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Selo cearense independente lança edições exclusivas de discos de vinil

Nas décadas de 90 e 2000, assim que chegava da escola, o cearense Edimar Lima mergulhava na coleção de discos e CDs da mãe e do tio. O tesouro das casas dos dois – moradores do bairro João XXIII, em Fortaleza, e vizinhos à época – era composto especialmente por clássicos de grandes artistas da MPB, como Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia.

Idealizada por Edimar Lima, empresa Wakati Produções é demonstração da nova alta do vinil e do protagonismo do Ceará destaque no mercado fonográfico

Escrito por
Ana Beatriz Caldasbeatriz.caldas@svm.com.br
30 de Abril de 2025 – 10:02

Edimar Lima, fundador e curador da Wakati Produções, com alguns dos discos produzidos pelo selo
Legenda: Edimar Lima, fundador e curador da Wakati Produções, com alguns dos discos produzidos pelo selo
Foto: Davi Rocha

Nas décadas de 90 e 2000, assim que chegava da escola, o cearense Edimar Lima mergulhava na coleção de discos e CDs da mãe e do tio. O tesouro das casas dos dois – moradores do bairro João XXIII, em Fortaleza, e vizinhos à época – era composto especialmente por clássicos de grandes artistas da MPB, como Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia.

Para Edimar, porém, não só a boa música chamava atenção: folhear capas e encartes era parte essencial do momento de ouvir música, e a experiência conectava o menino aos ídolos de forma mais profunda e sensível. Despertada ainda cedo, a paixão pela mídia física e por formatos analógicos de consumo de música se transformaria, mais tarde, em algo maior. Em meio à pandemia, Edimar criou coragem para tirar do papel o sonho antigo de ter seu próprio selo musical, dedicado à criação de CDs e discos de vinil exclusivos, com foco em artistas brasileiros.

 

Amor de Edimar pelos LPs começou ainda na infância
Legenda: Amor de Edimar pelos LPs começou ainda na infância
Foto: Davi Rocha

 

Assim nascia, em 2021, o selo Wakati – palavra que significa “tempo” em suaíli, um dos idiomas mais falados do continente africano –, que tem se dedicado ao lançamento de edições exclusivas de CDs e vinis desde então. Segundo Edimar, a iniciativa é a única que produz LPs no Ceará atualmente, e faz parte de uma lista seleta de selos de vinil no Nordeste. Até o momento, a empresa já lançou seis discos de vinil, alguns deles já esgotados.

 

Atualmente, a Wakati não trabalha com produção musical. Assim, a empresa adquire os fonogramas prontos – após uma negociação com artistas e/ou gravadoras que pode levar até um ano – e, só então, trabalha nas edições especiais para colecionadores, que contam com materiais exclusivos, como novos encartes, pôsteres, livretos com informações extras e LPs coloridos.

 

O catálogo tem sido construído, pouco a pouco, por meio da curadoria do idealizador, que contempla públicos diversos, mas foca em trabalhos que “conversam entre si”. O primeiro vinil lançado foi uma edição especial em celebração aos dez anos do disco “Agridoce” (2011), homônimo do projeto paralelo da cantora Pitty e do guitarrista Martin Mendezz.

A tiragem de 300 cópias foi “feita na loucura”, segundo Edimar, após o entusiasta perceber que, em meio à pandemia, o mercado de discos de vinil e o número de colecionadores aumentava no País. Mesmo em meio a dificuldades financeiras, percebeu que era a hora de apostar no sonho de trabalhar com música.

“Eu não tinha nenhum centavo no bolso para fazer, não tinha crédito de banco nem nada. Não vim de família influente, não tinha parentes ricos, nem nada do tipo. Foi realmente uma loucura – mas uma loucura organizada, porque eu pesquisei muito e vi que seria muito possível. O que eu tinha ao meu alcance eram alguns cartões de crédito, e decidi que iria usá-los”, lembra.

