Para a psicóloga Ludmilla Furtado, a relação com esses bonecos pode refletir desde experiências simbólicas e estéticas até tentativas de preencher lacunas emocionais
15/05/2025 09h32 Atualizado agora
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_1f551ea7087a47f39ead75f64041559a/internal_photos/bs/2025/s/b/F8HNV3Rn2BbEL3NzxsJw/15708529-bx-rio-de-janeiro-rj-27-05-2013-bebes-reborn-arte-onde-bonecos-sao-produzidos-com-sem.jpg)
Maternidades exclusivas para bonecos, troca de fraldas e mamadeiras e até a disputa judicial de um casal pela guarda de um reborn têm dominado o noticiário brasileiro. O fenômeno dos bebês reborn — bonecos hiper-realistas tratados por muitos como filhos de verdade — vem despertando fascínio e controvérsia.
Para a psicóloga Ludmilla Furtado, coordenadora e professora do curso de Psicologia da Uniabeu, a tendência exige uma escuta atenta e livre de julgamentos: a relação com esses bonecos pode refletir desde experiências simbólicas e estéticas até tentativas de preencher lacunas emocionais num cenário contemporâneo marcado por solidão, vínculos fragilizados e hiperconectividade. “É preciso compreender o contexto afetivo e social em que essas escolhas se dão”, alerta.
O PL 5357/2025, que institui a criação de um programa de saúde mental para pessoas que se demonstrarem vínculo paterno ou materno com os bonecos no território fluminense, foi encaminhado à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) nesta terça-feira.
O texto, de autoria do deputado estadual Rodrigo Amorim (União), prevê o desenvolvimento de ações de prevenção, acolhimento, orientação e acompanhamento dos ‘pais’ dos bonecos com o fim de prevenir “o adoecimento, a depressão e o suicídio”. Segundo a medida, os protocolos do programa vão ser criados por equipes formadas por psicólogos, terapeutas e assistentes sociais.
Na justificativa do projeto, Amorim afirma que os bebês reborn podem ser uma “ferramenta terapêutica valiosa”, mas ressalta que os bonecos “não podem ser um objeto que faça a pessoa fugir da realidade ou ainda criar uma dependência afetiva”.
Ainda que alguns casos possam sugerir uma tentativa de preencher lacunas emocionais, Ludmilla alerta para a multiplicidade de sentidos que esses bonecos podem ter. “Para algumas pessoas, os reborns são objetos de afeto, de memória, ou mesmo de expressão estética. Para outras, podem carregar simbolismos ligados a experiências de perda ou cuidado. Não há uma resposta única”, explica, acrescentando que a velocidade com que essa prática tem se espalhado não permitiu, até o momento, análises mais consistentes. “Não há consenso acadêmico que permita afirmar se há, de fato, uma tentativa inconsciente de reparação emocional”.
A linha que separa o simbólico do sintomático
Reportagens recentes têm chamado atenção para situações em que a relação com os reborns parece extrapolar o lúdico: mulheres que os levam para passear de carrinho, registram certidão de nascimento ou até os apresentam a amigos como filhos. Seria essa uma manifestação de sofrimento psíquico? Ludmilla recomenda cautela: “Até o momento, não há parâmetros clínicos validados que definam um ponto exato de transição entre o uso simbólico e um indicativo de sofrimento. Cada caso deve ser analisado à luz do contexto e da escuta individual.”
Para além da dimensão individual, a psicóloga convida a uma reflexão mais ampla sobre os modos de viver e se vincular na atualidade. “Vivemos em uma sociedade marcada pela solidão e por vínculos cada vez mais mediados pela tecnologia. Nesse cenário, o reborn pode ser visto como uma tentativa simbólica de resgatar o afeto, o controle ou até a previsibilidade diante da necessidade de reorganizar o mundo ao redor. Nesse contexto, objetos como os bebês reborn podem ser compreendidos de maneiras multifacetadas”, analisa Ludmilla.
Muito além da excentricidade
O fenômeno dos bebês reborn, embora cause perplexidade, pode ser revelador de uma série de questões contemporâneas — do luto ao afeto, da solidão ao desejo de controle. Para Ludmilla Furtado, a chave está na escuta atenta e livre de julgamentos. “É importante destacar o cuidado necessário para não incorrer em leituras apressadas ou reducionistas que ’psicologizem’ toda e qualquer manifestação subjetiva ou cultural. A tentativa de explicar esses comportamentos exclusivamente por categorias clínicas ou por pressupostos inconscientes pode obscurecer a complexidade do fenômeno, além de se correr o risco de patologizar experiências que, muitas vezes, são singulares, simbólicas ou culturalmente situadas”, conclui a especialista.
Os vereadores do Rio aprovaram no dia 7 de maio, em segunda discussão, o projeto de lei nº 1892/2023, que prevê a inclusão do Dia da Cegonha Reborn no calendário da cidade. De acordo com a justificativa da proposta, que aguarda aprovação ou veto do prefeito Eduardo Paes, o dia seria uma homenagem às artesãs que criam bonecos realistas de bebês, chamadas de Cegonhas.
Adcionar comentário