Umbandistas e simpatizantes podem participar da celebração e levar oferendas para a Rainha do Mar

As areias da orla da capital cearense se transformam em espaço de agradecimento, cura e valorização da cultura afro-brasileira nesta sexta-feira, 15 de agosto, dia da Festa de Iemanjá. Segundo a União Espírita Cearense de Umbanda (Uecum), a celebração deve reunir cerca de 100 mil pessoas, entre cearenses e turistas de outros estados, como Rio Grande do Norte e Paraíba.
Neste ano, a programação oficial do festejo começou no último dia 10 e segue até o dia 17, com atividades em diversos pontos da Capital, passando pelas praias da Barra do Ceará, Poço da Draga, Praia de Iracema, Praia do Mucuripe e Praia do Futuro.
Data oficial da celebração em Fortaleza, o dia 15 de agosto é o principal da programação na Capital, e terá cortejo da imagem de Iemanjá pelas praias, apresentações culturais de afoxés, oficinas, gira e oferendas à Rainha do Mar.
Já no dia 23, após o encerramento oficial da festa, haverá ainda um bate-papo com o fotógrafo e antropólogo Jean dos Anjos sobre a exposição “As fotografias da Festa de Iemanjá do Ceará: perspectivas entre Arte e Patrimônio Cultural”, na Pinacoteca do Ceará.
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Por que Fortaleza celebra Iemanjá em 15 de agosto?

Apesar de os ritos serem os mesmos em diversos lugares do País, a data que celebra Iemanjá costuma variar de acordo com a cidade e estado por um triste fato histórico: durante boa parte do século XX, as forças de segurança censuravam manifestações de religiões afro-brasileiras, impedindo que umbandistas professassem sua fé publicamente.
Desse modo, para conseguir driblar a censura, diversas associações e líderes religiosos decidiram comemorar a data no mesmo dia da padroeira de suas cidades, utilizando-se do sincretismo religioso para conseguir reduzir o preconceito.
Por isso, em Fortaleza, a celebração – que veio do Rio de Janeiro por meio de Mãe Júlia Barbosa Condante – ocorre no dia da padroeira da Cidade, Nossa Senhora da Assunção.
Considerada a maior festa de Iemanjá do País, o festejo de Salvador (BA) acontece em 2 de fevereiro, data em que se celebra a Rainha do Mar na maior parte do País. Em outros lugares, há outras datas celebrativas, a exemplo da Paraíba, de Alagoas e do Pará, que comemoram a data em 8 de dezembro.
História da festa em Fortaleza
Por aqui, estima-se que o festejo, que desde 2018 é considerado Patrimônio Cultural Imaterial da Cidade, teve sua primeira edição em 1928. Segundo Pai Neto Tranca Rua, mestre de cultura e pai de santo do Centro Espírita de Umbanda São Miguel, o festejo começou na Barra do Ceará e, na década de 60, acontecia no Mucuripe. Após sucessivos vazamentos de óleo na região, a festa passou a acontecer na Praia do Futuro.

Por décadas, os festejos ocorreram apenas por lá, já que o local tinha dunas altas que dificultavam a chegada da polícia e, consequentemente, da censura, explica Mãe Tecla do Caboclo Tupinambá, atual presidente da Uecum, instituição mais antiga do estado do Ceará.

“Naquela época era totalmente proibido qualquer manifestação de matriz afro-brasileira”, lembra Mãe Tecla. Em plena ditadura militar, diversas manifestações culturais, políticas e religiosas eram proibidas – mas, para a ialorixá, a umbanda era censurada por motivos mais amplos, que iam além do contexto político. “Era por tudo em si, pelo preconceito e pela intolerância religiosa”, ressalta.
A partir de 2012, com o aumento das associações, a festa passou a ocupar também a Praia de Iracema, que atualmente divide os festejos com a Praia do Futuro. “A gente quebrou os paradigmas da sociedade, porque a sociedade também da Praia de Iracema também não queria, mas nós nos valemos porque das tinha atividade das outras religiões”, conta Pai Neto.
Patrimônio Cultural de Fortaleza

Devido à sua importância histórica, a Festa de Iemanjá da capital cearense tornou-se Patrimônio Cultural Imaterial de Fortaleza em julho de 2018, inscrita no livro das Celebrações. A conquista garante que o festejo aconteça anualmente com a estrutura necessária, incluindo ações de logística e segurança.
Para Pai Neto, a ação deu “mais visibilidade à festa a nível nacional”. Neste ano, ele estima que esse alcance traga filhos de Iemanjá de cerca de dez estados do País para conhecer e celebrar o festejo cearense. “Isso fortalece bastante. E, com isso, nós também temos mais respaldo de cobrar, ao governo, um apoio para a realização da festa, para a salvaguarda”, pontua.
Já Mãe Tecla destaca a importância do aporte físico e da proteção da Polícia Militar em um evento desta dimensão. “Hoje em dia temos uma estrutura muito boa, dada pela Prefeitura e pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado, e a Polícia Militar para nos proteger, né? Diferente dos anos 30 e 40, em que acontecia o contrário”, comenta.
A ialorixá destaca que a Uecum já solicitou à Secult-CE o pedido de registro da festa como patrimônio do Estado, já que não só a Capital celebra a data. “Vamos receber caravanas de todo o interior do Estado e também de outros estados, que vêm para Fortaleza e, ao voltar para as suas cidades de origem, também comemoram Iemanjá, seja na beira do rio, seja nas praças, seja dentro do próprio terreiro”, conta.
Além da estrutura e da salvaguarda, Mãe Tecla destaca a importância de legislação própria para garantir a continuidade e a segurança das tradições do povo de terreiro, como o combate ao racismo religioso e à intolerância religiosa. “Sendo crime, nós nos fazemos ser respeitados, nem que seja por lei – sermos respeitados, não tolerados. Isso ajuda bastante”, conclui.
Cumbuco terá primeira edição da Festa de Iemanjá

