática de violência extrema, tem alguma coisa por trás. Ela denuncia geralmente a existência de algum tipo de sofrimento que passou despercebido, que não recebeu o cuidado necessário.
Alessandra Silva Xavier

Psicóloga e psicanalista

 

A docente destaca que essas situações provocam uma reflexão sobre qual é o objetivo das escolas. “Será que elas têm dado atenção suficiente, dentro do seu projeto pedagógico, para as questões humanas? Será que trabalha questões emocionais, a dimensão da solidariedade, da cooperação, da empatia? Como é que a gente trabalha o diálogo, a relação entre grupos diferentes?”, questiona.

Nesse contexto, ela aponta a importância da participação da família, e destaca que as reuniões escolares não devem ter apenas um caráter punitivo. “[Será que a escola] tem reunião com esses pais sobre orientação, sobre uma tentativa de diálogo, sobre comportamento, sobre convivência?”, diz.

Cléo Garcia também destaca que o trabalho preventivo depende da corresponsabilização entre escola e família. “Quando há um diálogo aberto, quando há empatia entre as partes, as respostas são mais eficazes”, afirma.

 

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Alessandra Silva Xavier elenca alguns aspectos que podem chamar atenção para que esses casos sejam prevenidos. Ela aponta que sinais como agressividade constante, isolamento, intimidação ou mudanças bruscas de humor devem ser observados com atenção. Da mesma forma, um ambiente escolar muito rígido e punitivo, onde não se trabalha a questão das habilidades emocionais, também pode potencializar conflitos.

Além disso, tanto Alessandra Xavier quanto Cléo Garcia citam a importância de ações coordenadas entre diversos setores para lidar com essa problemática. São situações que ultrapassam os muros das escolas e devem ser tratadas de forma intersetorial, envolvendo educação, saúde e segurança pública, entre outras áreas.

“Envolvem as questões intersetoriais — educação, saúde, arte, cultura, segurança — e são um chamado para questões interseccionais. De repente, é necessário, dentro do projeto pedagógico da escola, ter ações que trabalhem aspectos que são potencialmente espaços conflituosos e de violência. [Isso] envolve questões relacionadas a sexo, raça e classe social. Como a escola lida com a existência de conflitos e como ela vai oferecer recursos para os alunos poderem desenvolver”, afirma Xavier.

Garcia destaca que existe um consenso de que é importante ter uma formação continuada e qualificada dos profissionais sobre esse tema e ter protocolos claros de atuação. “Em se tratando do ambiente escolar, os professores e as equipes precisam ter ferramentas para identificar os sinais de sofrimento, precisam ter noções de como manejar conflitos, quais procedimentos devem seguir diante de situações de risco”, afirma.

 

Orientações bem construídas trazem segurança, evitam improviso e tornam a escola mais preparada. E isso tem que ser feito constantemente. O apoio psicológico não pode ser apenas emergencial, ele precisa ser preventivo e precisa estar no cotidiano, porque isso também fortalece vínculo e ajuda a identificar algumas vulnerabilidades antes que elas se agravem.
Cléo Garcia

Doutoranda em Educação pela Unicamp

 

Ela também ressalta que a prevenção não é papel apenas da escola. “Precisa existir canais diretos para encaminhamento em saúde mental, com apoio técnico para lidar com casos complexos, com pessoas preparadas e com políticas públicas. E contar, claro, com a segurança pública para orientar, responder a riscos reais. Nós não podemos transformar a escola em um ambiente de medo”, avalia.

Quando todos esses setores funcionam de forma articulada, ela aponta que a escola consegue identificar alguns sinais e agir antes que as situações graves ocorram. “Mas isso também demanda muita vontade e disposição para mudanças, para acolhimento, para preparo, para olhar e escutar esses adolescentes”, finaliza.

O que são as Comissões de Proteção

A criação dessas comissões foi autorizada pela Lei nº 17.253/2020, que alterou um texto de 2002 que tinha como foco a prevenção à violência doméstica contra criança e adolescente. O novo texto determina que elas sejam formadas pelo diretor escolar, por um professor e um funcionário da instituição de ensino. Essas equipes têm as seguintes competências:

  • Desenvolver, com a comunidade escolar, planos de prevenção às diversas expressões de violência identificadas no ambiente escolar;
  • Notificar e tomar as medidas cabíveis, do ponto de vista educacional e legal, nos casos de violência contra a criança e o adolescente, bem como realizar o devido encaminhamento às instituições e autoridades competentes, quando necessário;
  • Implantar protocolo único de registro, sistematização e notificação nas escolas para os casos de violência contra crianças e adolescentes;
  • Notificar os casos de suspeita de violência ao Conselho Tutelar, nos termos da legislação vigente.

