Governo do Estado fornece incentivos para atrair investimentos, mas novo esquema tributário vai reorganizar modo como isso ocorre

Nos próximos oito anos, o Ceará e os demais estados do Brasil passam a se preparar para mudar a lógica da distribuição dos incentivos fiscais por meio da isenção ou reduções do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Com a Reforma Tributária próxima de começar o processo de transição, esses benefícios serão extintos, o que, à primeira vista, pode prejudicar o cenário de investimentos.
O ICMS é o imposto estadual recolhido pelos estados. No caso do Ceará, por exemplo, é concedida a isenção ou descontos às empresas para que o território cearense se torne um local mais atrativo para a instalação de unidades industriais, comerciais ou agropecuárias.
Na reforma tributária, os incentivos fiscais da forma como existem atualmente serão extintos a partir de 1º de janeiro de 2033. Como haverá a reorganização das alíquotas pagas pelos contribuintes e o ICMS será fundido com o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), de responsabilidade municipal, para criar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), não caberá mais aos estados conceder os benefícios.
Isso não significa, porém, que não haverá incentivos fiscais. A tendência é de que, em vez de ser uma atribuição de cada estado, de forma independente, o dinheiro a ser captado para conceder os benefícios venha de um fundo nacional. Essas demais questões ainda estão pendentes de leis regulamentares para entrarem em vigor.
Secretário da Fazenda do Ceará rechaça fuga de investimentos, mas admite “reorganização”
O otimismo com a alegada simplificação trazida pela reforma tributária, que vai transformar o sistema tributário brasileiro em um esquema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), vem acompanhada de certa preocupação com o fim dos incentivos fiscais.
Em resposta aos questionamentos da reportagem sobre o assunto, o titular da Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará (Sefaz-CE), Fabrizio Gomes, afirma que “o fim dos incentivos fiscais pode impactar diversas cadeias produtivas no Brasil”, e que isso deve gerar um “reordenamento de empresas no País”.
É claro que vai existir uma reorganização das empresas pelo Brasil, e cabe a cada estado e cada município fazer o dever de casa, estudar as cadeias produtivas e segmentos econômicos. (…) É importante lembrar que os incentivos fiscais são dados para as empresas para reduzir seus custos, e com a Reforma Tributária, a eficiência do sistema, com um modelo tributário menos complexo e reduzindo o chamado Custo Brasil, vai reduzir também o custo das empresas.

Juracy Soares, presidente da Associação dos Auditores Fiscais da Administração Fazendária do Ceará (Auditece), explica que o fim dos incentivos fiscais fará com que haja mais transparência ao contribuinte por quais motivos as empresas se instalam em um determinado estado.
“A partir dessa nova realidade, as novas instalações de empresas se darão muito mais por conta de fatores geográficos, logísticos e em função da vocação local. Os estados eventualmente podem lançar mão, inclusive, de estímulos econômicos a partir de destinações em seu orçamento. A diferença do que existe para hoje seria a transparência junto à sociedade, que passará a saber quanto estamos pagando para manter essa ou aquela empresa gerando empregos no estado”, pontua.
Criação de fundo nacional deve ajudar estados menos favorecidos, diz Ministério da Fazenda
Para corrigir distorções e para evitar a fuga de investimentos para regiões mais próximas do eixo Sul-Sudeste do País, a Reforma Tributária prevê ainda a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).
O objetivo é que a ‘guerra fiscal’, com os estados competindo entre si para atrair empresas, acabe e seja substituída pela compensação do fundo. Conforme o Ministério da Fazenda, os mais beneficiados com isso serão as 16 unidades federativas do Norte e Nordeste do País.
“A participação desses Estados no FNDR será muito maior que a proporção de seus benefícios fiscais relativamente aos benefícios fiscais totais do país. No caso dos estados menos desenvolvidos, o montante de recursos do FNDR que receberão será inclusive maior que o valor total dos benefícios fiscais que concedem atualmente”, declara a pasta.