Neste 15 de agosto, a Praia do Cumbuco, em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza, recebe a primeira edição oficial da Festa de Iemanjá. A celebração é organizada pela Mãe Marai, coordenadora do centro espiritual Tenda Palmeiral dos Índios, e começa às 10h, na Avenida dos Coqueiros, em frente ao Hotel Wai Wai.
Entre as atividades previstas estão cânticos, danças e oferendas para a Rainha do Mar. Assim como na Capital, a festa é aberta ao público e inclui simpatizantes e entusiastas da cultura afro-brasileira.
Oferendas para Iemanjá: saiba o que levar para a Rainha das Águas

Todos os anos, além das associações do povo de terreiro, centenas de simpatizantes vão à beira do mar para levar oferendas para Iemanjá, seja para fazer um pedido especial ou em sinal de agradecimento.
Mãe Tecla lembra uma história que marca a festa de Fortaleza: um rapaz que, após quase morrer afogado e vislumbrar “uma sereia” no fundo do mar, fez uma promessa para sobreviver ao acidente. Conseguiu se salvar e, para agradecer, levou mantos para Iemanjá por sete anos consecutivos, sempre no dia 15 de agosto.
“Tem pessoas que vão que e pedem casamento, pedem emprego, cura de doenças. Então, as pessoas também, mesmo sem serem umbandistas, vão para agradecer Iemanjá”, afirma.
Quem desejar levar uma oferenda pode optar por itens como perfume, flores (de preferência brancas), champanhe e mel, que estão entre os presentes que a Mãe das Águas mais gosta, segundo os líderes religiosos.
No entanto, há um detalhe importante: apenas o que for orgânico deve permanecer no mar, um cuidado de conscientização ambiental feito há anos pelos umbandistas. Perfume, champanhe e outros líquidos podem ser derramados no mar, mas os recipientes devem voltar para terra firme para a destinação correta do lixo, assim como balaios de oferendas que não forem feitos de material biodegradável.
Confira a programação da Festa de Iemanjá de Fortaleza:
Sexta-feira, 15 de agosto
9h – Cortejo da imagem da Rainha do Mar à Praia do Futuro
Saída da União Espírita Cearense de Umbanda (Rua Castro e Silva, 920 – Centro)
10h20 às 18h – Apresentação do coletivo Afoxé Acabaca, com a participação de Ivaldo Paixão, e do Afoxé Filhos de Oya; solenidade e entrega de oferendas
Local: Av. Zezé Diogo, 2551 (próximo à Barraca Zé da Praia – Praia do Futuro)
8h às 20h – Apresentações culturais, roda de samba, cortejo marítimo, gira de caboclo e oferenda de balaio para Iemanjá
Local: Av. Historiador Raimundo Girão com Av. Rui Barbosa (próximo ao Magna Praia Hotel – Praia de Iracema)
13h às 20h – Feirinha e apresentações de DJ Bugzinha, Caravana Cultural e Afoxé Acabaca / Cortejo de jangadas e oferendas / Show “Filhas do Mar” / Dragaxé / DJ Thalu e gira de encerramento
Local: Poço da Draga
14h às 23h – Gira e oferenda a Iemanjá e apresentações artísticas
Local: Marco Zero – Barra do Ceará
15h às 18h – Oficina de Escuta Criativa de Cantos para Iemanjá, com Francisca Silva e Val Araújo
Local: Sala Imersiva e Multiuso do Museu da Imagem e do Som do Ceará (Av. Barão de Studart, 410 – Meireles)
Inscrições gratuitas pelo Sympla
18h às 19h30 – Apresentação do show “Odoyá”, com o grupo Caravana Cultural
Local: Praça do Museu da Imagem e do Som do Ceará (Av. Barão de Studart, 410 – Meireles)
Domingo, 17 de agosto
10h às 12h – Roda de conversa para momento avaliativo sobre a organização da Festa de Iemanjá 2025
Local: Escadaria da KUYA – Centro de Design do Ceará
10h às 13h – Oficina infantil “Oceania, o mar: colagem com formas orgânicas”, com Iuri Tavares e Talita Késsia
10h às 15h – Comida do Mar nos Restaurantes do Mercado AlimentaCE
11h30 às 12h30 – Grupo Toque de Senzala
13h às 14h – Afoxé Filhos de Oyá
Local das atividades: Complexo Cultural Estação das Artes (Rua Dr. João Moreira, 540 – Centro)
Sábado, 23 de agosto
15h às 17h – Conversa de Ateliê | “As fotografias da Festa de Iemanjá do Ceará: perspectivas entre Arte e Patrimônio Cultural”, com Jean do Anjos
Local: Ateliê 3 da Pinacoteca do Ceará (Rua 24 de Maio, 34 – Centro)
Classificação indicativa: Livre
Acessibilidade: Libras
Exposição de longa duração
Aberta ao público desde a última quarta-feira (13), a exposição de longa duração “Odoyá! Salve a Mãe de Todas as Cabeças!” segue em cartaz no Centro Cultural Belchior. Com curadoria do antropólogo e pesquisador Jean dos Anjos, a mostra reúne registros da Festa de Iemanjá de Fortaleza feitos por ele e outros seis fotógrafos: Flávia Almeida, Beto Skeff, Éden Barbosa, Luiz Alves, Manuel Filho e Allan Taissuke. A visitação é gratuita e pode ser realizada de terça-feira a sábado, das 9h às 21h.
Local: Centro Cultural Belchior (Rua dos Pacajus, 123 – Praia de Iracema)
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