O Programa “Previne — Violência nas Escolas, não!”, foi lançado em 2022 pelo MPCE e realiza dois projetos. O “Proteger e Prevenir” é voltado para a implementação dessas comissões em instituições públicas e privadas, enquanto o “Comissão em ação” tem como foco as unidades que já as implementaram.

Em nota, o Ministério Público do Ceará, lamentou o caso de violência e se solidariza aos estudantes, pais de alunos e profissionais do Colégio Christus, em Fortaleza. O órgão informou que todos os 184 municípios do Ceará, além do Governo Estadual, aderiram ao “Previne”, beneficiando quase 1,5 milhão de estudantes em cerca de 5.500 escolas.

Ao todo, 50 escolas privadas também aderiram ao Programa, a partir de parceria com o Sindicato dos Estabelecimento de Educação e Ensino da Livre Iniciativa do Ceará (Sinepe). Porém, nem todas criaram a comissão. Até o momento, segundo o Centro de Apoio da Educação (Caoeduc) do MPCE, mais de 4.500 comissões foram criadas no Estado.

Em publicação nas redes sociais, o deputado estadual Renato Roseno (Psol), autor da Lei nº 17.253/2020, destacou que a norma “promove a cultura de prevenção e de acolhimento”, mas lamentou que ela “não tem sido abraçada pela maioria das escolas particulares”. “É preciso criar uma outra cultura social e pedagógica que afaste nossas crianças e adolescentes da cultura da violência”, defendeu.

Nota do colégio na íntegra

O Colégio Christus vem a público esclarecer os fatos relacionados à ocorrência registrada nas dependências da unidade Christus Sul 3, na manhã desta terça-feira.

É prioritário informar que nenhum dos envolvidos corre risco de vida. O incidente resultou em ferimentos em um aluno e dois funcionários, que receberam atendimento médico e já tiveram alta.

Como o caso envolve menores de idade e a investigação oficial pelas autoridades competentes ainda está em curso para esclarecer a dinâmica exata dos fatos, o Colégio Christus, no intuito de respeitar a legislação vigente e  preservar a privacidade e a integridade de todos os envolvidos e suas famílias, não divulgará detalhes adicionais.

O Colégio Christus lamenta profundamente o ocorrido e está colaborando integralmente com as autoridades. Nossa atenção agora está voltada para oferecer o suporte e o acolhimento necessários a toda a nossa comunidade escolar. Neste momento delicado, unimo-nos em oração por todos os envolvidos, pedindo serenidade, cura e restauração, confiantes nos valores cristãos que orientam nossa missão educativa.

Atenciosamente,

Direção do Colégio Christus

Nota do sindicato das escolas particulares na íntegra

O Sinepe-CE lamenta o episódio envolvendo estudantes ocorrido em uma instituição de ensino da livre iniciativa em Fortaleza, nesta terça-feira (2/12),
e presta solidariedade à instituição, aos alunos, às famílias e aos profissionais envolvidos.

A entidade reafirma seu compromisso em apoiar as escolas na construção de ambientes seguros, acolhedores e pautados na cultura de paz. Nesse propósito, destacamos a atuação conjunta com o Ministério Público do Ceará, por meio do Programa Previne, fortalecendo ações de prevenção, cuidado emocional e proteção nas instituições de ensino.

O Sindicato permanece ao lado das escolas pela segurança e proteção da comunidade escolar e atua para oferecer suporte técnico, institucional e jurídico.
A entidade seguirá colaborando com todas as autoridades para aprimorar estratégias de prevenção e garantir a integridade de crianças, adolescentes e profissionais da educação.

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Carlos Alberto

Oi, eu sou o Carlos Alberto, radialista de Campos Sales-CE e apaixonado por futebol. Tenho qualidades, tenho defeitos (como todo mundo), mas no fim das contas, só quero viver, trabalhar, amar e o resto a gente inventa!

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