Cada vez mais cedo, crianças manifestam sinais de exaustão emocional. Como reconhecer e proteger a infância em tempos de tanta cobrança?

Nos últimos anos, o número de crianças e adolescentes com transtornos emocionais vem crescendo de forma alarmante. Segundo a Organização Mundial da Saúde, uma em cada sete crianças no mundo sofre com algum transtorno mental. Muitos desses sofrimentos silenciosos começam cedo e, sem acolhimento adequado, seguem para a vida adulta.
Em quase 10 anos de prática clínica tenho recebido cada vez mais crianças e adolescentes apresentando sinais de cansaço extremo, desmotivação, irritabilidade, agressividade e até sintomas físicos como dores de cabeça, insônia e queda no rendimento escolar.
São sinais que, muitas vezes, passam despercebidos, mas podem indicar um esgotamento que já não é mais exclusividade do mundo adulto.
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Embora o termo “burnout” tenha nascido para descrever o esgotamento profissional, hoje sabemos que o excesso de cobranças acadêmicas, agendas lotadas de compromissos extracurriculares e a pressão por desempenho, podem colocar até os mais jovens em estados de profunda exaustão emocional e desenvolver o Burnout Infantil.
O que pode levar uma criança ao burnout?
- Pressão excessiva por resultados escolares;
- Falta de tempo livre para brincar, descansar e fazer atividades prazerosas;
- Estímulos constantes sem pausas (uso excessivo de telas, redes sociais, excesso de atividades);
- Ambientes familiares tensos ou altamente exigentes.
Do ponto de vista psíquico, o excesso de estímulos e cobranças externas invade o espaço interno que a criança precisa para simbolizar suas experiências. Sem tempo para brincar, criar ou simplesmente sentir, o desenvolvimento emocional se empobrece e os sintomas surgem como um grito silencioso.
Em consultório, é preocupante o discurso das crianças que não conseguem suportar o tédio. Quando lhes pergunto sobre sentimentos difíceis, muitas respondem: “é tédio”.
Mas o tédio, longe de ser um inimigo, deveria ser vivido como um espaço fértil: é no vazio, no intervalo das exigências, que a criatividade floresce, que o brincar espontâneo surge, que o psiquismo se organiza. Quando ele se torna insuportável, é sinal de que algo não vai bem e que a criança está perdendo a capacidade de sustentar o encontro consigo mesma.
O brincar, o ócio e até o tédio não são luxos: são necessidades psíquicas fundamentais para o desenvolvimento saudável.
Para prevenir o adoecimento emocional infantil é urgente:
- Respeitar o tempo de ser criança;
- Valorizar o brincar livre e o não fazer nada;
- Reduzir a pressão por desempenho e resultados (os erros fazem parte do caminho);
- Acolher sentimentos difíceis sem pressa de resolver (incentive a conexão emocional);
- Dar o exemplo de uma vida em que pausas, descanso e afeto também têm valor.
Cuidar da infância é garantir que a criança tenha tempo de amadurecer internamente, é investir na saúde emocional não só do presente, mas das próximas gerações.
A infância é o terreno onde o ser humano aprende a confiar em si mesmo, a criar, a imaginar e a amar. E isso só é possível se houver tempo, presença e acolhimento.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.
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