Sem aportes na quadra chuvosa, município precisou reativar adutora parada há 14 anos

Ir em busca de caixas d’água públicas para encher vasilhas e armazenar o líquido em casa – ou mesmo comprá-lo – tem sido rotina para moradores de Milhã, cidade do Sertão Central do Ceará com cerca de 14 mil habitantes, após o açude que abastece a região secar. O cenário levou a gestão municipal a implementar um racionamento severo.
O açude Jatobá, principal do município, tem capacidade para 590 mil m³, mas está, hoje, com apenas 1% desse volume preenchido. Um segundo suporte, o açude Monte Sombrio, também está no volume morto. A Defesa Civil Nacional reconheceu, em março, a situação de emergência na cidade cearense pela estiagem.
Diante disso, a Prefeitura de Milhã decidiu, no início do ano, reativar uma adutora na cidade vizinha, Senador Pompeu, para levar água à população. O equipamento estava parado há cerca de 14 anos. Além disso, a pouca água que chega está sendo racionada.
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De acordo com Vagner Pinheiro, diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Milhã (a cidade não é coberta pela Cagece), a água percorre 22 km até chegar à estação de tratamento do município, o que gera muitas perdas no caminho.
“A adutora foi ligada pela última vez em 2011. Foi uma batalha, uma luta pra gente conseguir ligar. Até chegar à cidade, são três bombeamentos, tem muita perda. E não chega com vazão pra abastecer tudo, dividimos a cidade em três”, explica.
Assim, enquanto um terço dos bairros recebe água, nos outros as torneiras estão secas.
“Tem locais que passam de 5 a 6 dias sem água. Às vezes dá um problema na adutora e a gente atrasa a volta da água, por isso deixamos as caixas cheias pras pessoas irem pegar”, diz Vagner, referindo-se às caixas d’água públicas da cidade.
O gestor afirma que foram perfurados diversos poços em Milhã, e eles estão ligados à rede de distribuição e aos reservatórios públicos. Mas não são suficientes. “Os poços ajudam, mas não chegam à parte alta. Os moradores de lá sofrem mais um pouco”, lamenta.
A prefeitura tem contado com apoio de órgãos estaduais e de outros SAAEs para enfrentar o problema.
de chuvas foram registrados em Milhã na quadra chuvosa, de fevereiro a maio. O valor está dentro da média histórica, mas é insuficiente para aportes significativos no açude.
O gestor do SAAE municipal lembra que em 2002, quando a adutora de Inharé ainda não existia, Milhã chegou a ser totalmente abastecida por carros-pipa. Outras estiagens exigiram racionamento, como em 2011 e 2012. “Toda época de seca a gente passa por isso.”
Além da preocupação diária com o abastecimento, Vagner revela outras duas. A primeira é que o açude da localidade de Jenipapeiro, em Senador Pompeu, “está chegando no volume morto”. Assim, a água da adutora que tem socorrido Milhã precisará ser compartilhada com os vizinhos.
A segunda é que junho é só o primeiro mês “sem chuvas” no Ceará. “A seca vai começar de agora pra frente. A partir de julho começa a pegar. As pessoas precisam da água pra sobreviver, pra trabalhar”, pondera Vagner.
“A conta chega, a água não”

Quando a caixa d’água da casa de Danilton Pinheiro, 33, seca, a solução é só uma: comprar para garantir o recurso à esposa e ao filho pequeno. “A gente sempre sofreu com falta d’água, mas antes era no fim do ano. Agora, foi desde o início”, lamenta o morador nativo da cidade.
“Água aqui é só uma vez por semana, passa um dia, um dia e meio, e já acaba. Às vezes vem de poço, é algum restinho de açude, do Inharé. Às vezes, no lugar de pagar a conta, tem que comprar. Com água ou sem água a conta chega”, pontua Danilton.
Quando o racionamento aperta, o servidor público compra uma caixa de mil litros de água, deixada nas casas por caminhões. “É em torno de R$ 40, mas só dá pra dois ou três dias. Acaba rápido, mesmo a gente poupando muito”, estima.
Tem gente pior, que não consegue ir buscar nas caixas públicas e se obriga a comprar, tirar alguma reservinha financeira, porque precisa da água.
O milhaense descreve que as caixas d’água de 5 mil litros instaladas pela prefeitura municipal têm “torneirinhas”, nas quais se formam filas para coletar o líquido. “O pessoal vai lá tirar com as vasilhas, de moto, de carroça. É difícil, porque a falta d’água não é fácil pra ninguém”, desabafa.
“Dando as mãos até o Malha D’água sair”

A situação hídrica de Milhã deve ser estabilizada após a chegada de um projeto que já deveria ter começado a abastecer a cidade em janeiro de 2025, mas ainda não foi concluído: o Malha D’água. “Todo mundo dando as mãos até sair. Está previsto pra julho”, informa Vagner, do SAAE.
A iniciativa é da Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH) do Ceará, e tem como proposta adensar a rede de adutoras do Estado, “considerando todos os centros urbanos”, captando água diretamente de reservatórios com maior capacidade de armazenamento. Nos locais, devem ser instaladas estações de tratamento.
O titular da SRH, Fernando Santana, afirmou, na última quarta-feira (4), que para abastecer Milhã e o Sertão Central, o Malha D’água vai captar água do açude Banabuiú e levá-la a nove municípios e 38 distritos. Isso deve ocorrer, de fato, em julho.
Yuri Castro, presidente da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh), observa que Milhã “não tem um reservatório estratégico, com boa acumulação”, e que a adutora de Inharé, por ser antiga, “tem um diâmetro que já não atende todo o município.
“A solução encontrada, então, foi o Malha D’água, é a solução definitiva para todo o Sertão Central”, pondera o gestor.
A média histórica de chuvas em Milhã entre junho e dezembro, mês em que se inicia a pré-estação chuvosa no Ceará, é de 97,9 mm. O período de maior estiagem é de agosto a novembro, quando deve chover apenas 11,6 mm na cidade.
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