Trabalhadores da zona rural preferem a ociosidade remunerada do Bolsa Família do que emprego com carteira assinada

Empresas da agropecuária e da indústria do Ceará e dos demais estados do Nordeste estão, neste momento, enfrentando uma dificuldade que se agrava à medida que passa o tempo: a falta de mão de obra. Mesmo pagando salários acima de R$ 2 mil, com carteira assinada, para serviços mais simples, as empresas não conseguem contratar trabalhadores.
Em cidades do sertão cearense, emissoras de rádio transmitem a todo momento avisos de emprego formal, mas a resposta é perto de zero. O que se passa? – foi a pergunta que a coluna fez a um grupo de industriais e agropecuaristas. A resposta deles, com outras palavras, foi a seguinte: “O trabalhador prefere a ociosidade remunerada pelo Bolsa Família e pelos demais programas assistenciais do governo.”
No Brasil, parece haver punição tributária para o sucesso e, na contramão do bom senso, um prêmio para o fracasso, levando em conta os impostos e as taxas exigidos de quem produz e trabalha e, ao mesmo tempo, as benesses para os preguiçosos que trocam o labor pelo ócio pago com o dinheiro público. E o quadro pode piorar: há uma proposta no Congresso Nacional, reduzindo de cinco para quatro a jornada de trabalho no país.
Pelo testemunho dos empresários do agro cearense, a carência de mão de obra é maior na zona rural, onde faltam, acreditem, ordenhadores em pequenas fazendas que ainda usam a ordenha manual (as grandes utilizam a ordenha mecânica). Falta mão de obra para a limpeza dos currais, para preparar e distribuir a alimentação dos rebanhos, para tanger o gado até local do pasto e trazê-lo de volta.
Numa fazenda que produz coco e feijão verdes durante o ano todo no Litoral Norte do Ceará, há mais de 20 vagas abertas para mulheres na unidade industrial da empresa recentemente instalada, que agora, com alta tecnologia da Embrapa, envasa e embala, em garrafinhas de 300 ml, água de coco sem qualquer ingrediente químico. A oferta de emprego não sensibilizou o mundo feminino do município onde está a fazenda. As mulheres de lá estão optando pelo benefício do Bolsa Família.
“Não resta dúvida de que o Bolsa Família é um engenhoso meio de distribuir renda à população mais pobre, mas esse programa deve ter, também, uma porta de saída. Os trabalhadores da zona rural recusam o emprego formal das empresas agropecuárias temendo perder a ajuda mensal do Bolsa Família. Daqui a pouco, ser bolsista do governo vai virar uma profissão”, disse um grande agricultor, que, no Sertão Central, já fez de tudo para atrair mão de obra para a sua fazendo, mas sem sucesso.
Esta falta de trabalhadores é mais localizada na região Nordeste. No Centro Oeste, nos municípios onde predomina a economia agrícola, e são quase todos, os trabalhadores estão empregados nas fazendas que produzem soja, algodão e milho. E com bons salários e carteira assinada.
Aqui no Ceará, mesmo com carteira assinada – o que assegura ao trabalhador todos os direitos garantidos pela legislação – falta gente, aliás, falta muita gente para a produção da agricultura e da pecuária. Um médio carcinicultor de Morada Nova contou à coluna que, diante da falta de pessoal para tocar a criação de camarão em sua gleba, não teve outra alternativa: convocou o filho e o irmão para esse trabalho, “e tudo vai bem”, acentuou ele.
Um empresário da agroindústria fez uma advertência: quem quiser investir hoje na agricultura ou na pecuária, no Ceará ou noutro estado nordestino, enfrentará o problema da falta de mão de obra, “e aí contará até 10 antes de fazer o investimento, e isto desestimula qualquer empreendedor”.
Ricard Pereira – industrial metalúrgico dono da Petral e sócio e diretor da Indumetal, que tem como outro sócio o empresário Vilmar Ferreira, fundador e controlador do Grupo Aço Cearense – procura operadores para sofisticadas máquinas que a empresa adquiriu não faz muito tempo. Aqui, essa mão de obra até que existe, é contada nos dedos, mas já está toda empregada. “Penso em buscá-la no mercado do Sudeste”, disse Ricard.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará, Amílcar Silveira, preocupa-se com a situação da carência de mão de obra no campo, e salienta que o capítulo cearense do Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) está empenhado em formar e qualificar pequenos agricultores pecuaristas. Para isso, incluiu na sua grade de cursos um destinado a formar operadores de drones, nova atividade profissional que invade o campo.
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