
Crato, Fortaleza, Maranguape, Sobral e Itapipoca já deram o pontapé para enfrentar os impactos da crise climática no Ceará. Entre as políticas públicas específicas, estão legislações ambientais para proteger a biodiversidade, programas de arborização urbana, o fechamento de lixões e a limpeza de rios e mares.
Essas ações contribuem para reduzir as emissões de poluentes, mitigar o efeito das ilhas de calor e preservar ambientes naturais que atuam como sumidouros de carbono (CO₂). Algumas já estão em andamento, enquanto outras fazem parte de projetos de longo prazo.
Entretanto, gestores apontam que a especulação imobiliária e a atuação do agronegócio representam obstáculos à implementação das medidas.
Para superar esses desafios, foram estabelecidas normas específicas e promovido o diálogo com a comunidade sobre a importância dessas práticas para o desenvolvimento social e ambiental.
Por que essas cinco cidades cearenses?
Os cinco municípios cearenses integram o Programa Federal Cidades Verdes Resilientes, que reúne 50 cidades brasileiras para aprimorar a qualidade ambiental e fortalecer a resiliência urbana frente às mudanças climáticas.
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A seguir, veja as iniciativas de cada município, em ordem alfabética. Depois, confira a análise de especialista sobre a eficácia das medidas adotadas e os aspectos que ainda precisam ser aprimorados.
Crato

Crato é uma cidade rica em patrimônio natural, abrigando uma Floresta Nacional, duas unidades estaduais de conservação (Fundão e Caldéron) e a unidade municipal Soldadinho-do-Araripe, fundamentais para proteger a biodiversidade e o equilíbrio climático local.
- O Plano Municipal de Arborização, em estágio avançado, prevê o replantio em áreas degradadas, com levantamento realizado em parceria com universidades da região do Cariri, e apresentação final prevista para este ano;
- Desde agosto do ano passado, o lixão foi fechado e substituído por um aterro sanitário licenciado, além da reestruturação do sistema de coleta seletiva, incluindo reassentamento e auxílio financeiro aos catadores, conforme legislação municipal;
- Na área de educação ambiental, o Núcleo de Educação Ambiental foi reativado há dois anos, promovendo ações de sensibilização e apoio recente às cooperativas de reciclagem;
- O viveiro municipal, referência regional, cultiva mais de 30 mil mudas, tendo distribuído mais de 100 mil gratuitamente aos cidadãos, além de fornecer mudas para outros órgãos e projetos como o Cinturão das Águas;
- O município também desenvolve o projeto de revitalização dos rios Batateiras e Granjeiro, que contempla toda a extensão desses cursos d’água e está em fase de elaboração técnica para recuperação da qualidade hídrica;
- Recentemente, Crato recebeu do Ministério do Meio Ambiente um laudo técnico com o inventário das emissões de carbono no município. A partir desse diagnóstico, o município está realizando o levantamento das áreas verdes e planejando ações para reduzir essas emissões, com a meta de diminuir o índice em até um ano.
Quanto ao crescimento urbano, o principal desafio é conter a especulação imobiliária. Para isso, segundo o secretário do Meio Ambiente, George Borges, foi elaborado um novo Plano Diretor Municipal que institui um cinturão verde protetor, com controle rigoroso sobre loteamentos e empreendimentos, garantindo o desenvolvimento sustentável sem comprometer áreas de preservação.
Fortaleza
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A capital cearense tem implementado diversas iniciativas para aumentar a resiliência da cidade frente às mudanças climáticas. Com um total de 25 parques urbanos, incluindo o Parque Rachel de Queiroz e o Parque Rio Branco, há planos para ampliar essas áreas verdes.
No primeiro quadrimestre de 2024, foram realizadas 67 atividades de educação ambiental, que envolveram 3.789 participantes, conforme dados da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma).
