Ceará é o segundo estado mais afetado com cortes desde outubro de 2021

As empresas geradoras de energias renováveis do Brasil começaram a viver um pesadelo nos últimos anos: os cortes de geração, também conhecidos como ‘curtailment‘. Devido à falta de capacidade da rede de transmissão elétrica, as usinas são obrigadas a interromper a geração.
As empresas geradoras de energia solar e eólica cearenses acumulam prejuízos de R$ 262 milhões com a interrupção da operação, determinada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). O montante considera o prejuízo das eólicas em todo o período e das solares apenas no último ano.
O Ceará é o segundo estado brasileiro mais afetado pelas interrupções de geração de eólicas e solares desde outubro de 2021. O prejuízo dos negócios cearenses só perde para as usinas de Minas Gerais, segundo dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
Somente em 2025, o prejuízo às usinas eólicas já é de R$ 20 milhões, com corte de 341,4 mil MWh, conforme Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).
Nos últimos doze meses, as usinas solares do Ceará tiveram um prejuízo de R$ 56 milhões com os cortes de geração. De abril de 2024 a abril 2025, as usinas solares instaladas no estado desperdiçaram 716,46 mil MWh — para se ter ideia, as casas de Roraima consumiram cerca de 648 mil MWh de energia ao longo de 2023.
A energia produzida pelo sol corresponde a 22% da capacidade instalada do Estado. Mas com as constantes interrupções do fornecimento, há um temor de perdas de investimentos e até fechamento de usinas em operação.
A situação financeira das usinas em operação é delicada, principalmente devido à falta de ressarcimento pelos cortes, destaca Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Absolar.
O ressarcimento às usinas solares até abril correspondeu a apenas 2,5% do prejuízo total, conforme a Absolar. “Estamos batalhando para conseguir uma solução, seja pela via administrativa, no diálogo com o ministério e a agência reguladora. Ou também pelo judiciário, esse tema está na Justiça”, aponta Sauaia.
O cenário desestimula empresas do setor a investir em novas plantas, sobretudo no Nordeste, avalia Kleber Lima, professor do departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“As empresas de geração fizeram um investimento. E quem investe quer retorno. As empresas operando no sistema interligado nacional investem para ter retorno, ter lucro. Quando você começa a limitar a geração, significa que o lucro que você está recebendo não está justificando o investimento”, aponta.
Como o Ceará é um dos líderes da geração renovável, pode ser prejudicado pelo esvaziamento de investimentos nesse tipo de energia, segundo o especialista.
FUGA DE INVESTIMENTOS
O presidente do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia), Luis Carlos Queiroz, avalia que é improvável que as companhias invistam em novos projetos diante dos cortes de geração.
“Já tem uma sinalização de dificuldade de pagamento de investimentos, muitos deles feito de bancos de investimentos. E o que a gente percebe é que essas mesmas empresas são as que estavam para investir em novos parques”, avalia.
A preocupação também recai sobre a indústria da energia renovável, como empresas produtoras de pás eólicas, painéis solares e aerogeradores.
“O estado do Ceará tem todo o sucesso na energia renovável devido ao ambiente jurídico adequado para investimentos. A partir do momento que a gente tem quebra de confiança, uma vez que está impossibilitado de gerar cerca de 40, 50%, cria um ambiente de insegurança”, avalia.
A Qair Brasil, que tem mais de 600 MW em ativos eólicos e solares, não paralisou o investimento em curso no Ceará, mas vem sentindo os impactos do curtailment.
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O complexo solar Bom Jardim, no município de Icó, deve começar a operação comercial neste ano, com conclusão total das obras em 2026.
“O projeto foi estruturado economicamente para um custo e para uma receita, que de lá para cá mudou demais. E tudo isso vai impactando na atratividade do negócio”, pondera Gustavo Silva, diretor de operações da Qair Brasil.
Além de mudar as expectativas para projetos em operação, o cenário pode minar investimentos futuros da empresa.
“Imagine você montar um cenário econômico para 30, 35 anos, que é o tempo considerado na estruturação desses projetos, e antes se levava em consideração a possibilidade de estar parado em torno de 1%. Agora tem que parar 30%. Então a própria forma como a gente desenvolve as coisas é impactada”, avalia.
INVESTIMENTOS NA INFRAESTRUTURA DE TRANSMISSÃO
Os cortes de geração são ordenados pelo ONS quando a rede elétrica não consegue escoar a quantidade de energia produzida pelo sistema elétrico brasileiro.
A ordem de interrupção se intensificou após o apagão nacional registrado em 15 de agosto de 2023, gerado por uma falha em equipamentos de controle de parques renováveis ligados a uma linha de transmissão no Ceará.
Desde então, o operador vem adotando regras mais conservadoras, limitando a transmissão da energia renovável do Nordeste para o resto do Brasil.
“O Nordeste gera muito a partir de renováveis e não são raros os momentos onde a região gera mais do que consome, gera mais do que 100% da sua corga. A opção é exportar para o resto do país ou estocar a energia”, explica Kleber Lima.
A transmissão da energia é limitada porque não há infraestrutura suficiente para que a carga seja transferida. Já o estoque de energia renovável deve ser feito a partir de baterias, o que ainda não é uma realidade no Brasil.
“O Brasil está organizando um grande leilão de baterias. Vamos ter muitas baterias, muitos armazenadores no sistema, mas a gente precisa de mais. A gente precisa de investimentos em linhas de transmissão. Para escoar essa energia, a gente precisa de carga”, aponta o especialista.
O Ministério de Minas e Energia determinou que o ONS apresente até junho um estudo com medidas para ampliar o escoamento da energia gerada do Nordeste. A proposta deve adotar critério operativos excepcionais para melhorar o aproveitamento da energia limpa.
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