Sobrecarga em linhas de transmissão tem levado à limitação da geração de energia limpa, com impactos para investimentos e riscos para estados como o Ceará

Nos últimos anos, a geração de energia por fontes renováveis avançou de forma contundente no Brasil, com destaque para a forte expansão da solar e eólica. No entanto, tal expansão tem enfrentado um obstáculo cada vez mais frequente e preocupante: o curtailment.
Entenda o que é curtailment
O termo, que pode ser traduzido como “restrição” ou “despacho zero”, refere-se à limitação da geração de energia imposta a usinas mesmo quando há condições ideais de vento ou sol, devido a gargalos na rede de transmissão.
Na prática, isso significa que parte da energia gerada por fontes renováveis não chega ao consumidor, porque o sistema não tem capacidade para escoá-la. É algo como ter uma grande produção de soja e não possuir estradas para transportá-la.
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Essa restrição ocorre especialmente em regiões onde a geração cresceu mais rápido do que a infraestrutura para transportar a eletricidade, como o Nordeste.
A palavra, embora de pronúncia desafiadora, está na ponta da língua dos empresários que atuam no ramo de energias renováveis, pois este se tornou um problema e tanto para o setor.
Uma Fortaleza de energia perdida
Em 2023, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), mais de 1.300 GWh de energia eólica e solar deixaram de ser utilizados no Brasil devido ao curtailment — um volume suficiente para abastecer uma cidade como Fortaleza por mais de um mês.
O impacto econômico do curtailment é expressivo. Produtores deixam de faturar com a energia não comercializada, o que afeta a rentabilidade dos empreendimentos e, em alguns casos, inviabiliza novos projetos. A percepção de risco se eleva entre investidores, especialmente os estrangeiros, que observam com cautela os limites estruturais da expansão renovável no Brasil.
Além da perda direta de receita, o problema pressiona o custo da energia. Quando a geração renovável é cortada, o sistema pode precisar acionar termelétricas, mais caras e poluentes, para garantir o equilíbrio entre oferta e demanda. Isso compromete os ganhos ambientais e econômicos proporcionados pela transição energética.
O Ceará, estado com forte presença de parques eólicos – segmento que, aliás, atravessa grave crise – e grande potencial solar, sente os efeitos dessa limitação. A falta de novas linhas de transmissão pode comprometer projetos futuros e reduzir a competitividade regional.
O Governo Federal tem tentado acelerar os leilões de transmissão para destravar investimentos. Ainda assim, os empreendimentos levam anos para entrar em operação, o que não resolve o problema de curto prazo.
Especialistas têm defendido medidas adicionais, como o aprimoramento dos modelos de planejamento da expansão, para que levem em conta a velocidade da conexão das novas usinas. Também se discute a adoção de mecanismos de armazenamento, como baterias e hidrogênio verde, para absorver a energia gerada e liberá-la conforme a capacidade da rede.
Outro caminho seria a flexibilização regulatória para permitir acordos bilaterais entre geradores e grandes consumidores, conhecidos como PPA privados, que possam incluir cláusulas específicas de compartilhamento de riscos relacionados ao curtailment. Essa modalidade vem ganhando força no mercado livre de energia, inclusive no Ceará.
Para estados nordestinos, onde a energia renovável é vetor estratégico de desenvolvimento, o risco é que o gargalo de infraestrutura leve à perda de oportunidades. Projetos de usinas associadas à produção de hidrogênio verde, por exemplo, exigem segurança no fornecimento e na capacidade de despacho da energia gerada.
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