Entre os condenados, estão um ex-secretário municipal e um ex-chefe de gabinete da Prefeitura de Iguatu. Um réu foi absolvido e outros dois, morreram durante o processo criminal

Quatro acusados de torturar cinco jovens, que realizavam panfletagem contra um ex-prefeito de Iguatu (prefeito à época), foram condenados pela Justiça Estadual a uma pena somada de 53 anos de prisão. Entre os réus, estão um ex-secretário municipal e um ex-chefe de gabinete da Prefeitura Municipal.
A sentença foi proferida pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Iguatu, no último dia 31 de julho. Os acusados foram sentenciados a penas individuais de 13 anos e 4 meses de reclusão, a serem cumpridas em regime inicialmente fechado. Entretanto, o juiz concedeu aos réus o direito de apelar da condenação em liberdade.
O grupo foi condenado pela prática do crime de tortura, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa, com os agravantes de terem sido cometidos por agentes públicos e mediante sequestro. A Justiça também decretou a perda dos cargos e empregos públicos dos réus, pelo dobro do prazo da pena (ou seja, por 26 anos).
Veja quem são os condenados:
- Cícero Santiago Alves de Lima, ex-funcionário do hospital municipal (atuou como vigilante e coordenador dos maqueiros);
- Francisco Aldemir Alves Amorim, conhecido como ‘Demir’, ex-secretário municipal;
- Juliene Bernardo da Silva, o ‘Potó’, guarda municipal;
- Theogenis Martins Teixeira Florentino, ex-chefe de gabinete da Prefeitura.
As defesas dos réus não foram localizadas pela reportagem para comentar a sentença. O espaço segue aberto para futuras manifestações. Nos Memoriais Finais do processo, as defesas alegaram que a acusação se revestiu “de puro sensacionalismo” e sustentaram que os réus não cometeram nenhum crime.
Um quinto réu, Antônio Zilmar da Silva, também guarda municipal, foi absolvido, por falta de provas para condená-lo. Outros dois acusados, Francisco Itailton Neves (guarda municipal) e Francisco de Assis Alves Bandeira (policial militar), tiveram a punibilidade extinta, em razão de terem morrido durante o trâmite do processo criminal.
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Vítimas foram sequestradas e agredidas
Conforme a denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE), cinco jovens foram sequestrados, torturados e agredidos por um grupo, em Iguatu, no Interior do Ceará, entre a noite de 11 de fevereiro de 2010 e a madrugada do dia seguinte.
A primeira abordagem ocorreu na Rua Floriano Peixoto, contra dois jovens, que identificaram Theogenis Martins, Francisco Aldemir e Cícero Santiago como os sequestradores. A dupla foi levada para um terreno, próximo a um quartel do Corpo de Bombeiros, na Avenida Perimetral.
Outros três jovens correram para uma pizzaria, na Praça da Matriz, mas foram alcançados por Francisco Bandeira, Antônio Zilmar, Francisco Itailton e Juliene Bernardo, segundo o MPCE. Os acusados – um policial militar (então chefe da Guarda Municipal) e três guardas municipais – passaram pela delegacia da Polícia Civil, mas mantiveram as vítimas rendidas no carro, para não serem vistas por policiais civis.
Então, em veículos diferentes, “as cinco vítimas sequestradas foram levadas para a rodovia estadual que liga Iguatu a Jucás, proximidades do Distrito de Barro Alto, onde num terreno baldio às margens da mencionada rodovia estadual foram agredidas, espancadas, violentadas e torturadas com socos, murros, chutes, pontapés, com cinto, resultando todas lesionadas, consoante laudos periciais referenciados”, narrou a denúncia, citada pela sentença judicial.
As vítimas sequestradas e torturadas sofreram toda sorte de agressão, violência e constrangimento físico, moral e psicológico, a ponto de deitadas no chão e totalmente indefesas urinarem nos seus rostos, ficando ainda despidos e seminus, apenas de cueca, sendo ainda retirados os seus pertences, como aparelhos celulares, roupas, relógios, documentos e dinheiro, quando foram socorridas por policiais militares acionados pelo COPOM, por volta das 3:00 horas da madrugada do dia 12 de fevereiro de 2010, apresentando todos sinais visíveis de espancamento e lesões corporais.”
Segundo o Ministério Público, “a motivação para tamanha barbárie foi pelo simples fato das vítimas naquela noite estarem distribuindo panfletos pelas ruas desta cidade relacionados ao então Prefeito Municipal Agenor Gomes de Araújo Neto e ao pai deste, então Deputado Estadual José Ilo Alves Dantas, exercendo todos os acusados, naquela ocasião, funções junto a Prefeitura Municipal de Iguatu, na Guarda Municipal, Chefia de Gabinete e Secretaria Executiva”.
O ex-prefeito Agenor Gomes de Araújo Neto e o pai dele não foram responsabilizados criminalmente pelo caso de tortura. Agenor é deputado estadual reeleito para o terceiro mandato consecutivo. Já o ex-deputado estadual José Ilo Alves Dantas morreu aos 81 anos, em Fortaleza, em dezembro de 2023.
Versões das defesas dos réus
Nos Memoriais Finais do processo, a defesa de Cícero Santiago Alves de Lima, Francisco Aldemir Alves Amorim, Juliene Bernardo da Silva e Antônio Zilmar da Silva afirmou que “o procedimento entelado, desde seu início, revestiu-se de puro sensacionalismo em que humildes cidadãos viraram ‘pratos cheios’ para aqueles que muito se deleitam em surgir perante os órgãos de imprensa”.
Segundo a defesa, as vítimas eram “militantes políticos partidários”. “É fato público e notório, que tudo não passa de um ledo engano ou, quem sabe, uma trama diabólica e arquitetada por malfeitores da Terra da Telha, os conhecidos coveiros das instituições públicas, a título de obter dividendos político-partidários”, alegou.
Já a defesa de Theogenis Martins Teixeira Florentino sustentou que “todas as acusações sustentadas até aqui neste processo se baseiam essencialmente nas declarações das vítimas, que se contradizem entre si em muitos aspectos e nas circunstâncias em que teriam supostamente ocorrido os fatos noticiados, desde a fase de inquérito, quando ouvidas perante a autoridade policial, e também em juízo”.
“Desde o nascedouro desta ação penal, o acusado Theognis nega qualquer participação nesses supostos delitos e a prova acima referida, além de tantas outras sobre as quais nos manifestaremos, já demonstra essa evidência. Ficou claro, por meio de documentos e após o seu interrogatório judicial, que Theognis não estava na cidade de Iguatu, pois tinha ido visitar a sua família e participar de um velório familiar na vizinha cidade de Acopiara”, acrescentou.
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