No dia 15 de janeiro de 2015, logo nas primeiras horas do dia, a movimentação de policiais federais no prédio do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) mudava a rotina de quem trabalhava no local e atraía as atenções da imprensa e da sociedade cearense para a Operação Expresso 150. Dez anos depois, desembargadores e advogados seguem respondendo a processos relacionados àquela busca policial. Neste período, dez investigados foram condenados à prisão e outros oito, absolvidos. Um desembargador e o filho, advogado, estão presos.
O Diário do Nordeste publica uma série de reportagens, entre sábado (14) e segunda-feira (16), para relembrar a Operação Expresso 150 – que desarticulou um esquema criminoso de venda de liminares nos plantões do TJCE – e atualizar a situação dos investigados.
Principal alvo da ofensiva policial, o desembargador Carlos Rodrigues Feitosa perdeu o cargo público e foi preso, já neste ano de 2025, após uma sentença transitar em julgado. O ex-magistrado foi condenado em dois processos criminais, pela própria venda de decisões e por um esquema de “rachadinha” (divisão de salários) no seu gabinete, no TJCE. As penas somam 17 anos de prisão. O filho de Feitosa, o advogado Fernando Carlos Oliveira Feitosa, também foi condenado pela Justiça e está preso, desde novembro do ano passado.
R$ 150 mil
era o valor médio cobrado pelos desembargadores para concederem uma liminar nos plantões do TJCE, segundo a investigação da Polícia Federal, o que inspirou o nome ‘Operação Expresso 150’. O esquema criminoso favoreceu traficantes e chefes de facções criminosas.
Carlos Feitosa foi afastado da função, no dia da deflagração da Operação. A Polícia Federal (PF) ainda cumpriu 22 mandados de busca e apreensão e condução coercitiva contra desembargadores, juízes, servidores do TJCE e advogados, suspeitos de participarem do esquema criminoso.
A investigação resultou na condenação de Carlos Feitosa, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a 13 anos e 5 meses de prisão, por cinco crimes de corrupção passiva. Conforme a decisão, de abril de 2019, o desembargador negociou liminares em cinco processos judiciais, nos plantões dos dias 25 de dezembro de 2012 e 7 de julho de 2013.
Plantões anunciados nas redes sociais
Sete advogados também foram condenados no processo. Fernando Feitosa, filho de Carlos Feitosa, recebeu a maior pena da sentença: 19 anos e 4 meses de prisão, por corrupção passiva – em razão de intermediar as negociações entre o pai e outros advogados. O advogado chegava a anunciar, nas redes sociais, que o magistrado estava de plantão e que outros advogados poderiam procurá-lo.
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O advogado Michel Sampaio Coutinho foi condenado a 6 anos e 2 meses de prisão, enquanto os advogados Fábio Rodrigues Coutinho, Everton de Oliveira Barbosa, Sérgio Aragão Quixadá Felício, João Paulo Bezerra Albuquerque e Marcos Paulo de Oliveira Sá foram sentenciados a 5 anos e 5 meses de reclusão, por corrupção ativa (ou seja, por comprar as decisões judiciais).
Paulo Diego da Silva Araújo, conhecido como ‘Dino’ e apontado como um líder da facção criminosa paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) no Ceará, foi condenado a 4 anos de prisão, por corrupção ativa. Ele foi um dos presos soltos em plantão do TJCE, por decisão do desembargador Carlos Rodrigues Feitosa, conforme o STJ.
A defesa do advogado sempre sustentou sua inocência, ressaltando sua conduta ética e transparente ao longo de toda a carreira. Durante o processo, Mauro Rios colaborou com as autoridades e reafirmou seu compromisso com a legalidade. A decisão repara uma injustiça e reafirma a importância do devido processo legal e da presunção de inocência.”João Marcelo Pedrosa
Advogado de defesa de Mauro Júnior Rios
Já o advogado Mauro Júnior Rios foi absolvido pelo Superior Tribunal de Justiça, por falta de provas. “A decisão de absolvição do advogado Mauro Rios foi proferida pelo Judiciário após a análise detalhada das provas reunidas no processo, concluindo que não houve qualquer prática ilícita por parte do profissional”, destacou o advogado João Marcelo Pedrosa, que realiza a defesa do investigado.
