Em breve, o TJCE e o STF devem se manifestar sobre a constitucionalidade da lei aprovada pela Assembleia no ano passado
Escrito por
Inácio AguiarInacio.aguiar@svm.com.br
28 de Abril de 2025 – 07:00
Legenda: O embate chega, mais uma vez, ao meio jurídico e está nas mãos da Justiça
Foto: Agência Brasil
A recente flexibilização da pulverização aérea de agrotóxicos ou defensivos agrícolas no Ceará, aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governo estadual, voltou ao centro do debate público estadual na última semana. O embate chegou ao meio jurídico e envolve Ministério Público Estadual, partidos políticos, associação do setor produtivo e até o Supremo Tribunal Federal (STF). A discussão dos últimos dias evidencia a complexidade dos conflitos entre produção agrícola e proteção ambiental no cenário contemporâneo.
A mudança legislativa, consolidada na Lei Estadual 19.135/2024, permite a pulverização aérea no estado por meio de drones e aeronaves pilotadas remotamente — prática até então proibida de forma absoluta pela legislação anterior. A alteração, em vigor desde o fim do ano passado, foi rapidamente contestada. Na última semana, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça do Estado, argumentando que a nova lei compromete direitos fundamentais como a saúde e o meio ambiente equilibrado.
A tensão se elevou a outro patamar quando o Psol, partido que contestou a aprovação da lei no parlamento estadual, levou o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). No processo, o partido pede a suspensão imediata da nova legislação, amparado nos princípios constitucionais da precaução, da prevenção e da restrição ao retrocesso ambiental — todos já reconhecidos como cláusulas pétreas pela Corte em julgamentos anteriores.
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Contestação das normas
Em manifestação oficial no processo, tanto o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima quanto a Advocacia-Geral da União (AGU) posicionaram-se contrários à flexibilização da norma. O olhar jurídico, baseado em notas técnicas e relatórios ambientais, ressalta que a sobrecarga aérea, ainda que por drones, implica riscos graves de deriva de agrotóxicos — a dispersão involuntária de partículas químicas para áreas não-alvo —, o que comprometeria a saúde de ambientes ambientais e ecossistemas sensíveis.
A Associação Brasileira de Apicultura e Meliponicultura (ABAMEL), que representa o setor de produção de mel de abelhas, também apresentou nova Ação Direta de Inconstitucionalidade ao STF, reforçando o coro de críticas. A entidade alerta para os efeitos da sobrecarga aérea sobre polinizadores naturais, como abelhas e meliponíneos, “essencial para a manutenção da biodiversidade e para a segurança alimentar”.
Base jurídica e precedentes
A discussão jurídica gira em torno da interpretação, por exemplo, dos artigos 23 e 24 da Constituição Federal, que estabelecem a competência comum e concorrente da União, Estados e Municípios na proteção do meio ambiente. Embora os estados possam editar normas mais protetivas que a legislação federal, não podem legislar de forma menos protetiva — ponto central da controvérsia atual.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu, em outro julgamento, que a proibição da pulverização aérea no Ceará era constitucional, liberando que restrições locais mais severas são legítimas quando visam resguardar a saúde e o meio ambiente.
Assim, a nova lei, ao flexibilizar a disposição anterior, pode ser vista como violação ao princípio da não regressividade dos direitos socioambientais, consolidado no ordenamento jurídico e em compromissos internacionais assinados pelo Brasil.
Argumentação a favor da mudança na norma
O caso, naturalmente, coloca pressão sobre governo estadual, responsável pela proposição após negociações com o setor produtivo. A defesa da nova legislação apoia-se, principalmente, no argumento de que a tecnologia dos drones permitiria uma aplicação mais precisa e segura dos produtos químicos. O georreferenciamento e o uso de drones poderia, inclusive, reduzir a aplicação de agrotóxicos em áreas desnecessárias.
Após as polêmicas jurídicas, o Governo, por meio da Procuradoria Geral do Estado, e a Assembleia Legislativa, responsável pelo debate e aprovação da lei, disseram em nota a esta Coluna que ainda aguardam comunicação formal da Justiça para um posicionamento sobre o assunto.
O setor produtivo, representado pela Federação da Agricultura do Estado do Ceará, (Faec), contesta os questionamentos à lei. Para a entidade, a legislação atual é constitucional e preserva a proteção das comunidades e do meio ambiente.
Próximos embates do caso
O STF e o TJCE, em breve, deverão decidir, em caráter liminar, sobre a suspensão imediata ou manutenção da nova lei até o julgamento final do mérito.
Enquanto isso, o Ceará permanece no centro de uma disputa jurídica e política que poderá ter repercussão nacional: o caso servirá como teste sobre até que ponto estados podem alterar normas ambientais locais em tempos de crise climática global.
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