Falta de docentes traz preocupação sobre cumprimento de calendários, oferta de bolsas para estudantes e qualidade do ensino ofertado na Universidade

Um problema histórico continua na Universidade Estadual do Ceará (Uece): o déficit no número de professores para garantir a continuidade de aulas e projetos. Apesar de chamamentos recentes de novos profissionais, atualmente, a instituição ainda acumula carência de quase 140 docentes.
Os números informados pela gestão, a pedido do Diário do Nordeste, divergem da contabilidade do Sindicato dos Docentes da Uece (Sinduece), com base no Censo de Carência Docente realizado pela própria instituição, em setembro de 2023. O documento foi aprovado pelo Conselho Universitário (Consu) em abril de 2024 e disponibilizado publicamente.
Segundo aquela contagem, a carência atingia 482 vagas em mais de 20 cursos, com notoriedade para formações da área da Saúde e licenciaturas (veja a lista mais abaixo). O número era superior a outro levantamento feito pela Uece em 2021, quando a instituição identificou carência geral de 407 professores.
Normalmente, essa vacância pode ocorrer em virtude de exonerações, aposentadorias ou falecimentos.
Porém, a Uece declara que já incorporou mais de 290 professores efetivos oriundos do último concurso público, realizado em 2022. Outras 53 vagas continuam abertas através de um novo edital. Assim, nas contas da instituição, restam 138 vagas com carência de preenchimento.
O impasse é acompanhado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) desde janeiro do ano passado, por meio de inquérito civil aberto após o Sinduece apresentar uma notícia de fato relatando os impactos da falta de docentes para o funcionamento da Universidade.
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Para resolver o problema, o Governo do Estado firmou o compromisso de convocar os aprovados no último concurso público – realizado em 2022, que ofereceu 365 vagas e foi divulgado como “o maior concurso público docente realizado no Brasil”, naquele ano.
Contudo, segundo a representação docente, ainda há muitas lacunas difíceis de serem preenchidas a curto prazo. “A despeito da criação de novos cargos por meio de lei estadual, não houve, até o momento, qualquer convocação efetiva, agravando a insegurança institucional e comprometendo o direito constitucional à educação pública de qualidade”, defende o Sindicato.
Por isso, o Sinduece requereu à 1ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, na semana passada, a realização de audiência pública com representantes do Governo. Em pauta, devem estar a convocação dos aprovados do cadastro de reserva; novo concurso para áreas onde não há mais cadastro disponível; e garantia de autonomia universitária para realização de concursos em casos de vacância.
Em nota enviada à reportagem, a gestão da Uece informou que, para o ano de 2025, “precisa incorporar 138 profissionais ao quadro docente”. A entidade reforçou que a diferença para a contagem do Sinduece se dá porque o último Censo foi feito em 2023 e, de lá pra cá, novos professores foram incorporados.
Para dar conta dessa demanda, prevê as seguintes ações:
- Conclusão das convocações do último concurso público;
- Realização de um novo concurso público com as vagas remanescentes do último concurso de 2022;
- Tramitação do processo de convocação de candidatos aprovados fora do número de vagas do último concurso de 2022;
- Lançamento de novo Edital para professores temporários e substitutos.
Também por meio de nota, o MPCE declarou que apura a contratação de professores “em quantidade adequada” na Uece e que já recebeu dados do Governo do Ceará informando a criação de 283 vagas na instituição, conforme a Lei 19.070/2024.
“Com base nessas informações, o MP do Ceará pediu que a Reitoria da Uece informe como serão distribuídas essas vagas. A Promotoria também encaminhou as informações para o Sindicato de Docentes da Uece se manifestar. No momento, o Ministério Público aguarda a resposta da Reitoria da Uece para analisar quais serão as providências cabíveis”, finaliza.
Atraso para os alunos
A falta de professores preocupa os estudantes, que veem mais distante a perspectiva de conclusão do curso no tempo correto. É o caso de Ana Virgínia de Sousa, aluna do 4º semestre de Enfermagem.
Segundo ela, das 24 vagas efetivas do curso, 13 têm professores temporários e 11 estão ociosas. Com essas ausências, a maior preocupação se dá sobre disciplinas obrigatórias, que são pré-requisito para avançar para outras cadeiras em semestres seguintes.
“Até o fim do ano, mais professores vão se aposentar, mas não temos reposição nessas disciplinas essenciais, inclusive de estágio. Enfermagem é um curso que já é demorado, são no mínimo 5 anos, e atualmente vamos passar disso porque já estamos um semestre atrasado”, desabafa.
Para ela e outros colegas, a falta dos docentes também implica na redução da qualidade do curso. Virgínia lembra que o conceito de Enfermagem da Uece caiu de 5 para 4 no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), comparando os anos de 2019 e 2023.
“Se os alunos não tem estágio, como vão sair profissionais trabalhando de forma realmente qualificada para a sociedade?”, provoca. “Sem falar que a falta de professores afeta o número de bolsas ofertadas, para manter ou criar novos projetos. Algumas são essenciais para os estudantes se sustentarem”.