O limite dos cartões foi o suficiente para pagar a primeira metade do investimento na produção da nova edição de “Agridoce”, vendida com exclusividade pela loja e abraçada pelos fãs do duo. Três meses depois do lançamento, quando precisava completar os últimos pagamentos relativos aos LPs, respirou aliviado: as vendas andavam bem e já seria possível quitar a dívida. Ali percebeu que o sonho estava começando a se tornar realidade.

 

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Ao perceber que o interesse por discos de vinil no País aumentava, mas ainda era muito focado em clássicos, sem atenção devida à música contemporânea, decidiu investir numa linha de produção atenta aos novos destaques do cenário musical.

Depois da estreia, a Wakati Produções lançou o vinil “Percorrer em Nós”, do duo ÀVUÀ, formado pelos cantores Bruna Black e Jottapê; “Pra Curar”, da banda Tuyo; “Afeto e luta: Bruna Caram canta Gonzaguinha”, de Bruna Caram; e “Pra Você Lembrar – Restart Ao Vivo”, do Restart.

 

Disco da cantora Melly está em pré-venda
Legenda: Disco da cantora Melly está em pré-venda
Foto: Divulgação

 

O lançamento mais recente é a primeira edição em vinil de “Amaríssima”, disco de estreia da baiana Melly, que alcançou destaque nacional com o álbum no ano passado. Parceria com a gravadora Som Livre, o álbum está em pré-venda no site do selo cearense em uma edição de luxo, com capa gatefold e LP vermelho marmorizado.

A próxima aposta, segundo Edimar, será no disco de uma cantora pernambucana, cujo lançamento oficial será anunciado ainda este semestre. No segundo semestre, mais dois ou três discos – ainda em negociação – devem ser lançados. A prioridade, daqui para frente, é lançar cada vez mais LPs de nordestinos.

Os produtos custam entre R$ 160 e R$ 250, a depender do vinil. Atento à realidade brasileira, Edimar destaca que o valor, apesar de alto, segue a média do mercado, e explica a matemática por trás da produção.

“É caro, eu sei. [Custa] entre 10 a 15% de um salário mínimo em um país onde a maioria das pessoas sobrevive com um salário mínimo”, lamenta. “Mas é porque é muito caro para fabricar e são muitos pagamentos que a gente faz: a gente paga para o dono da obra, pelos fonogramas; a gente paga os compositores; tem masterização, design, marketing, divulgação, assessoria de imprensa. São muitos custos”, aponta.

O alto valor das bolachas nas lojas e sebos, no entanto, não tem sido empecilho para os colecionadores e amantes de música do Ceará. Segundo Edimar, o Estado está “muito bem posicionado” no consumo de vinis e a Wakati, que comercializa LPs em todo o Brasil, tem uma boa parcela de clientes cearenses.

“Nós temos muitos colecionadores e nós temos várias lojas em Fortaleza. Inclusive, após a pandemia, muitas lojas abriram. Antes da pandemia, o que a gente tinha no Ceará eram sebos vendendo discos usados, já não se tinha mais lojas”, comenta, destacando o fechamento de espaços como a loja Desafinado e as livrarias Cultura e Saraiva como episódios tristes para a história da Capital neste sentido.

Desde 2021, no entanto, o movimento de resgate da mídia física feito pelo Wakati foi compartilhado com outras iniciativas, entre empreendimentos veteranos, como a Planet CDs, que vende CDs, LPs e acessórios no Centro da Cidade, e novidades, como a Hifive Discos e Bar, no Meireles. Na contagem de Edimar Lima, atualmente, além dos sebos e lojas online, a Capital conta com pelo menos dez lojas físicas que vendem discos de vinil atualmente.

Foco no protagonismo negro e o sonho de lançar LPs cearenses

 

Selo tem como intuito ampliar protagonismo de artistas negros
Legenda: Selo tem como intuito ampliar protagonismo de artistas negros
Foto: Davi Rocha

 

Apesar de acreditar no nicho de mercado em que apostou todas as fichas, Edimar Lima não esconde os desafios de trabalhar com música, que se tornam particularmente árduos para quem enfrenta situações de desigualdade e preconceito.

