Outros quase 3 mil, entre internações e procedimentos ambulatoriais, ainda estão sendo avaliados, segundo dados da ANS

Mais de 66 mil atendimentos realizados em unidades de saúde públicas do Ceará entre os anos de 2019 e 2023 foram a pacientes com planos de saúde. Dentre eles, em pelo menos 58 mil — 87% do total —, o procedimento realizado estava coberto pelo contrato do beneficiário com a operadora e o valor deve ser restituído ao Sistema Único de Saúde (SUS), segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A quantidade de procedimentos que podem ser ressarcidos ao SUS no período analisado pode chegar a quase 61 mil, entre internações e procedimentos ambulatoriais, uma vez que quase 3 mil dos que foram identificados ainda estão sendo avaliados, segundo os dados da Agência.
O número é pequeno, quando comparado aos mais de 592 milhões de atendimentos realizados na rede pública só no Ceará, mas gerou uma cobrança de quase R$ 177,6 milhões em reembolso ao Sistema Único de Saúde. As informações são da 18ª edição do Boletim Informativo da ANS “Utilização do Sistema Único de Saúde por Beneficiários de Planos de Saúde e Ressarcimento ao SUS”.
Veja também
Ao longo dos cinco anos analisados, foram 19.515 autorizações de internação hospitalar (AIH) — outras 1.305 estão sendo avaliadas —, menos de 1% das mais de 2,5 milhões registradas no Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) do Ministério da Saúde.
Já as autorizações de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo (APAC) — como procedimentos clínicos e cirúrgicos — somaram 38.543, apenas 0,01% dos 589,6 milhões registrados pelo Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS), também mantido pelo Ministério.
Desse montante cobrado pela ANS às operadoras de saúde, apenas cerca de R$ 60,8 milhões foram pagos ou estão em parcelamento, o que corresponde a menos de 35% do valor total. Com isso, a dívida dos planos de saúde pelos atendimentos realizados na rede pública do Ceará, entre 2019 e 2023, é de cerca de R$ 116,8 milhões.
É esse tipo de débito que o Ministério da Saúde quer que os planos privados quitem por meio da oferta de serviços especializados a usuários do SUS, no componente Ressarcimento do Programa Agora Tem Especialistas.
Na segunda-feira (28), a Pasta afirmou que a meta inicial é que R$ 750 milhões em dívidas de ressarcimento ao SUS sejam convertidas em consultas, exames e cirurgias em 2025.
O programa do Governo Federal tem como foco as seis áreas mais carentes de serviços especializados em todo o País — oncologia, oftalmologia, ortopedia, otorrinolaringologia, cardiologia e ginecologia — e considerar a demanda de estados e municípios.
Só no Ceará, as filas de espera nessas áreas somam mais de 74,2 mil pessoas aguardando consultas, segundo Breno Novais, coordenador de Monitoramento, Avaliação e Controle do Sistema de Saúde da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), informou ao Diário do Nordeste em entrevista na última quinta-feira (31).
- Oftalmologia: 21 mil
- Ortopedia: 21 mil
- Ginecologia: cerca de 16 mil
- Otorrinolaringologia: 14 mil
- Cardiologia: 2 mil
- Oncologia: 200

Entenda as dívidas de ressarcimento ao SUS
São muitos os motivos que levam beneficiários de planos de saúde para atendimento em unidades públicas. Uma razão frequente, segundo o médico sanitarista e gestor em saúde Álvaro Madeira Neto, são casos de urgência e emergência. “Em casos de acidente ou mal súbito, o paciente normalmente é levado ao hospital público mais próximo. E, independentemente de ter plano ou não, ele será devidamente atendido”, afirma.
Outro caso comum é a busca pela rede pública para realizar procedimentos de alta complexidade. “A rede privada do plano, às vezes, não tem aquela disponibilidade imediata ou aquela capacidade instalada, e o beneficiário vai acabar tratando determinada enfermidade em centros de referências do SUS”. complementa.
A médica sanitarista Ligia Bahia, professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acrescenta a negativa e a postergação do atendimento, por parte das operadoras, além da demora para realizar os procedimentos. “As operadoras funcionam sob uma lógica de autorizações e negações que dependem de condições muitas vezes ignoradas pelos clientes, como acesso condicionado ao tipo de plano”, afirma.
Veja também
Nas unidades públicas de saúde do Ceará, entre 2019 e 2024, dos mais de 66,6 mil atendimentos a beneficiários de planos privados no SUS, cerca de 36% foram referentes a Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) e os outros 64%, a Autorizações e Procedimentos de Alta Complexidade do SUS (APAC). Os dados também estão disponíveis no boletim da Agência Nacional de Saúde Suplementar.
“Os dados da ANS sobre esses ressarcimentos indicam, de fato, que os procedimentos que mais originam as cobranças dos planos incluem hemodiálise, tratamento de infecções graves, cirurgias múltiplas, tratamento de doenças infecciosas severas, acompanhamento pós-transplante de órgãos, terapias oncológicas, até mesmo, em alguns, casos parto”, complementa o médico.