As constatações são semelhantes para Anderson Neri, discente do 5º semestre e presidente do Centro Acadêmico de Ciências Contábeis. Segundo ele, alguns professores precisaram ser remanejados para outros cursos, deixando pelo menos sete cadeiras sem oferta (sinalizadas na grade do curso, obtida pela reportagem).
“Podemos ficar com mais carência ainda no próximo ano, porque teremos substitutos encerrando o contrato. Isso atrapalha muito porque muita gente entra no curso já procurando trabalho, mas quando tem que prorrogar, acaba atrasando essa efetivação”, ressalta.
Anderson pondera que alterações na oferta devem gerar conflitos na programação dos próximos semestres, o que pode implicar inclusive na permanência dos estudantes na Universidade. “A gente tem bastante aluno no começo do semestre, mas alguns acabam desistindo”, nota.

Sobrecarga para os professores
O professor Pedro Júnior, presidente do Sinduece, afirma que o problema tem se tornado “crônico”. “Ainda há muitas demandas reprimidas. Tem cursos que até hoje não compuseram totalmente seu quadro efetivo e dependem da contratação de professores temporários”, destaca.
Para o representante, falta celeridade do Governo do Estado em realizar concursos e completar as vagas ociosas, deixando as coordenações de curso “de mãos atadas” para resolver os problemas de disciplinas sem oferta.
Segundo ele, muitos professores trabalham além das 40 horas semanais porque precisam dar conta de muitas disciplinas, além de projetos de monitoria, pesquisa e extensão.
“Tem professores de determinado setor de estudo tendo que dar aula em outro que não é o dele, visto que algumas turmas precisam de determinada disciplina para concluir e fazer colação de grau. Isso é danoso porque não é o docente com a formação adequada para aquela disciplina. Diante da necessidade, acaba sendo uma solução improvisada”, entende.
Você tem que responder à demanda dos estudantes, que já estão com atraso na sua formação e precisam garantir que determinadas disciplinas sejam ofertadas para que eles avancem.
Pedro reforça que, desde o ano passado, já foram enviadas as demandas de professores temporários, mas, até o momento, não foi publicado nenhum edital de seleção. “Ocorre, de forma muito frequente, professores que só chegam no fim do semestre e precisam dar conta da disciplina inteira em algumas semanas. É uma coisa bem complexa”, lamenta.
O que diz a Uece?
Na nota enviada ao Diário do Nordeste, a Uece informou que possui, atualmente, 1.054 docentes em atividade, dos quais 898 são efetivos e 156 são substitutos/temporários. Como as aposentadorias ocorrem regularmente todo ano, mais 10 docentes devem deixar os quadros até o fim deste ano
Sobre o concurso de 2022, a instituição declara que incorporou mais de 290 professores efetivos, “e estamos concluindo, em 2025, a convocação dos demais”. “Está em tramitação a convocação de 20 professores do último concurso público, e serão convocados 35 docentes aprovados fora do número de vagas do último concurso de 2022”, explica.
Em paralelo, a Universidade está com outro concurso público em andamento com 53 vagas, para diversos cursos da instituição. Segundo a entidade, o não preenchimento dessas vagas ocorreu porque não houve aprovados ou porque os candidatos aprovados não tinham o perfil exigido no edital.
Ainda neste primeiro semestre, adianta, devem ser lançados novos editais para seleção de professores temporários e substitutos, “na perspectiva de atender a demanda de professores para o ano de 2025”.
Veja a lista de cursos com falta de professores segundo o Censo 2023/2024:
Campi de Fortaleza
- Medicina – 46
- Enfermagem – 24
- Educação Física – 22
- Letras – 21
- Matemática – 18
- Pedagogia – 17
- Nutrição – 15
- Medicina Veterinária – 14
- Serviço Social – 14
- Filosofia – 14
- Psicologia – 13
- Química – 12
- Geografia – 10
- Ciências Biológicas – 10
- Administração – 10
- Ciências Contábeis – 9
- Ciências Sociais – 9
- Terapia Ocupacional – 8
- Ciência da Computação – 7
- Música – 6
- Biologia – 5
- História – 3
- Física – 2
Fafidam/Limoeiro do Norte
- Pedagogia – 7
- Letras – 6
- Biologia – 5
- História – 4
- Geografia – 4
- Matemática – 4
- Química – 4
- Física – 2
Faec/Crateús
- Biologia – 10
- História – 8
- Pedagogia – 6
- Química – 4
Facedi/Itapipoca
- Pedagogia – 10
- Biologia – 5
- Química – 7
- Ciências Sociais – 6
Feclesc/Quixadá
- História – 10
- Pedagogia – 8
- Letras – 6
- Matemática – 6
- Física – 4
- Química – 2
- Biologia – 1
Cecitec/Tauá
- Pedagogia – 6
- Biologia – 5
Fecli/Iguatu
- Biologia – 10
- Pedagogia – 9
- Matemática – 7
- Física – 5
- Letras – 3
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