Entre eles, 34 centenários afirmaram ao IBGE que têm o Transtorno do Espectro Autista (TEA)

O retrato da população cearense diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi registrado oficialmente e divulgado pela primeira vez, nessa quarta-feira (23), em dados do Censo Demográfico do IBGE de 2022. Das 126,5 mil pessoas com TEA no Estado, 12,4 mil têm 60 anos ou mais de idade.
Se de um lado mais da metade dos cearenses com TEA são crianças e adolescentes, do outro os idosos representam quase 10% da população diagnosticada com o transtorno no Estado. O Ceará é, aliás, o 2º do Nordeste e 7º do Brasil com maior quantidade de pessoas 60+ autistas.
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Conforme a faixa etária avança, o número reduz. O Censo mostra que 6,4 mil idosos com idade entre 60 e 69 anos afirmaram ter diagnóstico médico de TEA. O quantitativo cai para 3,9 mil entre os de 70 a 79 anos, e reduz para 1,6 mil autistas de 80 a 89 anos. Além deles, 384 moradores na faixa de 90 a 99 anos declararam ser autistas.
Um dado que se destaca, contudo, é o número de centenários cearenses com autismo: 34 declararam ao Censo que têm o diagnóstico. O IBGE reforça que os dados são da pesquisa amostral, que não chegou a toda à população brasileira – sendo, portanto, uma estimativa.
Em documento de divulgação dos dados, o instituto destacou os desafios da inclusão de dados sobre pessoas com autismo no Censo Demográfico. “A avaliação do TEA é complexa, extensa e requer uma série de perguntas e análises conduzidas por profissionais qualificados”, o que não é possível no Censo, apontou.
O IBGE afirma que “a tarefa de realizar essa mesma avaliação por meio do questionário do Censo esbarra no limite do próprio tamanho do questionário” e na “ausência de profissional de saúde na entrevista”.
Assim, o levantamento se baseou em apenas uma pergunta, direcionada a todos os moradores do domicílio: “Já foi diagnosticado(a) com autismo por algum profissional de saúde?”.
Como funciona o diagnóstico
A neuropsicóloga Carolina Ramos explica que, para um laudo mais correto e preciso de TEA, é necessária uma bateria de testes e investigações, incluindo histórico de vida e até entrevistas com pessoas que convivem com o paciente. O processo, em geral, é feito em conjunto por profissional da psicologia e da medicina (psiquiatra ou neurologista).
Para crianças, os testes são mais lúdicos, “porque elas não têm discernimento de chegar, sentar e falar sobre as próprias dificuldades”. Já para os adultos, “é uma abordagem mais direta, com testes e questionários”.
É perigoso diagnosticar uma pessoa com TEA usando apenas uma escala, um teste. São em torno de oito sessões só de testes aplicados, investigação com família, histórico, na escola, reunião com médico que acompanha. Deve ser criterioso, e o que observo é que não tem sido.
Se o processo é complexo hoje, anos atrás, com informações menos disseminadas, eram ainda mais. Daí o aumento de diagnósticos tardios. “Muitos idosos com TEA passaram a vida sem saber. Isso pode levar a um sentimento de confusão, frustração, isolamento social, dificuldade de comunicação e de ter habilidades sociais”, lista Carolina.
A neuropsicóloga observa que a rigidez cognitiva, falta de habilidade de lidar com imprevistos e mudanças característica do autismo, pode se intensificar na velhice, se associar aos “desafios cognitivos e sensoriais” e expor o transtorno.
“Pessoas com TEA tendem a se apegar à rotina. Então, mudanças comuns na velhice, como aposentadoria, mudança de casa, internação por alguma doença podem ser muito desafiadoras, desencadeando crises”, alerta Carolina.
Importância dos dados
Janielle Severo, advogada da Associação Fortaleza Azul (FAZ), que assiste famílias de pessoas com TEA, reforça que ter dados oficiais é importante para fortalecer políticas públicas. Ela avalia que os gargalos, hoje, iniciam no diagnóstico e seguem por toda a vida.
“A pessoa cresce. Temos uma grande quantidade de crianças com TEA, mas estão virando adolescentes, adultos, e não temos o que fazer com eles. Precisamos dos números pra que os governos possam se programar, dar o atendimento em saúde necessário para que adquiram os requisitos para estar em sociedade”, destaca.
Além da presença saudável e digna de crianças e adolescentes nas escolas regulares, a advogada pontua a necessidade de garantir políticas de empregabilidade a adultos com níveis de suporte que permitam isso.
“E aos que não conseguirem evoluir, que possam estar em clínicas-dia. Um adulto que fica somente em casa perde a perspectiva, tem um adoecimento mental. A política pública tem que ser pensada de forma integral, pra que essa pessoa com deficiência seja pensada desde o dia em que nasce até o dia em que vai morrer”, frisa.
A inclusão de informações específicas sobre a população autista dos estados brasileiros é importante para dimensionar as políticas públicas voltadas a ela. Hoje, uma das principais dificuldades das famílias de crianças e adolescentes – e também de adultos – é no acesso ao próprio diagnóstico e, depois, às terapias.
No Ceará, por exemplo, mais especificamente na capital, a fila à espera de acompanhamento especializado de transtornos como o autismo já chegou a registrar 23 mil crianças, como mostrou reportagem do Diário do Nordeste de julho de 2024.
A atual gestão municipal de Fortaleza projeta a criação de 12 unidades dos chamados “Espaços Girassol”, com atendimento multidisciplinar para pessoas com TEA e Síndrome de Down. Os dois primeiros devem ficar prontos em junho deste ano.
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