- Fortaleza conta com 30 monitores de baixo custo instalados pela Citinova, em parceria com a Seuma, que acompanham a qualidade do ar na cidade. A meta é expandir para 60 equipamentos, permitindo o monitoramento contínuo e a coleta de dados essenciais para políticas ambientais;
- A cidade executa o Plano de Arborização Urbana, totalizando mais de 20 mil árvores plantadas entre janeiro e junho deste ano. Essa ação é realizada por meio dos programas Árvore na Minha Calçada, Uma Criança, Uma Árvore e Sementinha;
- Na área de recursos hídricos, a Seuma realiza monitoramento bimestral da qualidade da água dos rios e mares, com base na Resolução CONAMA nº 357/2005, para garantir a preservação dos corpos d’água urbanos.
A cidade possui, ainda, ações na gestão de resíduos sólidos por meio de diversos programas destinados a atender a população. A seguir, veja os principais programas disponíveis (clique no link para obter mais informações sobre como incorporá-los à sua rotina):
- Caminhão Limpezinha recolhe itens volumosos sob demanda, atendendo semanalmente as 12 regionais;
- O Re-Ciclo realiza coleta seletiva com triciclos elétricos e catadores cadastrados, abrangendo 40 bairros e contando com triagem em 11 Ecopontos;
- Já o Recicla Mais oferece coleta seletiva porta a porta em condomínios, cobrindo 24 bairros. Fortaleza possui 113 Ecopontos distribuídos por todas as regionais, com controle de acesso e horários definidos.
Maranguape

Maranguape abriga uma ampla área verde, com a Área de Proteção Ambiental (Apa) da Serra de Maranguape, que conserva remanescentes de Mata Atlântica e diversos atrativos naturais, como o Pico da Rajada, cachoeiras e pontos altos como a Serra do Lajedo e do Horto Florestal.
A cidade foi selecionada entre mais de 5,5 mil municípios pelo programa Acelerador de Soluções Baseadas na Natureza, da WRI Brasil, com propostas de infraestrutura verde para aumentar a resiliência às mudanças climáticas.
- O projeto da WRI inclui o Parque Pirapora, cortado pelo Rio Pirapora, que apresenta áreas de risco e ocupações irregulares. A proposta é restaurar o rio à sua condição original, promovendo acesso público e balneabilidade;
- O município também submeteu o Projeto Periferia Viva ao PAC, com valor inicial de R$ 37 milhões, ajustado conforme o edital. Três comunidades ribeirinhas estão envolvidas. O projeto está em fase de licitação, com parte dos recursos já liberados para elaboração dos projetos e consultas públicas, em parceria com a Caixa Econômica Federal;
- Em 2024, foi revitalizado o bosque comunitário com a instalação do primeiro jardim filtrante da cidade, marco das SBNs em Maranguape. Outras ações incluem mutirões de limpeza na Serra, mapeamento das nascentes, produção de mudas no viveiro municipal, e o fortalecimento da coleta seletiva com o programa Maranguape Recicla, que integra catadores e viabilizou a inauguração de um galpão de triagem;
- Completam esse esforço a criação de novos parques urbanos e atividades de educação ambiental nas escolas e nos parques.
Segundo o secretário do Meio Ambiente e Urbanismo de Maranguape, Marquinhos Silva, o principal desafio para a implementação das medidas é o agronegócio na região.
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“Enfrentamos dificuldades com a resistência de alguns moradores envolvidos em atividades agrícolas e criação de animais, especialmente no entorno da Serra de Maranguape, que é uma área preservada e bastante arborizada”, aponta.
Sobral

Sobral, localizada a cerca de 230 km da Capital, tem um robusto projeto para combater as mudanças climáticas, por meio do projetos de Minimização de Impactos Urbanos em Sobral de 2025.
Entre eles, estão a criação e ampliação de unidades de conservação para proteger ecossistemas e nascentes e espécies ameaçadas. Abaixo, veja ações já implementadas e as próximas fases desse plano, segundo a prefeitura.
- A cidade investe no plantio de árvores para reduzir as ilhas de calor, que são áreas urbanas mais quentes devido ao excesso de concreto e pouca vegetação. As árvores ajudam a refrescar o ambiente ao proporcionar sombra e liberar umidade, além de melhorar a qualidade do ar, aumentar a biodiversidade e valorizar os espaços;
- Serão construídas bacias para captar e armazenar a água da chuva, ajudando a evitar enchentes e reabastecer os lençóis freáticos, fundamentais para o abastecimento urbano. Essas bacias também contribuem para um ambiente mais úmido e saudável, filtrando poluentes da água.
