A sociedade pede a identificação, a prisão e a punição dos responsáveis pelos desvios bilionários do dinheiro de aposentados e pensionistas

Qualquer brasileiro de baixa, média ou alta renda dará pela falta de R$ 10 em sua conta bancária. Uma empregada doméstica sentirá essa falta quando for conferir seu saldo, da mesma forma que acontecerá com um grande empresário. Simples assim, pois é assim mesmo que acontece. Mas o governo da União, esse mastodonte que gasta muito mais do que arrecada, tem sido, ao longo dos tempos, incapaz de vigiar seu próprio dinheiro.
Ora, conhecendo essa grave e tradicional fragilidade dos organismos de fiscalização e controle do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), os agentes do próprio governo, em conluio com entidades privadas, deram-se o bem remunerado crime de aprofundar e sofisticar o conhecido esporte de desviar para a sua própria conta bancária o que deveria ir para a dos aposentados e pensionistas.
Entre 2018 e 2024, essa quadrilha desviou R$ 6,3 bilhões descontados de milhares de velhinhos e velhinhas para a conta de sindicatos e associações beneficentes, todos sócios de um esquema de corrupção instalado no coração do INSS, cujo presidente e auxiliares sabiam de tudo, segundo a Polícia Federal, que apura, ainda, se na conta bancária deles foram feitos depósitos oriundos dessa fraude – algumas dezenas de milhares de aposentados nunca autorizaram desconto a favor daquelas entidades.
O esquema de corrupção instalado no INSS começou em 2019, no governo Jair Bolsonaro, mas explodiu em 2023 e 2024, no atual governo, quando se avolumaram os desvios – é o que apontam as investigações da PF, que também apuraram que, somente em 2023, falsos empréstimos consignados, obtidos provavelmente pela mesma quadrilha, causaram um prejuízo de R$ 90 bilhões aos aposentados e pensionistas.
Neste momento de grave crise fiscal – os economistas estão prevendo que, em 2027, o governo, por falta de dinheiro, terá dificuldade para honrar o pagamento das aposentadorias e pensões do INSS – o que pede a sociedade é a identificação, a prisão e a condenação dos responsáveis pela fraude, sejam eles quem forem. Ao contrário da Operação Lava Jato— que foi para o espaço porque o STF entendeu que o fórum do Petrolão não era o de Curitiba, mas o de Brasília – o inquérito da PF para apurar o que se passou no INSS deve ser o mais transparente possível.
Ontem, na hora do almoço, dois empresários agropecuaristas, revoltados diante de mais esse escândalo de corrupção, disseram que investir hoje no Brasil é uma tarefa complicada, a começar pela insegurança jurídica, passando pela insegurança pública e chegando à política, cujos agentes “dão maus exemplos de como usam o dinheiro público e de como desviam os proventos dos velhinhos aposentados” (o ministro da Previdência, líder do PDT, foi demitido). A dupla de empreendedores também lamentou que a sociedade, diante de tantos escândalos, dá mostras de que já se acostumou com a corrupção, inserindo-a na conta dos seus prejuízos financeiros e de suas frustrações morais.
Bem, o governo já anunciou que o prejuízo dos aposentados será ressarcido no curtíssimo prazo, mesmo que, até agora, não se tenha encontrada a rubrica orçamentária da qual sairão os recursos para esse ressarcimento. Há impasses ainda não resolvidos. Por exemplo: como o aposentado lesado provará que não autorizou o desconto de seu provento para o sindicato Xis ou Ypsilon? Como ele provará a data em que começou a ser lesado? Não há respostas para estas perguntas, ainda.
Quanto à fraude no crédito consignado, o negócio é bem mais embaixo, não só pela montanha de dinheiro desviado – R$ 90 bilhões, segundo cálculos da PF – mas pela maneira como ela se deu. O consignado é operado, também, pelos grandes bancos, e aí são outros 500. O consignado é um meio que o governo encontrou de oferecer crédito com juros baixos a quem tem dívida com juros altos. Como disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, “é a chance de trocar uma dívida cara por uma dívida mais barata”.
Em 2023, a quadrilha que sabe lesar o indefeso aposentado descobriu como obter um consignado em nome de outrem. E aí aconteceu a fraude não em órgão do serviço público, mas no poderoso sistema financeiro. A PF deve aprofundar suas investigações, pois desse mato fraudulento podem surgir boas surpresas.
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