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Por que há tantos partidos disputando fusões ou federações para as eleições de 2026

Dos 20 partidos que atualmente têm representação no Congresso Nacional, 15 integram uma federação ou discutem a possibilidade de união com outras siglas para enfrentar as eleições do próximo ano. Desde 2022, as legendas passaram a se reordenar, atuando em unidade para superar as barreiras de desempenho eleitoral — criadas justamente para reduzir a fragmentação partidária. Essa alternativa foi a salvação para algumas siglas, mas também tornou-se um desafio para alianças locais, como tem acontecido no Ceará. 

Mecanismo virou tábua de salvação para siglas menores, mas aprofundou perda de identidade partidária, segundo analistas políticos

Escrito por
Igor Cavalcanteigor.cavalcante@svm.com.br
22 de Junho de 2025 – 07:00

Parlamentares e dirigentes partidários do União Brasil e Progressistas no anuncio da federação
Legenda: União Brasil e Progressistas anunciaram, neste ano, a formação de uma federação
Foto: Jonas Pereira/Agência Senado

Dos 20 partidos que atualmente têm representação no Congresso Nacional, 15 integram uma federação ou discutem a possibilidade de união com outras siglas para enfrentar as eleições do próximo ano. Desde 2022, as legendas passaram a se reordenar, atuando em unidade para superar as barreiras de desempenho eleitoral — criadas justamente para reduzir a fragmentação partidária. Essa alternativa foi a salvação para algumas siglas, mas também tornou-se um desafio para alianças locais, como tem acontecido no Ceará.

Analistas políticos apontam que as federações, incorporações e fusões partidárias aceleram a perda de identidade de algumas legendas. A medida, segundo eles, também aumenta a concentração de poder nas mãos de caciques políticos tradicionais.

Atualmente, o Brasil conta com três federações vigentes. A formada pela união do PT, do PCdoB e do PV, que caminha para ser renovada em 2026, assim como a estabelecida entre Psol e Rede Sustentabilidade.

 

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Para encarar o pleito de 2026, mais uma federação já foi confirmada e aguarda aval do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 29 de abril deste ano, União Brasil e do Progressistas (PP) oficializaram a união que irá gerar a maior bancada na Câmara, com 109 deputados, e a segunda maior no Senado, com 14 senadores. A “super federação” deve ter direito a quase R$ 200 milhões em Fundo Partidário e quase R$ 1 bilhão de Fundo Eleitoral.

Por outro lado, a ainda vigente federação entre PSDB e Cidadania está com os dias contados. As duas siglas aprovaram o fim da união para 2026. Agora, ambas são cortejadas por outros partidos. O PSDB chegou perto de consolidar uma fusão com o Podemos e o Solidariedade, mas divergências nas negociações inviabilizaram a articulação. Os tucanos mantêm ainda tratativas com o MDB e o Republicanos para uma federação entre as três siglas. O PSDB também é cobiçado pelo PSD e pelo PDT. Há ainda o PSB, que é cotado em uma federação tanto com o PT quanto com o Cidadania.

QUAL A DIFERENÇA ENTRE FEDERAÇÃO, FUSÃO E INCORPORAÇÃO?

  • Fusão: os partidos se juntam e criam uma nova legenda, com estatuto e programa próprio;
  • Incorporação: os partidos se juntam, mas o estatuto e o programa de um deles permanece, podendo manter ou mudar o nome de uma das legendas;
  • Federação: partidos se unem pelo período mínimo de quatro anos para atuarem como uma só legenda.

As fusões, incorporações e federações se estendem a todos os diretórios das siglas, portanto, é um movimento nacional que reflete nas bases locais. A regra é diferente do que existia nas antigas coligações para eleições proporcionais, onde cada diretório firmava suas alianças a partir de interesses regionais.

Por que tantas federações?

Nesta semana, em entrevista ao Diário do Nordeste, o presidente do MDB Ceará, o deputado federal Eunício Oliveira, justificou a grande quantidade de tratativas sobre federações no Brasil. Segundo ele, a resposta está na ocupação de cargos em comissões, mesas diretoras e relatorias na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

 

“O MDB sempre foi o maior partido no Senado e sempre teve uma grande bancada (…) Eu acho que, com essa junção em federações de outros partidos, como é o caso do PP e do União Brasil, e como as questões internas da Câmara e do Senado são sempre proporcionais para compor mesas, comissões e relatorias, é preciso que o partido tenha tamanho”
Eunício Oliveira

Deputado federal e presidente do MDB Ceará

 

O parlamentar revelou que o MDB tem conversas avançadas para formar uma federação com o Republicanos e o PSDB. A estratégia, de acordo com o emedebista, é justamente ganhar volume nos parlamentos federais.

“O MDB já é um partido grande, o Republicanos também, mas os partidos que se juntaram ficaram maiores que a gente, então precisamos nos juntar em uma posição. O MDB e o Republicanos têm posições muito parecidas, porque, na minha opinião, a população não quer radicalismo de direita nem de esquerda”, concluiu.

Dirigentes partidários cearenses de todos os partidos citados na reportagem foram procurados, mas não responderam ou não foram localizados.

