Instalada após reviravolta política, comissão terá cearenses entre titulares e suplentes, com falas divergentes sobre os rumos da investigação
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A instalação da CPMI do INSS na última quarta-feira (20) confirmou a tese de que a oposição conseguiu impor uma derrota ao governo. Em articulação de última hora, os oposicionistas emplacaram o senador Carlos Viana (Podemos-MG) na presidência e o deputado Alfredo Gaspar (União-AL) na relatoria, desbancando nomes alinhados ao Planalto.
O episódio expôs a fragilidade da articulação dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que já davam como certo o comando da comissão.
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A escolha da vice-presidência da CPMI ainda não foi feita. Durante a reunião que elegeu presidência e relatoria, foram levantadas algumas candidaturas a vice, entre elas os deputados Marcel van Hattem (Novo-RS), Zé Trovão (PL-SC), Bia Kicis (PL-DF), Coronel Fernanda (PL-MT) e Duarte Jr. (PSB-MA). Como não houve consenso, a decisão foi postergada e deve ocorrer apenas nas primeiras semanas de trabalho.
O clima no plenário foi de comemoração com a vitória da oposição, que conseguiu inverter o jogo e assumir o comando da comissão. A instalação da CPMI foi marcada por aplausos e discursos de exaltação ao resultado, enquanto a base governista tentava minimizar o revés. Entre os parlamentares cearenses, as reações refletiram leituras distintas sobre os efeitos da investigação, que terá a missão de apurar fraudes bilionárias em aposentadorias e pensões.
Quem pode ser chamado a depor
Já foram apresentados 448 requerimentos à CPMI do INSS. Muitos deles miram personagens centrais da Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal para investigar os descontos irregulares em aposentadorias e pensões, são eles:
- Alessandro Stefanutto, ex-presidente do INSS;
- Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, ex-procurador-geral do instituto;
- Thaisa Hoffmann Jonasson, empresária ligada ao esquema;
- Antônio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS” — apontado como operador do esquema, movimentou mais de R$ 50 milhões e foi alvo de um polêmico sigilo de 100 anos sobre imagens de sua circulação no Senado.
Outro nome que movimenta o Planalto é o de Frei Chico, irmão do presidente Lula, que ocupa o cargo de vice-presidente do Sindnap (Sindicato Nacional dos Aposentados da Força Sindical), entidade sob suspeita.
O que dizem os parlamentares do Ceará
Na oposição, o senador Eduardo Girão (Novo) comemorou a instalação da CPMI como uma derrota do “sistema” e disse que o consenso construído na madrugada garantiu maior equilíbrio nos trabalhos. Para ele, a comissão tem a missão de investigar com profundidade o esquema e dar respostas à sociedade.
“A comissão tem que investigar a fundo o ‘Careca do INSS’, que é o ponto central desse escândalo. Carros foram apreendidos, outras situações reveladas, e ele não está preso até agora. Misteriosamente. Por muito menos, na Lava Jato já havia dezenas de presos. Queremos saber em quais gabinetes ele circulou e esclarecer a história do Senado ter colocado 100 anos de sigilo sobre as imagens dele aqui dentro. Esse será um dos primeiros requerimentos da CPI”.
Girão também afirmou que a CPMI deve investigar o irmão do presidente Lula e que a oposição terá papel fundamental no andamento das apurações: “O rombo no INSS cresceu exponencialmente depois que o Lula voltou ao poder. Essa CPMI tem o dever e a missão de apurar com profundidade e punir quem insiste em blindar corruptos. O povo brasileiro é sério e íntegro, não merece esse tipo de postura”.
R$ 1 bilhão devolvido
A senadora Augusta Brito (PT), que participa como suplente, reforçou que o governo não teme a CPMI. Segundo ela, o trabalho deve ajudar a identificar os responsáveis, mas é preciso lembrar que grande parte das entidades suspeitas foi credenciada em governos anteriores.
“Mais de R$ 1 bilhão já foi devolvido para aposentados e pensionistas. A Polícia Federal está investigando e os culpados serão punidos. O governo não teme CPI. Quem deve temer são os que abriram as portas para essas fraudes em governos passados”, afirmou.
Líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT) admitiu que a base “engoliu mosca” na articulação, mas tentou minimizar o peso político do episódio.
“Eu acho que faltou (articulação), nós engolimos mosca. Mas também não é o fim do mundo. O governo está cuidando bem, já pagou praticamente todos os beneficiários que foram lesados”, disse.
Guimarães lembrou experiências anteriores em CPIs, como a do MST e a do 8 de Janeiro, para reforçar que não vê motivo para alarme.
“Já acompanhei duas CPIs, a do MST e a do 8 de Janeiro. Monitoramos 24 horas por vídeo e tudo certo. Também não é o fim do mundo”.
‘Autonomia’
Já o deputado Danilo Forte (União), que será relator de um projeto paralelo sobre os descontos indevidos, defendeu que a CPMI pode ir além de responsabilidades individuais e rastrear o dinheiro desviado.
“Foram mais de 9 milhões de aposentados e pensionistas roubados. Precisamos confiscar os bens dos fraudadores e devolver aos idosos. A autonomia da CPMI é fundamental para identificar os culpados e dar resposta à sociedade”, afirmou.
Para o parlamentar, a derrota do governo na instalação é natural: “Toda CPI é boa para a oposição e ruim para quem está no governo. É da natureza da investigação. Se não quer ser exposto, que faça bem feito. Quando dá margem para o errado, a peia vem.
Projeto paralelo relatado por Danilo Forte
Enquanto a CPMI avança, a Câmara também discute o PL 1546/2024, relatado pelo deputado Danilo Forte (União). A proposta foi apensada a mais de 60 projetos semelhantes e tem tramitação em regime de urgência, o que permite análise direta em plenário.
O texto proíbe que sindicatos e associações realizem descontos automáticos em benefícios previdenciários – prática que deu origem ao escândalo investigado. Prevê ainda a restituição obrigatória de valores cobrados de forma indevida em até 30 dias, cabendo ao INSS ressarcir os segurados caso as entidades não o façam.
Outro ponto é a chamada “busca ativa”, que obriga o instituto a identificar e indenizar proativamente os aposentados e pensionistas lesados, com prioridade para idosos e moradores de áreas de difícil acesso.
O projeto também inclui mecanismos de proteção de dados, exige biometria ou assinatura eletrônica qualificada para a contratação de empréstimos e permite o sequestro judicial de bens de fraudadores para garantir ressarcimento.
Os próximos passos da CPMI
A CPMI, formada por 16 senadores e 16 deputados, terá prazo de 180 dias para concluir os trabalhos. Os trabalhos começam na terça-feira (26). A primeira reunião deve votar requerimentos para requisitar apoio técnico da Polícia Federal, da Controladoria-Geral da União (CGU) e do INSS. Esses servidores vão auxiliar nas quebras de sigilo, no acompanhamento de diligências e na análise de dados que embasarão a investigação.
Na quinta-feira (28) será votado o plano de trabalho do relator, deputado Alfredo Gaspar (União-AL). O documento deve definir o cronograma de oitivas e a lista inicial de convocados.
Segundo o presidente da comissão, senador Carlos Viana (Podemos-MG), a intenção é começar ouvindo todos os ministros da Previdência desde o governo Dilma Rousseff, além de ex-presidentes do INSS, para mapear as falhas do sistema.
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Nos bastidores, a disputa já é sobre quem entra primeiro na fila das convocações. A oposição pressiona para avançar sobre nomes que atingem diretamente o governo, como o de Frei Chico, irmão do presidente Lula. O presidente da comissão, no entanto, tenta conter o embate político e diz que ainda é “prematuro” definir nomes sensíveis.
A CPMI terá reuniões às segundas-feiras, às 15h, e às quintas, às 9h. A vice-presidência do colegiado deve ser escolhida apenas na segunda ou terceira semana de atividades. Até lá, a expectativa é de que os primeiros depoimentos funcionem como teste de fogo da comissão. Será a partir dessas oitivas que os rumos das investigações ficarão mais claros e definidos.
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