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O peso da desigualdade: a realidade de quem sofre à espera de uma cirurgia de hérnia

Uma espera que parece infinita. Quem aguarda por uma cirurgia de hérnia abdominal no Sistema Único de Saúde (SUS) sente o peso da demora, são dias que parecem anos, e anos que parecem uma sentença de morte. Para muitos, diante da fila cruel, resta buscar alternativas para realizar o procedimento o quanto antes, afinal, a dor não dá uma pausa. A dor não cessa, só aumenta. 

Além da espera, há Estados brasileiros em que o índice de cirurgias minimamente invasiva é zero. O maior índice é em Santa Catarina, com apenas 2%.

Teresa Goulart fez uma vaquinha para arrecadar o valor para uma cirurgia de hérnia abdominal.  | ReproduçãoTeresa Goulart fez uma vaquinha para arrecadar o valor para uma cirurgia de hérnia abdominal. | Foto: Reprodução

Uma espera que parece infinita. Quem aguarda por uma cirurgia de hérnia abdominal no Sistema Único de Saúde (SUS) sente o peso da demora, são dias que parecem anos, e anos que parecem uma sentença de morte. Para muitos, diante da fila cruel, resta buscar alternativas para realizar o procedimento o quanto antes, afinal, a dor não dá uma pausa. A dor não cessa, só aumenta.

 

Moradora do município de Capivari Baixo, no interior de Santa Catarina, Teresa Goulart, de 55 anos, sente na pele o quão torturante é a espera por uma cirurgia de hérnia da parede abdominal. Afastada do trabalho, ela vivencia uma batalha diária diante das complicações após duas cirurgias – ambas realizadas em 2024 (a última em outubro).

Diante da espera de oito meses, a paciente abriu uma vaquinha em maio visando arrecadar fundos para realizar o procedimento em uma clínica particular, de família humilde, ela vive com apenas R$ 1,5 mil por mês – do auxílio de incapacidade temporária – valor insuficiente até mesmo para as despesas básicas.

Em recente consulta médica, verificou-se que a hérnia já ultrapassou 10 centímetros de tamanho, sendo considerada gigante. Com isso, a nova cirurgia de reparação precisa ser realizada em um hospital de Alta Complexidade, conforme atestado por médico. Procedi com o pedido da referida cirurgia junto a Secretaria da Saúde de meu município, qual seja, Capivari de Baixo/SC, porém, não há previsão de realização de nenhum procedimento, mesmo se tratando de urgência.

A catarinense precisa arrecadar entre R$ 75 mil e R$ 100 mil para o procedimento de alta complexidade, porém, até o momento conseguiu apenas R$ 270.  A vaquinha para ajudá-la está disponível aqui“Com o valor arrecadado, pretendo realizar todos os exames necessários, contratar médico especialista na minha enfermidade, pagar as despesas hospitalares, e as demais que surgirão durante o período de recuperação”, explica.

Suzana vê na cirurgia a esperança de que dias melhores virão e de que poderá voltar à sua rotina normal, ao seu trabalho, às suas atividades de casa. Ações básicas se convertem em sonhos para quem convive com a hérnia da parede abdominal.

Sinto fortes diariamente, preciso fazer uso contínuo de uma cinta abdominal para pressionar a hérnia e impedir que ela cresça, estou com meu psicológico completamente abalado por conta da situação, e não vejo outra alternativa, senão recorrer à vaquinha e conseguir alcançar a verba necessária.

GARGALOS E DESIGUALDADE REGIONAL

Apesar de reconhecer avanços na assistência, o presidente da Sociedade Brasileira de Hérnia e Parede Abdominal, o médico cirurgião Gustavo Soares, explicita ao MeioNews que há desigualdades regionais no acesso aos procedimentos. Ele defende que a cirurgia de hérnias abdominais seja colocada no patamar de prioridade que merece no Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente por ser um problema que atinge até 25% da população adulta brasileira.

O tratamento da hérnia, por ser um procedimento de média complexidade em 85% dos casos — 15% são de alta complexidade —, sofre como todo o acesso à saúde pública no Brasil. A atenção básica avançou muito e é de dar inveja. O Brasil tem um atendimento básico invejável. Isso é um exemplo para o mundo, sem dúvida. Na alta complexidade, nos últimos dez anos, houve bastante evolução. Houve democratização do acesso. Mas na média complexidade, o acesso ainda é muito pequeno. Temos filas grandes até para o tratamento das hérnias mais simples e falta de insumos no sistema público.

 

<img class="i-amphtml-intrinsic-sizer" style="margin: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline; border: 0px; max-width: 100%; display: block !important;" role="presentation" src="data:;base64,” alt=”” aria-hidden=”true” />Gustavo Soares é o presidente da Sociedade Brasileira de Hérnia e Parede Abdominal (Foto: Divulgação)

Gustavo Soares é o presidente da Sociedade Brasileira de Hérnia e Parede Abdominal (Foto: Divulgação) 

O especialista acredita que a solução virá por meio do reposicionamento da cirurgia de hérnia no mercado. Para ele, é preciso entender o impacto real do não tratamento adequado das hérnias na saúde pública.

A saída não é fácil. Passa por uma melhoria global do SUS. O problema do SUS não é só financiamento. É também entendimento e gestão de toda essa entrada do paciente no sistema. Vejo isso como um grande desafio. Democratizar a assistência à saúde pública para o tratamento das hérnias não é tarefa simples e não vejo uma solução rápida.