A saída para superar a cláusula de barreira

As articulações que englobam quase todos os partidos com representação no Congresso são uma “adaptação” encontrada pelas siglas diante das regras eleitorais brasileiras. A avaliação é de Mariana Dionísio, professora de graduação e pós-graduação em Direito da Unifor e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

“Depois das mudanças que instituíram a cláusula de barreira e a proibição das coligações proporcionais, os partidos menores acabaram com menos tempo de TV e menor acesso a recursos do fundo partidário, por isso as federações funcionam como uma estratégia de sobrevivência política e manutenção de espaços institucionais”, aponta.

 

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Aprovada por meio da Emenda Constitucional 97/2017, a cláusula de desempenho foi sendo progressivamente aplicada no Brasil a partir de 2018 para reduzir a fragmentação partidária.

Para o pleito do próximo ano, ela estabelece a eleição de 13 deputados federais ou 2,5% do eleitorado para a Câmara dos Deputados e 1,5% em pelo menos nove estados como condições mínimas para que os partidos recebam recursos para financiar campanhas e para que possam usar o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. As exigências têm caráter progressivo e devem chegar a, no mínimo, 3% de votos válidos em nove estados, com 2% dos votos válidos em cada um deles, na eleição de 2030.

Diante desse cerco aos partidos menores, o Congresso Nacional incluiu na Reforma Eleitoral de 2021, por meio da Lei nº 14.208/2021, o mecanismo das federações, para permitir às legendas atuarem de forma unificada em todo o país com o prazo mínimo de união de quatro anos. É uma espécie de meio termo entre as antigas coligações e as fusões partidárias.

 

 

O sociólogo Yuri Holanda Cruz, cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da UFC, acrescenta que essa alta demanda por federações é “sintoma de uma crise de identidade das legendas”.

“As siglas têm perdido base social e representatividade parlamentar, então essas alianças são uma espécie de compensação para esse enfraquecimento. Isso pode resultar também em alianças com partidos que são ideologicamente bem diferentes”, avalia

“Por um lado, a federação é uma resposta a uma pressão institucional normativa, por outro lado, é reflexo de uma fragilidade estrutural da figura do partido político como mediador do cenário político”, avalia o sociólogo.

Os analistas políticos são unânimes em apontar que as federações partidárias representaram avanços no modelo político brasileiro, mas também há retrocessos.

Para Mariana Dionísio, um dos maiores avanços é o incentivo à “previsibilidade e à fidelidade partidária”.

 

“Por outro lado, algumas federações foram formadas muito mais por necessidade do que por convicção programática, o que pode gerar tensões internas. Além disso, a complexidade desse modelo ainda confunde parte do eleitorado, que pode ter dificuldade em entender o funcionamento e a diferença entre as antigas coligações e as federações atuais, gerando risco de perda de identidade de partidos menores ao se fundirem com legendas mais expressivas”
Mariana Dionísio

Professora de graduação e pós-graduação em Direito da Unifor e doutora em Ciência Política pela UFPE

 

Entre os pontos positivos implementados — ao menos em tese — pelas federações, Yuri Holanda Cruz lista a maior governabilidade e accountability, além de reduzir o número de partidos com “representação real” no Congresso.

“Por outro lado, pode unir partidos que têm afinidades ideológicas totalmente diferentes, além de aumentar a judicialização de conflitos internos (…)  e há uma concentração de poder em partidos maiores, o que acaba anulando, em contrapartida, a autonomia dos partidos menores”, pondera.

 

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Mariana Dionísio reforça que, via de regra, essas uniões têm sido motivadas muito mais por pragmatismo para atingir a cláusula de desempenho ou manter a relevância institucional do que por questões ideológicas.

“A federação PSOL-Rede, por exemplo, pode ser vista como mais ideológica (…) Já a federação formada por PSDB e Cidadania, embora tenha alguma base comum de centro, foi marcada por pragmatismo diante das dificuldades de sobrevivência eleitoral. A federação PP-União Brasil já possui um caráter anti-petista, reunindo um perfil ideológico próximo, mas voltado eminentemente ao fortalecimento da oposição nas urnas em 2026. Ou seja, o componente ideológico existe, mas é frequentemente secundário frente às urgências eleitorais”, argumenta.

 

“A política real mostra que a prática expressa um caráter que é majoritariamente pragmático. Pragmático e não programático, percebe? As alianças entre os partidos estão voltadas para superar algumas barreiras, eles se unem para adotar estratégias racionais para poder maximizar os votos, para poder conseguir mais recursos, mesmo que isso signifique a flexibilização das suas ideologias”
Yuri Holanda Cruz

Sociólogo, cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da UFC

 

A pouco mais de um ano das eleições e em meio às montagens das alianças para o pleito, as federações, incorporações e fusões consolidam-se como uma tábua de salvação para siglas menores. Por outro lado, o mecanismo aprofunda disputas internas e provoca reposicionamentos estratégicos onde a ideologia fica em segundo plano e a sobrevivência eleitoral fala mais alto.

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Carlos Alberto

Oi, eu sou o Carlos Alberto, radialista de Campos Sales-CE e apaixonado por futebol. Tenho qualidades, tenho defeitos (como todo mundo), mas no fim das contas, só quero viver, trabalhar, amar e o resto a gente inventa!

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