Além do esforço do Tribunal de Contas do Ceará, o Ministério Público também quer reforçar fiscalização, mas, antes, deve pressionar por plano de ação dos órgãos de saúde e do governo

A fiscalização feita em consórcios públicos de saúde do Ceará pelo Tribunal de Contas do Ceará (TCE Ceará) em 2024 não deve ter repercussões apenas para os órgãos de saúde — que reúnem, além dos municípios consorciados, o Governo do Ceará, por meio da Secretaria de Saúde do Ceará.
O relatório final do levantamento realizado pela área técnica do Tribunal descreve, entre as recomendações, a necessidade de uma mudança no regramento da prestação de contas da própria Corte de Contas quanto aos consórcios de saúde, além de elencar diversas áreas que merecem novas fiscalizações — que têm previsão para iniciar ainda em 2025.
Entre o final deste ano e o início de 2026, novos consórcios devem passar por auditorias operacionais. Devem ser escolhidos quatro colegiados para serem fiscalizados, dentre os 21 consórcios de saúde existentes no Ceará.
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Além disso, o documento também teve impacto no trabalho realizado pelo Grupo de Trabalho sobre consórcios públicos do Ministério Público do Ceará (MPCE), que, nesse ano, passou a incluir também representantes dos órgãos de saúde e do Governo do Ceará.
A perspectiva do GT é ter reuniões com todos os consórcios em novembro para a apresentação de plano operacional, com propostas de soluções para problemas como absenteísmo, transparência, falta de indicadores para a qualidade do serviço e regime de pessoal — consórcios de saúde apresentam um “excesso” de cargos temporários, conforme mostrado pelo PontoPoder.
Uma nova etapa do Ministério Público deve envolver fiscalizações nos consórcios de saúde, com previsão de início para 2026.
O levantamento do TCE Ceará foi feito a partir de dados do exercício financeiro de 2024 nos consórcios de saúde. Quatro deles foram escolhidos para o aprofundamento da análise, com visitas in loco. Foram eles, os consórcios da Microrregião de Crato; da Microrregião de Quixadá; da Microrregião de Sobral; e o Interfederativo do Vale do Curu (Cisvale).
Os resultados foram divulgados em julho de 2025, após recomendações e relatório final serem aprovados pelos conselheiros do TCE Ceará no final de junho, com o acórdão publicado no dia 27 daquele mês.
O PontoPoder mostrou problemas encontrados pelo TCE Ceará, como a falta de funcionários efetivos nos consórcios de saúde, entre outros problemas com o quando funcional destes órgãos, e os desafios para o financiamento deles — com atrasos nos repasses estaduais e o congelamento dos valores transferidos pelo Estado.
Entretanto, o levantamento teve também efeitos nos próprios órgãos de fiscalização, como o próprio TCE Ceará e o Ministério Público do Ceará, que pretendem continuar reforçando a atuação no tema para aprimorar os consórcios de saúde — modelo de cooperação responsável pela gestão de equipamentos como policlínicas e Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs).
Novas fiscalizações
Ao descrever o trabalho realizado pelos técnicos do TCE Ceará no levantamento sobre os consórcios de saúde, o relatório final pontua a intenção de “compreender as ameaças, oportunidades, pontos fracos, pontos fortes, na ótica dos entes consorciados”.
“Tudo isso com a finalidade de elaborar trabalho trazendo à tona a realidade dos Consórcios Públicos de Saúde, visando induzir melhorias em sua gestão”, segue o texto. Um último objetivo é ainda descrito no documento: a intenção de que os dados obtidos no levantamento possam “subsidiar trabalhos futuros de fiscalização”.
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Ao longo do relatório, que possui 141 páginas, em diversos momentos, são apontadas “fragilidades que prejudicam a finalidade dos Consórcios” e, por isso, “demandam atenção das áreas competentes deste Tribunal para apurações futuras em fiscalizações de conformidade”.
Essa necessidade é sintetizada nas recomendações feitas no relatório, e aprovadas pelos conselheiros do TCE Ceará, após voto favorável do relator do processo, Edilberto Pontes.
São elencadas, portanto, a necessidade de fiscalizações e auditorias operacionais do TCE Ceará nos seguintes tópicos:
- Divergências nos serviços ofertados, de acordo com o descrito nos Contratos de Programa;
- Absenteísmo, ou seja, o não comparecimento de pacientes a consultas e exames nos equipamentos dos consórcios;
- Atrasos nos repasses;
- Congelamento dos valores dos repasses;
- Ausência de critérios objetivos para mensuração do custeio das unidades;
- Contratações de pessoal;
- Transparência dos dados dos consórcios de saúde;
- Uso da tabela SUS nas contratações públicos dos consórcios;
- Licitações compartilhadas;
- Controle interno dos consórcios públicos e da Controladoria de Gestão dos Consórcios Públicos, da Sesa.
Diretor de Fiscalização de Atos de Gestão I do TCE Ceará, Cristiano Goes explica que o setor está se organizando para iniciar, ainda em 2025, uma nova rodada de fiscalizações. Segundo ele, pelo menos quatro colegiados devem ser fiscalizados “justamente para continuar esse processo”.