Quando a Agência Nacional de Saúde Suplementar identifica que um atendimento a beneficiário de plano de saúde foi realizado no SUS, a operadora é notificada para ressarcir o sistema público ou apresentar defesa. Elas podem recorrer em duas instâncias para provar que o ressarcimento não é devido.
Historicamente, segundo Álvaro Madeira Neto, essas são dívidas “muito difíceis” de serem recuperadas. Há operadoras que têm resistência em pagar os valores identificados, e isso é percebido por meio de contestações administrativas e judiciais dessas cobranças.
“Todo esse trâmite acaba levando a uma dívida que vai acumulando valores expressivos ao longo do tempo, já que muitas operadoras contestam, muitas operadoras atrasam esses reembolsos”, afirma.
O Ministério da Saúde estima que a dívida dos planos de saúde, em todo o País, é de R$ 1,3 bi. Esses débitos, segundo o médico sanitarista, representam recursos “fundamentais” que deixam de ingressar no financiamento público da saúde.
Como funciona a cobrança de ressarcimento
- O processo começa com o cruzamento dos dados do Departamento de Informática do SUS (Datasus) sobre atendimentos da rede pública com as informações do Sistema de Informações de Beneficiários (SIB) dos planos de saúde;
- Os atendimentos identificação como aptos a serem cobrados são encaminhados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para as operadoras dos planos de saúde, para que elas efetuem o pagamento ou apresentem defesa;
- Os planos de saúde podem recorrer em duas instâncias. Inicialmente, é protocolada uma impugnação e, caso haja o indeferimento das alegações, é possível apresentar recurso;
- Se a solicitação for indeferida, a operadora deve pagar os valores apurados pela Agência;
- Em caso de inadimplência, as operadoras são inscritas em dívida ativa e no Cadastro Informativo de Créditos não quitados do Setor Público federal (Cadin), assim como ficam sujeitas à cobrança judicial;
- Os valores ressarcidos, por sua vez, são encaminhados ao Fundo Nacional de Saúde (FNS) para serem reaplicados em programas prioritários do Ministério da Saúde.
“Desta forma, o ressarcimento pode ser visto como um importante mecanismo de regulação, que possibilita identificar como as operadoras estão procedendo em relação ao cumprimento dos contratos dos beneficiários e se possuem uma rede de atendimento adequada”, explica a ANS, em publicação sobre os procedimentos de cobrança.

Como vai funcionar a troca de dívidas
Para participar dessa iniciativa e converter dívidas em atendimentos especializados, a operadora de plano de saúde deve aderir ao programa por meio de edital, apresentar capacidade técnica e operacional para ofertar atendimentos, estar regular com o envio das informações periódicas à ANS e não se encontrar em processo de liquidação (sendo encerrada judicial ou administrativamente) ou impedida de contratar com a Administração Pública.
Os planos de saúde também devem indicar os débitos de ressarcimento e apresentar proposta de oferta que atende demandas locais de saúde.
Dúvida estimada de ressarcimento ao SUS dos planos de saúde no Brasil
Após a adesão ser aprovada, os valores a serem convertidos em atendimentos são negociados com a ANS ou com a Procuradoria-Geral Federal (PGF), em caso de dívidas ativas. Depois disso, um rol de serviços ofertados será disponibilizado ao SUS conforme a demanda existente na regulação local e regional.
Com base em uma tabela própria, o programa vai remunerar a operadora após a conclusão do conjunto de atendimentos previstos nos combos de cuidados — as Ofertas de Cuidados Integrados (OCIs), pacote de serviços que inclui consultas, exames e tratamentos, inclusive cirurgias —, que devem ser realizados em prazos definidos.
Veja também
Os serviços prestados pelos planos de saúde vão gerar o Certificado de Obrigação de Ressarcimento (COR), necessário para abater a dívida com o SUS. Para isso, o programa estabelece uma produção mínima de R$ 100 mil por mês, para evitar pulverização dos serviços. Em regiões com menos instituições e grande demanda, o valor mínimo é de R$ 50 mil mensal.
A Portaria nº 7.702, de 28 de julho, prevê monitoramento conjunto entre Ministério da Saúde, ANS, entes federativos participantes e grupo condutor tripartite de implementação e monitoramento. Em caso de descumprimentos — com inexecução dos serviços acordados ou execução inferior a 90% — as operadoras poderão ser multadas e até excluídas do Programa.
Adcionar comentário