Esse fundo, entretanto, só entra em vigor daqui a oito anos. Entre 2029 e 2032, haverá o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais (FCBF), instituído com a Reforma Tributária, que vai compensar as empresas que perderão incentivos fiscais. A partir de 2033, o mecanismo será o FNDR.
“A Emenda Constitucional define que (os recursos do FNDR) poderão ser aplicados no fomento de atividades produtivas com elevado potencial de geração de emprego e renda, em obras de infraestrutura ou no estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico e à inovação. Como cada Estado aplicará os recursos definirá o impacto que sua aplicação terá sobre a dinâmica das economias estaduais”, define o Ministério da Fazenda.
“É importante ressaltar, no entanto, que a maior flexibilidade na aplicação dos recursos relativamente aos benefícios fiscais do ICMS tende a resultar em um efeito mais positivo sobre a geração de emprego e renda que o modelo atual, baseado em benefícios”, acrescenta a pasta.
Como será o cálculo sobre quanto cada estado vai receber do FNDR?
O montante definido pela reforma tributária a ser destinado anualmente pelo FNDR é de cerca de R$ 60 bilhões. Fabrizio Gomes explica que a divisão dos recursos não será igualitária entre os estados, e deverá seguir a proporção de distribuição de 30% mediante o tamanho da população, e os demais 70% conforme o Fundo de Participação dos Estados (FPE).
De acordo com o secretário da Fazenda do Ceará, se as regras do FNDR entrassem em vigor em 2025, o Ceará teria direito, seguindo as disposições de distribuição do montante financeiro, a receber R$ 3,5 bilhões.
O Ministério da Fazenda garante que, mesmo que a fatia venha de um fundo nacional, cada estado terá autonomia para alocar os recursos como achar necessário, contanto que siga os parâmetros estabelecidos na Emenda Constitucional 132, que institui o FNDR.

“Os Estados em geral (e o Ceará em particular) não dependerão de negociações com Brasília para a aplicação dos recursos do FNDR. O montante a ser transferido e os critérios de distribuição entre os Estados já estão definidos na Emenda Constitucional e cada Estado terá autonomia na aplicação de seus recursos, desde que observadas as destinações previstas na Constituição”, dispõe a pasta.
Ainda segundo o Ministério da Fazenda, “os estados menos desenvolvidos terão mais capacidade de atrair investimentos com o modelo baseado no FNDR do que com o modelo atual, baseado em incentivos”. Na análise da pasta, até mesmo as unidades federativas mais desenvolvidas estão concedendo os benefícios, o que praticamente anula a existência deles.
“A capacidade de atração de investimentos pelos estados menos desenvolvidos com o modelo atual tem sido progressivamente reduzida porque atualmente todos os estados da Federação concedem incentivos fiscais, inclusive os mais desenvolvidos”, enfatiza o ministério.
“Corrida ao fundo do poço” deixa estados refém dos incentivos, analisa especialista
Com os sucessivos incentivos fiscais sendo dados pelas unidades federativas, a ‘guerra fiscal’ foi escalonando no País, a ponto de se tornar inviável para os próprios entes, como avalia Juracy Soares.
“O modelo baseado na redução tributária era uma espécie de ‘corrida ao fundo do poço’ que se esgotou em sua própria essência, a partir do momento em que os estados simplesmente não tinham mais o que reduzir e acabaram se vendo reféns de sua própria iniciativa para conceder mais e mais reduções de tributos”, destaca.
A tendência é que, a partir de agora, os estados passem a se organizar em torno de estratégias econômicas próprias e que se amparem nas vocações locais. No caso do Ceará, Juracy elenca a evidência cearense no ramo portuário, com o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp), e o Hub Tecnológico de Fortaleza, com diversos cabos submarinos conectando a capital estadual com o mundo.

Muitos vão largar na frente. Na verdade, a corrida já começou. Mas tem muita gente que ainda pensa que só em 2033. Assistiremos aos estados — aqueles que se preocuparem em atrair, primeiro, profissionais para desenvolver essas estratégias — se reinventarem nessa área. Estamos agora no limiar de uma nova era na qual será exigido de cada estado uma nova competência, baseada numa nova prospecção que considere esses aspectos mais refinados.
O secretário da Fazenda reforça a fala do especialista, e também exalta as outras forças econômicas do Estado, como o potencial de geração de energia renovável, como pontos positivos para serem trabalhados no novo esquema tributário nacional.
“Acho que a Reforma Tributária traz grandes oportunidades para o Ceará exacerbar aquilo que tem de positivo: energias renováveis, tecnologia, data centers, ZPE, e também conseguir com o FNDR e uma melhor eficiência do sistema tributária, atrair e manter as empresas no Ceará”, observa.
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