Bairro Conjunto Metropolitano sofre há décadas com falta de infraestrutura e tem dezenas de casas à venda

Sempre começa com poucos pingos no telhado. Mas, repentinamente, qualquer chuva mais forte transforma em pesadelo a vida de moradores do bairro Conjunto Metropolitano, mais conhecido como Picuí, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. Parte do território fica completamente alagada, com relatos da água batendo no pescoço de pedestres.
Neste mês, em um dos dias que choveu, a água acumulada precisou de alguns dias para baixar de nível. O Diário do Nordeste foi ao local ver de perto as consequências do problema e a situação das habitações.
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Ocupado sem planejamento nos anos 1990, o Picuí fica numa área próxima ao Rio Ceará, o que facilita o acúmulo de água nas vias. Sem asfalto ou pavimentação, a maioria se torna uma gosma escorregadia de lama, areia e lixo. Para caminhar pela localidade, é preciso olhar bem onde se pisa – um risco especial para crianças e idosos.
Na Rua Pedro Alves de Menezes, a reportagem encontrou o reciclador Edilmar Souza ainda avaliando a extensão dos danos da casa – basicamente, um corredor formado por sala, quarto e cozinha, onde mora sozinho. No domingo, vendo a água entrar na residência, subiu a rua para se abrigar na filha.
Ao voltar, viu a geladeira “emborcada” e a maioria dos pertences boiando. “Tava tudo revirado. Perdi umas roupas… mas também não tenho nada mesmo”, diz com o olhar desalentado de quem já mora há 28 anos no bairro sem ver nenhuma melhoria.
“É sempre ‘peia’ no verão, é muito difícil o ano que não dá enchente. Não tem pra onde correr”, reclama. As provas disso estão às claras: várias casas no bairro têm placas de “vende-se”. Edilmar é enfático: “não tem quem queira nem de graça”.

Na via perpendicular, na Rua Maria de Jesus, a dona de casa Uelida Maria vivenciou uma situação semelhante. Embora tenha conseguido concluir recentemente uma expansão da casa para um duplex, nem todos os pertences foram levados para o andar superior.
“As coisas de cozinha estão aqui embaixo. Perdi geladeira, a comida que tava dentro estragou, a máquina de lavar queimou, panela foi embora. Porque foi rápido, né? Não deu tempo pra fazer nada”, lamenta ela, que mora há 10 anos na localidade.
No momento da enchente, Uelida estava sozinha com o filho adolescente. Eles subiram as escadas e ficaram ilhados com dois cachorros dentro da própria residência, jantando biscoitos, bolo e água.
“A gente não pode sair daqui, é a nossa casa. Não tem como pagar aluguel e sair daqui. O sofrimento é grande todo ano. Se chover de novo, vai ser do mesmo jeito, vai encher de novo”, projeta.
Os prejuízos vão além dos materiais: várias galinhas criadas pelo sogro dela num quintal morreram afogadas.

Em outro ponto do bairro, a Rua Aníbal Franklin também alagou. Segundo os moradores, não era possível ver nenhuma calçada, só água. Apesar do problema, parte deles confidenciou à reportagem que não sai de casa com medo de ter os pertences saqueados.
Samara Garcia nasceu e cresceu na rua. Hoje, aos 24 anos, continua vivenciando os mesmos problemas da infância, com um agravante: em 2025, pela primeira vez, o piso de casa ficou todo coberto pela água.
“O que é importante eu ‘atrepo’, mas só tenho coisa velha. A gente deixa molhar, depois vai enxugando e vê o que dá pra recolher”, relata. Quando perguntada como se sente com toda a situação, a jovem respira fundo e diz com sinceridade: “impotente”. “Dá desânimo, porque a gente tenta fazer alguma coisa, mas não dá”.
Pelos depoimentos, resignação parece ser a realidade de quem mora no Picuí, tanto pela incapacidade de lutar contra a natureza quanto pela espera por medidas mitigadoras.
“Salvando meus filhos, o resto pode se acabar tudo”, afirma Samara. “A gente sabe que, se o rio transbordar, não vamos escapar. Mas aqui a gente tá é no lucro. Tem rua em que a água bate no pescoço, tem até bote salva-vidas para resgatar o pessoal”.
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O que a Prefeitura fez?
No início de março, 36 famílias foram abrigadas numa escola do Picuí após o transbordamento do Rio Ceará, causado pelas fortes chuvas. Em abril, novamente, 33 famílias foram acolhidas no local, segundo balanço da gestão municipal. Elas recebem suporte de equipes de assistência social, saúde e outros órgãos.
A Prefeitura ainda afirma que a Defesa Civil “continua monitorando as áreas de risco, prestando orientações e garantindo o apoio necessário às famílias impactadas”. Também são realizadas ações de limpeza com retroescavadeira para melhorar a vazão da água acumulada na região.

“O Município reforça o compromisso com a segurança e bem-estar de famílias mais vulneráveis aos impactos das fortes chuvas e dispõe de um plano operacional para prevenção e resposta a desastres, envolvendo diversas secretarias municipais”, justifica.
Entre as ações preventivas, a gestão diz ter intensificado a limpeza de canais e recursos hídricos desde o início do ano para reduzir riscos de alagamentos. Já as ações de resposta incluem avaliação contínua das áreas de risco, suporte à população e encaminhamentos emergenciais quando necessário.
Esgotamento sanitário
Desde março, o Picuí também recebe obras para ampliar a rede de esgotamento sanitário no município. As intervenções, que devem atingir 6 mil residências, são conduzidas pela Ambiental Ceará, empresa da Aegea Saneamento e parceira da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).
Em nota, a empresa informou que o projeto prevê a execução de 30 km de rede coletora, 3 km de linha de recalque e a construção de três estações elevatórias, equipamentos responsáveis por destinar os efluentes às estações de tratamento. A previsão de conclusão das obras é para o mês de setembro.
Com a ligação dos imóveis à rede, o esgoto deve ser transportado de forma segura para uma estação de tratamento, evitando que a população fique exposta a contaminantes, reduzindo a incidência de doenças relacionadas à falta de saneamento básico e ajudando a despoluir corpos hídricos na região.
No entanto, a Ambiental Ceará também reforça que a coleta e drenagem das águas da chuva são de competência dos entes municipais. Neste caso, as obras de esgotamento sanitário que estão sendo executadas pela empresa não representam uma solução para as enchentes enfrentadas pelos moradores do Conjunto Metropolitano.
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