O Vaticano passou a permitir bênçãos a casais do mesmo sexo em dezembro de 2023. A decisão, autorizada por Francisco, é histórica, mas não equivale à celebração de um casamento
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Era fevereiro de 2024 e fazia pouco mais de 30 dias que o Vaticano havia anunciado, em dezembro de 2023, que estava permitido aos padres da Igreja Católica conceder bênçãos a casais do mesmo sexo em igrejas, quando os cearenses Gustavo Salgado – professor de educação física – e Marcos Campos – cientista político, unidos desde 2017 e casados no civil desde 2021, receberam a bênção, em uma capela de Fortaleza, na presença dos pais, parentes e amigos de ambos.
A autorização, formalizada pelo Papa Francisco no documento “Fiducia supplicans”, estabeleceu para o mundo, a partir daquela data (18 de dezembro de 2023), que padres, caso queiram, podem administrar bênçãos pastorais a casais do mesmo sexo. E isso não significa uma permissão da Igreja Católica para o casamento religioso entre esses casais.
O movimento formalizado a partir de um posicionamento histórico do Papa falecido na última segunda-feira (21), sinalizou a possibilidade de bênção aos casais do mesmo sexo (e não a união deles) e é considerado um “avanço” para esta população.
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Na época, as análises fora e dentro da Igreja, apontaram que Francisco caminhou para aproximar a instituição do público LGBTQIA+, reiterando outros movimentos “reformistas” do seu pontificado, que durou 12 anos.
Agora, com o Papa morto e com o cumprimento de processos que definirão o futuro da Igreja Católica, o casal de cearenses relembra a expressão e a relevância desse “progresso”, que tomou forma com a liberação desta bênção pastoral. A torcida, diz um deles, é para que nos próximos períodos “não haja retrocessos”.
Bênção em Capela em Fortaleza
No caso de Gustavo e Marcos, relata o último, a benção ocorreu em uma capela da casa da Congregação do pároco da Paróquia de São João do Tauape, à época, padre Abimael Nascimento. Gustavo é professor em uma escola católica e Marcos explica que ambos professam a religião, frequentam missas, embora tenham tido mais obstáculos de engajamento sistemático na Igreja, de modo geral, ao assumirem a sexualidade.
“Nós já tivemos engajamento na igreja quando jovens. Fomos de grupos de jovens. Eu, na Teologia da Libertação e o Gustavo no segmento carismático. É claro que depois que nós nos assumirmos homossexuais, temos mais dificuldade de estarmos engajados”.
De acordo com ele, que em 2015 viu o Papa Francisco presencialmente (ainda que a distância na Praça São Pedro, na Itália), a bênção recebida em Fortaleza, junto ao marido, foi: “a possibilidade de reencontrar a instituição que foi tão importante para a gente”.

“É a religião que nós crescemos, é a religião dos nossos pais. E, naquele momento, estava havendo uma virada muito importante de posição dessa instituição em relação à homossexualidade. Uma virada de uma posição de natureza milenar na Igreja”.
Sobre a benção, destaca: “foi um momento íntimo, singelo e forte, pelo significado que tinha, de mudança de posição da Igreja e também para os meus pais. Eles ficaram muito felizes” – e acrescentou que Gustavo ficou “muito emocionado”. A mãe de Gustavo já faleceu, relata Marcos acrescentando que o marido “imaginou que ela também estaria feliz (pela bênção) naquela ocasião”.
No rito, detalha ele, “é simples e o padre foi acolhedor”. “É o mesmo rito oferecido quando você abre uma casa nova, faz aniversário. Em várias situações a Igreja abençoa. E não há nenhuma associação com benção matrimonial”, reforça.
O momento, relembra, teve a leitura de um trecho bíblico, um comentário feito pelo padre, a Oração do Pai Nosso e a benção. Tanto o casal, como os parentes, ressalta, ficaram impactados pela concessão da graça.
Legado do Papa Francisco
O cientista político afirma que, agora, “o significado dessa bênção é ainda maior”. Isso porque eles adotaram recentemente duas filhas e contam com a chance de batizá-las na Igreja Católica, já que essa é uma possibilidade também permitida pelo Vaticano no papado de Francisco.
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“Temos a expectativa de viver esse momento com elas com toda a legitimidade, sem precisar falsear a nossa relação. A gente quer que haja reconhecimento de que elas duas são filhas de um casal homossexual e que elas podem integrar a comunidade de católicos, como nós, homossexuais, também integramos”.
Marcos reforça que, durante muito tempo, a Igreja Católica, “alimentou a violência e a ilegitimidade da vida homossexual”, e, na sua visão, “o gesto do Papa Francisco tem um impacto muito grande” para alterar essas construções.
“Homosexuais estão no cotidiano das igrejas e isso (possibilidade ter a benção) faz a vida melhorar. Ele (Papa) criou um ambiente muito mais leve para essas pessoas. É um grande legado. É uma das atitudes mais fiéis ao espírito cristão”, avalia.
O que é a benção a casais do mesmo sexo?
O documento aprovado pelo Papa Francisco em dezembro de 2023, intitulado “Fiducia supplicans”, aborda o tema das bênçãos na Igreja e não altera “a doutrina tradicional sobre o casamento”. A benção em questão é pastoral, ou seja, do tipo que é dada a residências, por exemplo, e não litúrgica, como no caso do matrimônio entre um homem e uma mulher.

O documento, reitera que, de acordo com a “doutrina católica perene”, somente “as relações sexuais dentro do casamento entre um homem e uma mulher são consideradas lícitas”. Mas, ainda assim, por avançar na inclusão de casais homoafetivos, despertou a reação da ala conservadora da Igreja Católica mundo afora.
O texto determina formalmente que ministros ordenados podem abençoar casais em “situação irregular” e casais do mesmo sexo. Mas, destaca, a bênção deve ser um gesto pastoral espontâneo, sem ritos ou elementos semelhantes a um matrimônio.
A possibilidade de abençoar aqueles que, segundo a Igreja Católica, “não vivem segundo as normas da doutrina moral cristã” é categorizada como bênçãos espontâneas e se diferencia das bênçãos rituais e litúrgicas.
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