- Novos parques serão criados para ampliar as áreas verdes, proteger a fauna e flora locais e conectar os espaços naturais da cidade. Além de beneficiar a biodiversidade, os parques promovem o bem-estar da população, oferecendo locais para lazer e contato com a natureza;
- A cidade planeja criar áreas protegidas, como reservas e parques ecológicos, que garantirão a conservação dos ecossistemas, proteção das nascentes e espécies ameaçadas, além de regulamentar o uso do solo para evitar degradação ambiental. Essas áreas também servirão para educação ambiental e pesquisas;
- Será ampliada a área de bosques e parques já existentes para melhorar a conectividade entre habitats, proteger áreas internas contra degradação e aumentar a oferta de serviços ambientais, como a purificação do ar e a absorção de carbono. A expansão também ampliará espaços para lazer e a convivência da população com a natureza.
Itapipoca

Localizada no Norte do Ceará e caracterizada por abranger áreas de litoral, serra e sertão, Itapipoca desenvolve iniciativas ambientais articuladas entre diferentes secretarias, sob a coordenação do Instituto do Meio Ambiente do Município de Itapipoca (IMMI).
O Plano Municipal de Mitigação das Mudanças Climáticas encontra-se em execução, com previsão de cumprimento das metas até 2028.
- Desde 2021, Itapipoca desenvolve um programa de arborização urbana com o objetivo de plantar 26.500 mudas até 2028. Até o momento, 6.500 já foram plantadas. Para apoiar essa meta, foi implantado um novo viveiro de mudas na sede do IMMI, com articulação entre diversas secretarias;
- Em 2023, foi iniciado o programa de coleta seletiva na zona urbana, com funcionamento de um galpão de triagem de resíduos secos, que emprega atualmente 10 catadores. A meta do município é desviar 20% dos resíduos secos do aterro controlado até 2028;
- Em 2024, foi criada a Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra de Itapipoca, com início de ações de educação ambiental. A elaboração do plano de manejo está prevista até 2028;
- Também está em andamento a implantação do Parque Urbano Linear do Riacho das Almas, com obras de requalificação já iniciadas. Paralelamente, o município está elaborando seu inventário de emissões de gases de efeito estufa, com previsão de atualização até 2027. Programas como o de arborização e o de coleta seletiva integram as ações de mitigação;
- Segundo a prefeitura, o município desenvolve ações contínuas de educação socioambiental, com campanhas temáticas como Festa Anual das Árvores, Semana da Compostagem, Junho Verde e visitas guiadas ao IMMI. Os temas abordam questões como queimadas, coleta seletiva, fauna e flora local, descarte de óleo de cozinha e resíduos eletrônicos;
- Outras ações em andamento incluem hortas comunitárias em escolas, implantação de corredores verdes, arborização de obras públicas com plantas nativas, além de mutirões de limpeza em praias, mangues, rios e áreas preservadas.
Medidas ainda são insuficientes, avalia especialista
Para o geógrafo Alexandre Queiroz Pereira, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), integrante do Observatório das Metrópoles, núcleo Fortaleza, e colunista do Diário do Nordeste, a maioria das medidas focam na arborização, educação ambiental, monitoramento dos recursos naturais e qualidade do ar e da água, além da gestão de resíduos sólidos, incluindo tratamento e separação.
“Essas medidas não são condenáveis, longe disso. Elas indicam, ao menos, que há uma movimentação, algo está sendo feito, embora isso não seja suficiente. É, talvez, bastante limitado e é preciso avançar mais. Esse avanço, no entanto, não depende apenas de recursos”, aponta.
De acordo com ele, é essencial que os legisladores municipais compreendam esse processo, pautando-o, debatendo seriamente e promovendo sua discussão na reformulação dos planos diretores, políticas tributárias e na defesa de projetos estruturantes.
Paralelamente, o Executivo deve refletir concretamente sobre os recursos hídricos, a ocupação das margens de lagoas e rios, a organização urbana, os sistemas de drenagem e demais serviços relacionados, integrando-os a um monitoramento abrangente e a uma gestão articulada.