A defesa de Carlos Rodrigues Feitosa não respondeu às mensagens enviadas pela reportagem. A defesa de Fernando Carlos Oliveira Feitosa não foi localizada. Já os advogados Michel Sampaio Coutinho, Fábio Rodrigues Coutinho, Everton de Oliveira Barbosa, Sérgio Aragão Quixadá Felício, João Paulo Bezerra Albuquerque e Marcos Paulo de Oliveira Sá não foram localizados ou não tiveram a defesa localizada. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
Condenação por ‘rachadinha’ em gabinete
Carlos Rodrigues Feitosa também foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça pelo crime de concussão (que significa “exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”, segundo o Código Penal Brasileiro). A pena aplicada foi de 3 anos e 10 meses de prisão, em abril de 2019.
O STJ entendeu que o desembargador exigiu parte do salário de duas funcionárias do seu gabinete, no Tribunal de Justiça do Ceará, por 47 e 49 meses. Os dois casos, conhecidos como a prática da “rachadinha”, teriam se iniciado em maio e julho de 2011.
Apesar dos crimes de concussão cometidos em gabinete do TJCE não serem os alvos iniciais da Polícia Federal, o esquema criminoso foi descoberto a partir da busca e apreensão realizada na ‘Expresso 150’, o que motivou a abertura de um novo processo criminal.
Prestação de serviços à comunidade
O desembargador aposentado Váldsen da Silva Alves Pereira e o advogado José Joaquim Mateus Pereira foram condenados pela Justiça do Ceará, em 2024, por participarem do esquema criminoso de venda de liminares nos plantões do Tribunal de Justiça do Ceará.
Váldsen Pereira recebeu uma pena de 2 anos e 4 meses de reclusão, enquanto José Joaquim foi sentenciado a 2 anos de reclusão. Entretanto, a 15ª Vara Criminal de Fortaleza substituiu as penas privativas de liberdade por prestação pecuniária (pagamento de salários mínimos) e prestação de serviços à comunidade.
100
salários mínimos deviam ser pagos pelo desembargador aposentado Váldsen da Silva Alves Pereira, além de prestação de serviços à comunidade, conforme a decisão condenatória da Justiça Estadual. Se considerado que, em 2013 – data da maior parte dos crimes -, o salário-mínimo era de R$ 678, o magistrado devia pagar aproximadamente R$ 82 mil.
Na mesma sentença, foram absolvidos o desembargador aposentado Francisco Pedrosa Teixeira, a esposa dele, Emília Maria Castelo, e o advogado Adailton Freire Campelo. O juiz declarou incompetência para julgar os advogados Jéssica Simão Albuquerque de Melo e Michel Sampaio Coutinho. O processo foi transferido do STJ para a Justiça cearense em razão da aposentadoria dos magistrados investigados e, consequentemente, da perda de foro privilegiado.
A defesa do desembargador Francisco Pedrosa e da esposa Emília Maria, representada pelo advogado Paulo Pimentel, enfatizou que “o desembargador Francisco Pedrosa e sua esposa foram absolvidos das acusações. A Justiça entendeu que o casal é inocente. A defesa sempre confiou na inocência de seus constituintes. Após transcorrer de todo o processo penal, a justiça chegou a um veredito. Inocente. Estamos sempre confiantes na Justiça”.
Já a defesa do desembargador Váldsen Pereira foi procurada, mas não se manifestou, até a publicação desta matéria. Os advogados José Joaquim Pereira, Adailton Freire Campelo, Jéssica Simão Albuquerque de Melo e Michel Sampaio Coutinho e as defesas dos mesmos não foram localizadas. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
Acusação ‘leviana’, conclui juiz
Também em 2024, a desembargadora aposentada do TJCE Sérgia Maria Mendonça Miranda foi absolvida da acusação de corrupção passiva, por decisão da 5ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza. O juiz entendeu que não existiam provas para a condenação.