“Os técnicos fizeram esse estudo, se capacitaram. Então, eles estão mais capazes de fazer uma fiscalização com uma capacidade técnica melhor e fazer uma boa auditoria, uma boa fiscalização nesses consórcios. Já uma auditoria, uma inspeção de conformidade, para ver se a legislação está sendo cumprida, se o Contrato de Programa está sendo efetivo, se os recursos contábeis estão sendo devidamente contabilizados, se os rateios estão ocorrendo tempestivamente”, explica.
A diferenciação feita por Goes é porque agora está sendo divulgado o levantamento, instrumento mais amplo de análise da realidade dos colegiados, usado para “entender toda a lógica e apresentar oportunidade de melhoria, propostas para os consórcios, para o Governo e para a própria ação do Tribunal”.
Por isso, o relatório final foi encaminhado não apenas para os consórcios fiscalizados e para o Governo do Ceará, como também para os demais colegiados em funcionamento do Estado, para que todos possam avaliar e, eventualmente, “corrigir” situações mais problemáticas.
“E agora, nós iremos para uma ação de fiscalização não somente nessa linha orientativa, mas numa linha de voltar ao cumprimento da legislação. Esse é o próximo passo das fiscalizações nos consórcios públicos. Nós devemos estar ainda esse ano, comecinho do próximo, continuando e, agora, mantendo um melhor acompanhamento dos consórcios públicos, porque, realmente, eles são uma política pública que funciona, mas que precisa ser aprimorada cada vez mais”.
Prestação de contas dos consórcios públicos
O relatório também recomenda uma “atualização da legislação desta Corte” em relação à prestação de contas dos consórcios de saúde — cuja análise é de responsabilidade dos conselheiros do TCE Ceará. Isso, porque o levantamento constatou “fragilidade no acompanhamento das contas” destes colegiados.
“Não se localizou instrumento que trate especificamente de consórcios públicos, com a exigência de apresentação de peças inerentes a eles como estatutos, Protocolos de Intenção, Contratos de Rateio, Contratos de Programa, e eventuais alterações, acompanhados de documento que comprove o cumprimento das cláusulas pactuadas e o atingimento dos resultados previstos, dentre outras”.
Ou seja, existe uma “ausência de previsão de peças características dos consórcios públicos”, continua o texto. Em entrevista ao PontoPoder, Cristiano Goes diz que o trabalho para atualização “está em curso”. “Uma nova instrução normativa de prestações de contas, que vai atualizar a maneira da prestação de contas, está sob análise”, explica.
Ele destaca a importância da mudança, já que a prestação de contas de um consórcio de contas de saúde “não pode ser considerada como se fosse uma prestação de contas comum, (…) pela relevância, pela importância que ela tem”. Goes acrescenta que o motivo de ainda não existir um regramento específico é o fato dos consórcios ainda serem considerados um instrumento “recente” de gestão.
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“Por isso que os técnicos colocaram como uma sugestão a atualização da forma da prestação de conta anual que esses consórcios fazem ao Tribunal de Contas. (…) Isso já passou por diversos setores, já teve uma audiência pública. A ideia é que ela seja aprovada o quanto antes. Estamos acompanhando esse processo, mas ele já está em curso”, descreve.
Atuação do Ministério Público
O Grupo de Trabalho dos consórcios públicos de saúde do Ministério Público do Ceará iniciou as atividades ainda em 2024, sendo exclusivo para promotores de Justiça, com a meta de estudar a parte documental dos 21 consórcios de saúde do Ceará, assim como os equipamentos vinculados a eles. Na época, o trabalho resultou em um Plano Operacional para otimizar a atuação dos promotores na temática. Em 2025, o GT foi ampliado e passou a incluir os representantes dos consórcios de saúde e a Secretaria de Saúde do Ceará.
A iniciativa é encabeçada pelo Centro de Apoio Operacional da Saúde (Caosaúde) e pelo Centro de Apoio Operacional da Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (CAODPP).
Coordenadora do Caosaúde, a promotora de Justiça Karine Leopércio explica que a iniciativa ocorre pela importância dos consórcios “como instrumento de regionalização dos serviços de saúde” no estado, mas que ainda possui pontos “bem defasados”.
As quatro prioridades escolhidas pelo GT foram absenteísmo, a transparência, a falta de indicadores para a qualidade do serviço e o regime de pessoal — uma parte delas retirada do relatório final do TCE Ceará sobre o assunto. A primeira rodada de reuniões com os representantes dos consórcios foi feita em agosto. Nela, foram informadas essas prioridades e a necessidade de fazer adequações, encontrando soluções ou caminhos para resolver os problemas.
A segunda etapa será em novembro, quando o MPCE fará reuniões individualizadas com cada consórcio para saber onde eles “conseguiram evoluir”, inclusive com a apresentação de um plano de ação, com as soluções e a forma como elas devem ser executadas.
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“Depois de avaliar o que é que conseguimos, se progredir ou não, é que a gente vai montar o roteiro das fiscalizações para o ano que vem”, explica a promotora. Ela pontua que entende que as soluções dependem também de uma “articulação política com o Governo do Estado”, inclusive por ser a instância presente em todos os consórcios de saúde.
“Porque, na realidade, isso é um processo estruturante. (…) A gente está tentando essa solução, essa mediação para tentar resolver esses problemas. Uma vez não resolvidos que a gente vai partir para o ajuizamento de outras ações”, conclui.
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