Tecnologia da UFC é uma das alternativas que favorece a transição energética do setor

Cientistas da Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolveram uma tecnologia que transforma o líquido da castanha do caju (LCC) em combustível para indústrias siderúrgicas. A tecnologia pode ser uma solução para a transição energética do setor, substituindo derivados do petróleo e diminuindo o uso de combustíveis auxiliares.
Patenteada no fim de abril deste ano, a inovação já está em negociação para fins de licenciamento e comercialização. E, se for utilizado, traz uma série de vantagens para o meio ambiente, como a redução das emissões de carbono e outros gases do efeito estufa.
“O processo siderúrgico precisa de carbono para o ferro virar aço. Para isso, eles usam o carvão mineral. Agora, o LCC entra como um grande colaborador desse processo”, detalha o professor do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da UFC, Diego Lomonaco, em entrevista ao Diário do Nordeste.
A tecnologia foi desenvolvida durante o doutorado de Leandro Miranda Nascimento, sob orientação do professor Lomonaco. A pesquisadora Selma Elaine Mazzetto também é listada como inventora na carta patente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Veja também
EXTRAÇÃO DO LÍQUIDO
Hoje, o Ceará mantém a liderança na fabricação de castanha de caju, com 71,2% da produção total do Brasil (141 mil toneladas), conforme dados do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA).
Nessas fábricas, são realizados processos para extrair a amêndoa da castanha-de-caju. Essa é a parte comestível do fruto, rica em nutrientes e gorduras monoinsaturadas, conhecidas como ‘gorduras boas’.
A extração das amêndoas no Brasil ocorre por meio do cozimento, enquanto no resto do mundo a extração se dá pela quebra das cascas. O líquido da castanha do caju (LCC) é um óleo escuro e viscoso, que corresponde a 25% do peso da casca da castanha, e é gerado por meio desse cozimento.
Essa substância é difícil de ser descartada no ambiente devido à lenta biodegradabilidade e ao excesso produzido. Assim, o LCC gerado nas empresas produtoras de castanha são armazenados em tanques e vendido como combustível em cadeiras, já que possui um elevado poder calorífico.
Dentre os vários focos de atuação da siderurgia, uma delas é a aglomeração de finos de minérios. Esse processo transforma as pequenas partículas de minérios em corpos de maior dimensão para ser usados, por exemplo, para formar o aço.
Hoje, esses finos de minérios são ‘colados’ em processos sob altas temperaturas, que utilizam a reação de combustão do carvão mineral como fonte térmica, emitindo grande quantidade de carbono (CO₂).
Com a inovação patenteada, o LCC vai atuar como componente-chave em uma nova geração de aglomerantes, via briquetagem, desenvolvidos para a siderurgia. A formulação exclusiva vai se infiltrar entre as partículas de minério, criando ligações de alta coesão e estabilidade térmica, sem usar combustíveis auxiliares e aditivos convencionais.
Veja também
Para a pesquisa, o LCC utilizado foi cedido por uma empresa exportadora de castanha de caju localizada no bairro Antônio Bezerra, próximo ao Campus do Pici da UFC.
Lomonaco afirma que a siderurgia, uma das indústrias mais poluentes do mundo, pode utilizar a inovação para revolucionar o setor. “O uso do LCC dentro da indústria siderúrgica não tem nada de negativo para o meio ambiente. Na verdade, está trocando o carbono fóssil por um carbono neutro, sustentável”, diz.
O gás carbônico gerado pela queima do LCC é considerado neutro do ponto de vista ambiental, já que esse CO₂ composto no óleo foi previamente capturado da atmosfera pela própria planta de caju durante seu crescimento.
Assim, a técnica troca a liberação de CO₂ fóssil (aprisionado no subsolo por eras) por um que já estava na atmosfera, criando uma “equação neutra” de carbono.
IMPACTOS ECONÔMICOS

O uso do LCC garante uma série de vantagens econômicas e operacionais para a indústria. Como o líquido não gera cinzas, o pós-processamento é simplificado. Ou seja, há menos escória a tratar, menos resíduos a descartar e maior eficiência na recuperação metálica.
Além disso, a mistura com o óleo é compatível com os processos industriais existentes, sendo passível de ser adotada sem alterações nas plantas industriais. Essa característica da tecnologia é chamada de “plug and play”.
Outra questão financeira é o baixo custo do LCC diante dos aglomerantes atualmente utilizados pela indústria siderúrgica. Com isso, existem ainda outros benefícios econômicos indiretos como a redução de despesas com tratamento de resíduos e gases tóxicos e potencial geração de créditos de carbono.
COMERCIALIZAÇÃO
O caminho para a expedição da carta patente foi marcado por longos anos de pesquisa, diversos ensaios e ajustes até chegar na formulação atual. O produto também foi validado com parceiros industriais.
“As nossas pesquisas, cada vez mais, indicam que o LCC tem um potencial tecnológico muito grande e essa não foi diferente. Ela mostrou uma perspectiva inédita, nunca ninguém tinha trabalhado com LCC na área de siderurgia”, diz o professor Diego Lomonaco.
A titularidade da patente é dividida entre a Universidade Federal do Ceará (UFC), que encabeçou o desenvolvimento científico e os testes laboratoriais, e as empresas Regenera Bioenergia Indústria e Comércio Ltda. e Prorad Projetos de Engenharias, Análises Mercadológicas e Internacionais Ltda.
A parceria com as empresas foi fundamental para a etapa de desenvolvimento tecnológico, escalonamento e estratégias de aplicação prática. A UFC terá direito à participação nos lucros provenientes do licenciamento e comercialização da tecnologia.
Adcionar comentário