No mesmo processo, foram absolvidos os advogados Carlos Eduardo Miranda de Melo e Mauro Júnior Rios e os empresários Frankraley Oliveira Gomes (então namorado de Sérgia Miranda) e Paulo Fernando Mendonça. Já os advogados Michel Sampaio Coutinho, Jéssica Simão Albuquerque Melo Coutinho e Cláudia Adrienne de Oliveira tiveram o processo desmembrado e ainda não foram julgados.
Debrucei-me sobre suas quase 30.000 (trinta mil) páginas e analisei, com a maior circunspecção e isenção possíveis, termos de acusação, provas e teses de defesa. Ofereço aqui minha particular compreensão dos fatos, obtida a duras penas após abstrair informações publicamente veiculadas, comentários nos corredores do Fórum e até diálogos corriqueiros com quem ouviu falar dos fatos, quase todos com seus próprios juízos e avaliações pré-concebidos e bem distantes dos elementos que efetivamente se avolumam dentro desses autos.”Eduardo de Castro Neto
Juiz, em sentença
O magistrado concluiu que a acusação contra os investigados foi “leviana”. “As investigações da Operação 150 cometeram absurdos contra as garantias individuais, teceram ilações além do limite da razoabilidade, tipificaram como ilícitas condutas comezinhas da vida de casais, empresas e funcionários, questionaram fora das vias legais o livre convencimento motivado de Magistrados em suas decisões e… criminalizaram até a atividade da advocacia!”, afirmou.
A defesa da desembargadora Sérgia Miranda emitiu nota em que afirmar que é “um alívio ser absolvida. Prova de que os fatos não eram verdadeiros, como sempre dissemos. É inocente”.
Já as defesas de Carlos Eduardo de Melo, Frankraley Gomes, Michel Coutinho, Jéssica Coutinho e Cláudia de Oliveira não foram localizadas para comentas as investigações. E a defesa de Paulo Mendonça afirmou que não pode se manifestar sobre o processo, devido ao sigilo de justiça. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
O desembargador Paulo Camelo Timbó e os juízes José Edmilson de Oliveira e Onildo Antônio Pereira da Silva também foram investigados na Operação Expresso 150, mas as apurações não evoluíram para denúncias do Ministério Público. Os juízes chegaram a ser afastados das funções, em 2017.
“Mesmo plenamente confiante na absoluta inocência do desembargador Paulo Timbó, tanto que o mesmo jamais sequer foi denunciado por qualquer delito pelo Ministério Público, pela elasticidade temporal, postulamos a extinção da punibilidade pela prescrição no que foi prontamente acolhido pelo Ministério Público e igualmente deferido pelo juízo reitor do processo”, afirmou o advogado Leandro Vasques, que representa a defesa de Paulo Timbó.
As defesas dos juízes José Edmilson de Oliveira e Onildo Antônio da Silva não foram localizadas para comentar as investigações contra os magistrados. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
Legenda: Polícia Federal deflagrou a Operação Expresso 150 no dia 15 de junho de 2015
Foto: Natinho Rodrigues/ Unidade de Arte do Diário do Nordeste
Familiares acusados de lavagem de dinheiro
Condenados e presos por participação na venda de liminares dos plantões do TJCE, o desembargador Carlos Rodrigues Feitosa e o filho, o advogado Fernando Carlos Oliveira Feitosa, ainda são réus em um processo criminal por lavagem de dinheiro, junto do outro filho do magistrado, o advogado Ubaldo Machado Feitosa, e a nora, Juliana Paula Abreu Lima Feitosa.
O Tribunal de Justiça do Ceará respondeu que, “em 28 de abril deste ano, o Juízo da 6ª Vara Criminal encaminhou os autos ao Superior Tribunal de Justiça para apreciação e julgamento do processo”.