“NAS CAPITAIS, A SITUAÇÃO É MELHOR DO QUE NO INTERIOR”

Na liderança da SBH, Gustavo Soares luta pela democratização no acesso à cirurgia de hérnia da parede abdominal, o cirurgião constata que a desigualdade acompanha toda a restrição regional que acontece no sistema público de saúde. Nesse sentido, ‘na região Sul do país, o sistema tem uma organização maior do que no Norte e ‘nas capitais, a situação é melhor do que no interior’.

“Realmente existe desigualdade, mas não é um problema específico da cirurgia de hérnia, e sim do sistema como um todo. Essa desigualdade é real e precisa ser solucionada”clama.

A DESIGUALDADE É LATENTE ATÉ MESMO NO TIPO DE CIRURGIA

clamor do presidente da SBH fica ainda mais claro quando se analisa os dados das cirurgias realizadas no último biênio.

Com base nas informações catalogadas pela Sociedade Brasileira de Hérnia e Parede Abdominal junto ao Ministério da Saúde, o MeioNews fez um cruzamento das tabelas e conclui que Estados do Sul e Sudeste possuem um índice bem superior na realização de cirurgias minimamente invasivas do que os entes do Norte e Nordeste.

Estado Cirurgias 2023 Cirurgias 2024 Total 23+24 Hérnias Inguinais Videolaparoscópicas Urgência Eletivas % Videolaparoscópicas
Acre 1.981 1.651 3.632 1.640 0 445 3.187 0,0%
Alagoas 4.596 5.022 9.618 4.215 43 1.114 8.504 0,9%
Amapá 777 1.096 1.873 971 29 587 1.286 1,5%
Amazonas 4.939 5.309 10.248 5.533 139 1.621 8.627 1,3%
Bahia 34.997 32.153 67.150 31.560 254 9.180 57.970 0,3%
Ceará 12.495 13.323 25.818 12.549 82 3.465 22.352 0,3%
Distrito Federal 2.136 1.557 3.693 1.359 49 1.048 2.645 1,3%
Espírito Santo 7.593 7.909 15.502 7.130 54 2.286 13.215 0,7%
Goiás 12.060 10.292 22.352 11.149 128 3.535 18.817 0,5%
Maranhão 12.296 12.583 24.879 11.152 198 7.805 17.074 0,7%
Mato Grosso 6.712 5.621 12.333 5.989 61 2.955 9.378 0,4%
Mato Grosso do Sul 5.230 5.007 10.237 4.919 203 1.370 8.867 1,9%
Minas Gerais 37.608 37.119 74.727 35.584 349 5.870 68.857 0,4%
Pará 13.260 14.249 27.509 13.293 60 5.520 21.989 0,2%
Paraíba 7.452 8.392 15.844 6.902 35 897 14.947 0,2%
Paraná 19.667 22.343 42.010 20.535 323 4.155 37.854 0,7%
Pernambuco 14.508 17.306 31.814 13.130 0 (não informado)
Piauí 5.331 6.647 11.978 4.888 33 1.841 10.137 0,3%
Rio de Janeiro 14.925 16.716 31.641 13.733 273 5.211 26.430 0,9%
Rio Grande do Norte 5.970 5.758 11.728 5.332 31 1.126 10.602 0,3%
Rio Grande do Sul 18.370 20.695 39.065 17.488 571 4.216 34.849 1,5%
Rondônia 3.775 3.153 6.928 3.416 21 1.802 5.126 0,3%
Roraima 1.348 1.319 2.667 1.325 0 838 1.829 0,0%
Santa Catarina 11.960 11.580 23.540 11.121 472 2.014 21.526 2,0%
São Paulo 49.847 53.858 103.705 47.711 2.009 14.050 89.655 1,9%
Sergipe 4.426 4.282 8.708 4.107 21 634 8.074 0,2%
Tocantins 3.978 4.235 8.213 3.852 8 1.262 6.951 0,1%

 

 

Os números correspondem ao biênio 2023-2024, abrangendo os 26 Estados e o Distrito Federal. Assim, com base na tabela verifica-se que Santa Catarina foi o Estado que proporcionalmente mais realizou cirurgias minimamente invasivas – 2% do total. O ente é seguido por São Paulo e Mato Grosso do Sul, ambos com 1,9%. O Rio Grande do Sul aparece com 1,5%.

 

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Santa Catarina possui o maior índice de cirurgias minimamente invasivas (Foto:  Jonatã Rocha / SECOM) 

Por sua vez, Pará, Paraíba, Tocantins, Roraima e Acre foram os entes que menos realizaram procedimentos minimamente invasivos. Nos dois últimos, ambos do Norte do Brasil não foi realizada uma videolaparoscopia sequer em dois anos, o que escancara o abismo regional.

 

 

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Acre não realizou uma cirurgia minimamente invasiva sequer no último biênio (Foto: Marcos Vicentti/Secom) 

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Carlos Alberto

Oi, eu sou o Carlos Alberto, radialista de Campos Sales-CE e apaixonado por futebol. Tenho qualidades, tenho defeitos (como todo mundo), mas no fim das contas, só quero viver, trabalhar, amar e o resto a gente inventa!

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