O próprio amor do empresário pela música poderia ter se transformado em outra coisa caso o acesso à iniciativas de educação e cultura tivessem sido diferentes há duas décadas, destaca o empreendedor, que inicialmente queria aprender a tocar instrumentos.

“A minha mãe tinha CDs tinha discos, a gente ficava ali naquele ambiente muito musical – mas musical no sentido de ouvir, porque não fui uma pessoa que teve acessos a fazer cursos ou coisa do tipo”, conta.

Lima explica que, apaixonado pela música, buscou instituições para aprender a tocar, mas nenhuma mensalidade era acessível para sua família – chefiada por uma mãe solo e completada por Edimar e seus dois irmãos. “Hoje em dia tem os Cucas, da Prefeitura, em vários bairros descentralizados. Eu acho incrível, mas na minha época não tinha”, comenta.

Com o intuito de democratizar e diversificar a produção fonográfica e impulsionar talentos contemporâneos, Edimar conta que, atualmente, tem como foco o trabalho de artistas negros – e que a iniciativa tem sido recebida como um diferencial da Wakati.

“Eu sou uma pessoa preta, que vem da periferia, e lancei esse selo muito nesse intuito de dar protagonismo aos artistas pretos dessa nova geração da música brasileira. Percebi que muitos artistas brancos estavam lançando seus trabalhos em vinil e que alguns artistas pretos, que fazem músicas maravilhosas, não tinham a oportunidade”, explica.

“Mas a gente também não se resume só a isso, eu não digo que a Wakati Produções é um selo só de música negra; a gente também lança outras coisas. Mas o protagonismo dos artistas negros é real”, destaca. O trabalho de curadoria visa buscar, especialmente, artistas que ainda não tiveram discos de vinil lançados.

“Quando eu comecei  a procurar esses artistas, todos ficaram muito felizes e me disseram ‘nossa, que bom que que vocês estão interessados, porque nenhum selo teve interesse de lançar a gente em vinil. Se não fosse vocês, esse vinil não existiria’”, comenta.

Outro plano da Wakati é relançar discos importantes da música cearense, que ainda não foi contemplada pela produtora por “questões burocráticas”. Segundo Edimar, a empresa está aberta a conversa com novos artistas, mas ele almeja conseguir chegar também a clássicos da música do Ceará.

“Está nos nossos planos no futuro. Um nome que eu acho um ícone da música cearense é o Ednardo. Ele teve alguns trabalhos que saíram nos últimos anos só nas plataformas digitais, e seria um sonho poder lançar. Também tem o álbum Massafeira Livre, lançado nos anos 70. Seria um sonho poder fabricar uma nova edição”, conclui.

Do Ceará para o mundo

Como todos os discos do selo têm tiragens limitadas, quando as cópias esgotam, as produções não são refeitas – ainda que possam ser encontradas em lojas que revendem raridades periodicamente. Foi o caso do vinil “Pra Curar”, da banda Tuyo, que esgotou em 2024 e hoje é vendido em leilões por um preço muito mais alto, segundo Edimar Lima. “A tendência é só aumentar de valor com o passar do tempo”, pontua, destacando um processo comum no mercado de vinis.

Além da venda para todo o País, a Wakati alcançou um feito importante recentemente: comercializar LPs em lojas físicas de Tóquio, no Japão. A oportunidade surgiu por meio de uma parceria com uma distribuidora, que, segundo Edimar, “conheceu o selo, gostou da curadoria e decidiu apoiar”.

“De cada vinil que lançamos eles compram uma certa quantidade”, explica o curador. “Os japoneses admiram muito a música brasileira e nossos discos fazem sucesso por lá”, celebra.

Para conhecer o catálogo e acompanhar as novidades da Wakati, siga o selo nas redes sociais: @wakatiproducoes.

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Carlos Alberto

Oi, eu sou o Carlos Alberto, radialista de Campos Sales-CE e apaixonado por futebol. Tenho qualidades, tenho defeitos (como todo mundo), mas no fim das contas, só quero viver, trabalhar, amar e o resto a gente inventa!

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