As investigações da Polícia Federal sobre o material apreendido na Operação Expresso 150 levaram à abertura do processo contra a família Feitosa por lavagem de dinheiro. Segundo a PF, o desembargador Carlos Feitosa, os filhos Fernando e Ubaldo Feitosa e a nora Juliana Paula Feitosa teriam cometido crimes seguidos de lavagem de dinheiro, supostamente para acobertar os recursos oriundos de negociações criminosas ocorridas dentro do Poder Judiciário.
A lavagem dinheiro teria se dado na compra de ao menos três bens luxuosos: um apartamento no nome de Ubaldo Machado Feitosa, mas que seria do seu pai; um automóvel comprado por Carlos Feitosa por R$ 132,6 mil em espécie; e ainda um apartamento de alto valor no qual Fernando Feitosa e a esposa Juliana Paula deram um sinal de R$ 140 mil em espécie como garantia da compra – poucos dias após um plantão judiciário em que o pai dele tomou decisões suspeitas – e depois desistiram da compra do imóvel.
Ações de improbidade administrativa
Ao total, 10 réus foram condenados criminalmente por ligação com o esquema de negociações de liminares dos plantões do Tribunal de Justiça do Ceará e outros 8 réus foram absolvidos, nas decisões do Superior Tribunal de Justiça e da Justiça Estadual. Porém, 11 investigados continuam a responder ações cíveis por improbidade administrativa, confirmou o TJCE.
A improbidade administrativa é todo ato realizado por agente público que fira os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência na Administração Pública, previstos na Constituição Federal.”Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
Em publicação
A desembargadora Sérgia Maria Mendonça Miranda, o empresário Frankraley Oliveira Gomes e os advogados Fernando Carlos Oliveira Feitosa, Michel Sampaio Coutinho, Carlos Eduardo Miranda de Melo, Jéssica Simão Albuquerque Melo e Mauro Júnior Rios respondem a uma Ação Cível de Improbidade Administrativa, que está em tramitação na 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza.
Segundo o TJCE, o processo está em fase de instrução (etapa em que são produzidas e analisadas as provas de acusação e de defesa). A reportagem apurou que o Ministério Público propôs um Acordo de Não Persecução Cível e que Sérgia Miranda, Carlos de Melo e Fernando Feitosa demonstraram interesse em conhecer a proposta, no ano passado.
O desembargador Francisco Pedrosa Teixeira e a esposa dele, Emília Maria Castelo Lira, além dos advogados Michel Sampaio Coutinho, Jéssica Simão Albuquerque Melo e Adailton Freire, também respondem a uma Ação Cível de Improbidade Administrativa, que tramita na 14ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, na fase de instrução processual. O processo não tem andamento desde o dia 1º de outubro de 2024.
A terceira Ação Cível de Improbidade Administrativa é contra o desembargador Valdsen da Silva Alves Pereira, que está na fase de instrução, na 10ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza. O Ministério Público do Ceará pediu pela indisponibilidade dos bens do magistrado, mas a Justiça rejeitou o pedido, em 19 de junho de 2023.
Conforme a decisão judicial, “o Ministério Público trouxe que o réu teria praticado atos de improbidade, à época desembargador do TJCE, onde por meio de investigações realizadas pela polícia federal, em julho de 2013, no combate ao tráfico de drogas, teria sido descoberto suposto esquema de venda judiciais de liminares em plantões judiciários. A suposta comercialização de decisões proferidas em processos envolviam o concurso da Polícia Militar do Ceará, entre 2011 e 2012”.
Créditos
Emanoela Campelo de MeloRepórter
Messias BorgesRepórter
Louise Anne DutraCriação/ Arte
Emerson RodriguesSupervisor de Segurança
Karine ZaranzaCoordenadora de Jornalismo
Ívila BessaGerente de Jornalismo
André MeloGerente Audiovisual
Gustavo BortoliDiretor de Jornalismo
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