Está muito longe do ideal. Nós precisaríamos, ao meu modo de entender, pensar essa lógica da adaptação às mudanças climáticas, inclusive considerando os padrões econômicos para as nossas cidades. Não adianta nada dizer: ‘Ah, vou fazer esse tipo de parque’ e, ao mesmo tempo, aceitar no território da cidade empresas que utilizam de maneira desequilibrada os recursos naturais ou outros recursos do território, que emitem gases que, embora possam estar na lei, não são adequados. Isso é uma contradição”, destaca.
Conforme Pereira, as cidades devem avaliar estratégias para entrar no mercado de créditos de carbono, priorizando processos de circularidade, ou seja, uma economia de reuso que valorize quem economiza água, faz replantio, renaturaliza espaços, remove concreto e asfalto e utiliza transporte coletivo.
O zoneamento deve privilegiar a preservação das áreas verdes, ampliar esses espaços e reduzir as calhas das vias para criar corredores para a fauna, pois não se trata apenas de árvores, mas de um ecossistema complexo influenciado pela concentração humana e pelas artificializações que alteram os fluxos de matéria e energia.
Além disso, lista, é essencial que os sistemas de engenharia se aproximem da lógica dos sistemas naturais. No entanto, as cidades ainda não adotam essa postura, pois, apesar de alegarem implementar essas medidas, aprovam loteamentos para expandir a cidade de forma descontrolada, gerando problemas sociais e socioambientais.
Por que as cidades enfrentam dificuldades para progredir nas questões ambientais?
Promover uma mudança efetiva exige tensionar as estruturas, enfrentar conflitos de interesses e captar recursos. Para o geógrafo Pereira, a história da formação urbana revela uma dificuldade contínua em estabelecer, de forma abrangente, um ordenamento urbanístico, articulações econômicas e perspectivas territoriais com gestão eficiente.
Planejar, acrescenta, não se limita à elaboração de documentos ou planos diretores, mas envolve assegurar sua implementação e continuidade ao longo do tempo. De acordo com ele, é essencial compreender a cidade como ambiente natural e conjunto de ecossistemas, considerando rios, lagoas, praias, dunas e florestas, independentemente do debate sobre mudanças climáticas.
“Num contexto onde já se tem dificuldade de planejar e gerir, acrescentar mais uma camada (a da crise climática) representa outro desafio. Agora, além das questões socioeconômicas, da desigualdade e da infraestrutura, surgem novas demandas. Quando se trata de temas climáticos ou ambientais, pensa-se logo em estabelecer limites: ao crescimento urbano, à extensão de projetos que podemos reestruturar”, avalia Pereira.
Segundo ele, surge uma segunda dificuldade: avançar de mudanças pontuais, embora relevantes, para transformações estruturais, bem mais complexas por exigirem mais recursos e tempo. Por serem profundas, essas alterações impactam estruturas consolidadas, como interesses econômicos e de grupos, o que exige negociação política e convencimento social.
Além da mudança de mentalidade, obter recursos torna-se outro entrave. “De um lado, há uma lógica econômica que, em tese, impulsionaria o crescimento e a ocupação urbana. Do outro, há conhecimento técnico-científico e social demonstrando que esse modelo não é viável, pois já existe saber acumulado apontando outro caminho”, observa.
“Há dificuldades políticas para firmar acordos sérios. Não se pode continuar com ações superficiais, acreditando que pintar a cidade de verde resolverá o problema. Isso não acontece. A mudança estrutural exige revisão no padrão de zoneamento, nas atividades que a cidade financiará ou buscará instalar. É preciso repensar a economia e rever a mobilidade urbana. Estamos, de fato, avançando rumo a um modelo que privilegie o transporte de massas? Sem isso, não há cidades verdadeiramente adaptadas”, enfatiza.
Como exemplo, Pereira cita cidades que adotam medidas mais drásticas, como Paris, que fechou ruas ao tráfego de automóveis, destinando-as exclusivamente aos pedestres. Para ele, é preciso refletir se as metrópoles brasileiras estão preparadas para lidar com a resistência a ações desse tipo, mais eficazes na redução da poluição.
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